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Desertores do Exército de Myanmar confirmam atrocidades contra comunidades rohingya

Refugiados rohingya em Cox Bazar, no Bangladesh
Refugiados rohingya em Cox Bazar, no Bangladesh
Rafiquar Rahman/Reuters

Em dois testemunhos gravados em vídeos que foram publicados por uma ONG, os militares confirmam ter participado em diferentes massacres, recebendo ordens para “atirar a tudo o que vissem e ouvissem”

Desertores do Exército de Myanmar confirmam atrocidades contra comunidades rohingya

Mafalda Ganhão

Jornalista

Dois militares que desertaram do exército de Myanmar (antiga Birmânia) confirmaram a prática de atrocidades sobre a minoria rohingya, anunciou esta terça-feira um grupo de defesa de direitos humanos. Em relatos gravados em vídeo, os antigos soldados afirmam ter recebido dos seus superiores ordens para “atirar a tudo o que vissem e ouvissem” em aldeias habitadas pela minoria muçulmana, testemunhos que a a ONG Fortify Rights considera puderem vir a ser usados como provas na investigação sobre a violência contra os rohingya, conduzida cabo pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).

Desde 2017, mais de 700.000 rohingya fugiram de Myanmar para o vizinho Bangladesh para escapar daquela que é considerada uma campanha de limpeza, após um ataque de um grupo rebelde Rohingya no estado de Rakhine. Apesar das denúncias sobre violações, assassinatos e outros crimes, o país tem negado sempre as acusações.

Segundo a Fortify Rights, Win Tun, 33 anos, e Zaw Naing Tun, 30, fugiram no mês passado e estão atualmente sob custódia do TPI, na Holanda. Os vídeos foram filmados em julho, quando os soldados estavam sob custódia do Exército Arakan, um grupo étnico guerrilheiro em Rakhine que lutava contra o governo, tendo sido publicados na página da ONG.

Os militares aparecem sentados e vestidos com uniformes, tendo um lençol a cobrir o fundo, enquanto se uma voz masculina a fazer perguntas. De acordo com a Associated Press, os testemunhos parecem ter sido preparados, ou mesmo ensaiados, e reportam a eventos ocorridos há cerca de três anos. As descrições vão ao encontro dos muitos relatos de atrocidades reunidos por investigadores da ONU e membros independentes de ONG’s que apoiam refugiados rohingya no Bangladesh.

Depois de se identificar dizendo o seu nome, número de série e unidade militare, Myo Win Tun diz ter participado numa operação em que foram mortas e enterradas 30 pessoas: “oito mulheres, sete crianças e 15 homens e idosos”.

Afirma ainda que o comandante da sua unidade ordenou o extermínio de “todos os Kalar” - um nome depreciativo para os rohingya – atirando os seus corpos para dentro de um buraco. Os militares também violaram as mulheres antes de as matar, com o soldaado a admitir ter ele próprio violado uma mulher.

Já Zaw Naing Tun conta como a sua unidade “varreu” 20 aldeias rohingya. O soldado afirma que cerca de 80 pessoas foram mortas, incluindo crianças, adultos e idosos de ambos os sexos. As mortes foram autorizadas pelo comandante do seu batalhão, que identifica como o tenente-coronel Myo Myint Aung.

Já este ano, em janeiro, o mais alto tribunal das Nações Unidas, o Tribunal Internacional de Justiça, exigiu a Myanmar que tome medidas para prevenir o genocídio das pessoas da minoria rohingya. A sentença marcou um momento importante na saga dos rohingya, que há quase meia década lutam para que as altas instâncias da justiça mundial ouçam as suas denúncias.

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