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E se os eleitores mandatados para escolherem o Presidente dos EUA votassem em outra pessoa qualquer? Antes era possível

Em "What Happened", a ex-candidata presidencial Democrata não poupa Donald Trump
Em "What Happened", a ex-candidata presidencial Democrata não poupa Donald Trump
Foto Rick Wilking/REUTERS

Nos Estados Unidos, as pessoas que escolhem o Presidente chamam-se “eleitores do Colégio Eleitoral”. Depois de apurada a maioria dos votos populares em cada estado, esses eleitores depositam depois o seu voto num dos candidatos à presidência, que convém ser o candidato pelo qual a maioria do estado votou. Na história dos Estados Unidos, 99% dos eleitores respeitaram a vontade da maioria da população dos seus estados mas em 2016 vários "rebeldes" tentaram modificar os seus votos. O Supremo Tribunal disse esta segunda-feira que os eleitores que não escolherem o candidato preferido pelo voto popular podem ser removidos ou multados. Sim, até aqui podiam votar em quem quisessem

E se os eleitores mandatados para escolherem o Presidente dos EUA votassem em outra pessoa qualquer? Antes era possível

Ana França

Jornalista da secção Internacional

O Supremo Tribunal dos Estados Unidos decidiu esta segunda-feira considerar constitucionais as leis que penalizam ou substituem os eleitores do Colégio Eleitoral que não escolham o candidato presidencial que teve mais votos no estado pelo qual estão mandatados. Para entender esta decisão, é preciso mergulhar um pouco na forma pouco ortodoxa como os norte-americanos escolhem os seus presidentes.

O sistema de escolha de um presidente nos Estados Unidos não é exatamente igual ao que vigora, por exemplo, em Portugal. Aqui, uma maioria de votos dá a vitória - uma maioria de mais de 50% elimina a necessidade de uma segunda volta. Mas a questão nos Estados Unidos é mais complexa: o presidente é eleito por Colégio Eleitoral e os membros desse órgão são escolhidos, em diferente número, por cada Estado, conforme o número de habitantes. Por exemplo: a Califórnia envia 55 “votos” para o Colégio Eleitoral e Nova Iorque 29. Estados com menos população, como o Alasca ou o Dakota do Norte, enviam três cada um. O sistema de votação é igual ao do Reino Unido em legislativas, ou seja, o primeiro classificado “leva tudo” e os votos nos segundos e terceiros candidatos não servem para nada, do ponto de vista legal. Hillary Clinton vai sempre poder dizer que teve quase mais três milhões de votos do que Donald Trump mas isso não lhe valeu a presidência porque no total dos “votos” que cada estado envia para o Colégio Eleitoral venceu Donald Trump.

Não há disposição constitucional ou lei federal que exija que os eleitores votem de acordo com os resultados da votação popular nos seus estados. Ou seja, se, por exemplo, a Pensilvânia enviar 20 votos republicanos para o Colégio Eleitoral, uma dessas pessoas pode chegar ao dia e decidir voltar por outro candidato qualquer, isto apesar de a maioria do estado que essa pessoa foi representar ter votado no candidato do Partido Republicano. Esta segunda-feira, o Supremo Tribunal decidiu, por unanimidade, que os estados podem passar a obrigar os eleitores a depositar o seu voto de acordo com a vontade da maioria. Esse limite à independência dos eleitores elimina pelo menos uma incerteza, por muito pequena que seja. Os estados podem também punir os chamados “eleitores sem fé”, ou seja, quem, no dia da escolha de depositar o seu voto para o presidente, decida votar noutro candidato que não aquele que a maioria popular do seu estado escolheu.

"O texto da Constituição e a história da nação apoiam a permissão de um estado para fazer cumprir a promessa de um eleitor de apoiar o candidato do seu partido - e a escolha dos eleitores do estado - para o presidente", escreveu a juíza Elena Kagan na decisão do Supremo. As leis que destituem ou penalizam os delegados refletem "uma tradição de longa data em que os eleitores não são agentes livres; devem antes votar no candidato escolhido pelos eleitores do estado".

Em cinco das 58 eleições presidenciais anteriores, 10 destes “eleitores sem fé” chegariam para mudar o resultado destas eleições. Por exemplo: em 2000, George Bush venceu Al Gore apenas por cinco votos do colégio eleitoral.

Algumas leis estaduais estabelecem que estas pessoas podem estar sujeitas a multas ou podem ser desqualificados por emitir um voto inválido e substituídos por um outro eleitor. Não é uma coisa que acontece muito: em toda a história da democracia norte-americana, 99% dos eleitores que têm como incumbência escolher o presidente votaram de acordo com o que as pessoas decidiram mas em 2016 houve algumas histórias que se tornaram a exceção. Sete votos dos “rebeldes” foram validados, o maior número em todo o século XX e nas eleições que já se realizaram este século.

Na corrida à Casa Branca que opôs Donald Trump a Hillary Clinton nasceu um movimento chamado “Hamilton Electors”, cujo objetivo era encontrar 37 eleitores mandatados para que quisessem votar num republicano diferente de Donald Trump no dia da escolha no Colégio Eleitoral. Três destes votos foram invalidados devido às leis estaduais que simplesmente proíbem que um eleitor vote noutro nome que não aquele que a maioria da população escolheu mas os outros sete, de estados onde o eleitor é livre, votaram noutras pessoas.

Hillary Clinton perdeu cinco dos seus eleitores enquanto Trump perdeu dois. Três dos “eleitores rebeldes” votaram em Colin Powell, que nunca foi candidato à presidência, um outro voto foi para John Kasich, um dos concorrentes ao lugar de candidato pelo Partido Republicano à presidência em 2016; outro para Ron Paul, ex-deputado pelo Texas; um sexto para Bernie Sanders, candidato à nomeação democrata tanto em 2016 como agora em 2020, e o último para uma conhecida líder dos nativos americanos, Faith Spotted Eagle, o primeiro membro de alguma tribo nativa a algum dia receber um voto no Colégio Eleitoral.

As deserções não resultaram na mudança com que o movimento sonhou - apenas dois dos sete desistiram de votar em Trump, o candidato que acabou por ganhar. Seriam precisos 35 votos válidos para forçar à “eleição de contingência”, que é quando todos os deputados da Câmara dos Representantes dão um voto a cada um dos três candidatos mais votados. São precisos 270 votos no Colégio Eleitoral para se ser eleito presidente dos Estados Unidos.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: afranca@impresa.pt

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