Quando saíram as primeiras sondagens à boca das urnas, apenas 1% dos votos separavam o atual presidente da Polónia, Andrzej Duda, que tem atrás de si o partido eurocético e conservador Lei e Justiça (PiS), do seu oponente centrista Rafał Trzaskowski, do partido Plataforma Cívica: 50,4% para 49,6%. A margem de erro da sondagem à boca da urna, escreve o jornal "POLITICO" na versão online deste domingo, é de 2% e por isso os meios de comunicação polacos não estão a avançar com um nome vencedor.
Também a Comissão Eleitoral da Polónia decidiu não revelar os resultados parciais que normalmente vão chegando às televisões à medida que cada círculo eleitoral fecha a contagem, apenas o resultado final, que se espera na segunda-feira à noite ou já terça-feira de manhã.
O que já se sabe é que não havia uma segunda volta de eleição presidencial com uma participação tão elevada desde 1989: 68,9% dos polacos que podem votar, fizeram-no. Afinal não é apenas a situação atual que este domingo foi a votos mas sim a visão do que a Polónia deverá ser no futuro: a eleição de Duda significa um reforço das posições anti-minorias (os direitos dos homossexuais são uma das maiores preocupações), a recusa na aceitação de migrantes e a politização da justiça - tudo assuntos em que a União Europeia considera a Polónia divergente dos seus valores; a de Trzaskowski, segundo ele mesmo, representa uma aproximação aos parceiros europeus.
A campanha foi um espelho das fortes divisões entre o povo polaco: uma parte do país desconfia da Europa, não se assusta e até apoia a aproximação a potências como a Rússia ou a Turquia; outra sente-se em casa na União Europeia e quer lutar por uma relação cada vez mais próxima com o bloco de 27.
Neste último grupo está Trzaskowski, presidente da Câmara de Varsóvia, que escolheu como principais temas de campanha a denúncia de algumas das medidas do PiS (no governo) que, na sua opinião, politizaram órgãos de soberania que deveriam permanecer independentes. O exemplo mais conhecido é da independência dos juízes, que levou um duro golpe quando o governo impôs, por exemplo, a aposentadoria forçada para dezenas de juízes.
Duda recorreu às antigas bandeiras do PiS para transmitir ao seu eleitorado a segurança que valorizam: prometeu mais ajuda sociais às famílias, criticou a hegemonia da “ideologia LGBT”, acusou a Alemanha de querer interferir nos destinos da Polónia e avisou contra a política de compensação dos judeus pelas atrocidades cometidas pelos nazis. A negação do genocídio cometido durante a 2ª Guerra Mundial não é um traço incomum entre os apoiantes mais fiéis do PiS. Um artigo da página de notícias Notes, de um grupo de jornalistas polacos críticos do governo do PiS, nota que a emissora estatal TVP sugeriu repetidamente, durante a campanha, que, se Trzaskowski se tornasse presidente, procuraria "atender às exigências judaicas" e que as organizações que representam os judeus vítimas de perseguição querem “roubar milhões de zloty em reivindicações de restituição”. Trzaskowski disse que não iria pagar compensações mas a televisão retirou essa frase da notícia.
Dois dos principais analistas do Conselho Europeu de Relações Internacionais (ECFR) na área de política interna polaca, Piotr Buras e Pawel Zerka, escreveram na página do ECFR uma nota de análise logo depois de conhecida esta primeira sondagem onde elegem o resultado de Trzaskowski como o fator mais surpreendente destas presidenciais, ainda que concedam que muito provavelmente será Duda o eleito. “Duda não conseguiu garantir uma vitória clara mesmo depois de duas semanas em que os meios de comunicação públicos o apoiaram de forma massiva e durante as quais conduziu ataques brutais contra o seu adversário”. Trzaskowski conseguiu mais dois milhões de votos além dos que tinha garantido na primeira volta.
Apesar de os resultados tão próximos, ambos anunciaram vitória pouco depois de conhecidas a sondagem à boca das urnas. "Muito obrigada, de coração. Vencer uma eleição presidencial é uma notícia maravilhosa, estou muito comovido”, disse aos apoiantes que se tinham reunido à espera dos resultados num comício. “Nós dissemos que ia ser renhido, e foi, está a ser. Mas estou completamente convencido de que venceremos”, disse, por seu lado, Trzaskowski, citado pelo "POLITICO", tal como Duda.
A margem ínfima de diferença levou os analistas políticos polacos a procurar qualquer coisa que possa fazer adivinhar quem será o vencedor. Uma das teorias é a de que os apoiantes de Duda são mais envergonhados nas suas resposta aos estatistas - na primeira volta Duda teve quase mais dois pontos percentuais do que aqueles que lhe foram atribuídos na primeira sondagem à boca das urnas.
Por outro lado, e isto é um dos fatores também apontados pelos dois analistas do ECFR, faltam contabilizar os votos dos polacos que vivem no estrangeiro, e esses tendem a votar numa voz mais liberal como a de Trzaskowski. Até os polacos residentes nos Estados Unidos, mais conservadores em outras eleições, votaram, esta vez, de forma mais dividida, segundo os primeiros resultados que estão a ser divulgados por jornalistas polacos no Twitter.
O diário britânico “Guardian” explica, num perfil dos dois homens que lutam pela liderança da Polónia, que a educação pode estar na base das diferenças entre Duda e Trzaskowski.
Trzaskowski, filho de dois pais artistas, cresceu em Varsóvia, estudou no estado do Michigan, nos anos 90, depois no College of Europe em Varsóvia e recebeu uma bolsa de estudo da Universidade de Oxford e do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia em Paris. Só depois ingressou na política. Já Duda, apesar de também ter pais instruídos (ambos professores universitários), “recebeu uma educação muito mais tradicional - e, segundo alguns relatos, severa - rica em catolicismo e valores conservadores”, escreve o “Guardian”.
Na juventude foi líder do movimento escoteiro, um pilar da tradição patriótica do país que forma centenas de jovens para uma vida mais próxima dos valores tradicionais, com relativo receio das mudanças culturais fomentadas pela globalização e pela abertura de fronteiras.
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