Sofrimento desnecessário e mortes. Será esta a consequência de reabrir os Estados Unidos à atividade económica demasiado cedo, na opinião do mais respeitado epidemiologista do país, Anthony Fauci, que esta terça-feira foi ao Senado responder a perguntas sobre a progressão do combate a esta crise pandémica. Na segunda-feira à noite, ao “New York Times”, antecipou o tom da sua intervenção e usou a expressão que abre este e muitos textos na imprensa internacional, para que não restasse muito espaço para análise sobre aquilo que realmente pensa. No Senado voltou a usar a frase e outras versões da mesma.
Antes do início da sessão, o líder da minoria democrata no Senado, Charles Schumer, instou o epidemiologista a não poupar nos detalhes, já que muitas vezes, em conferências de imprensa ao lado do Presidente Trump, Fauci normalmente não tem oportunidade de explorar todas as esquinas negras de dúvidas que ainda subsistem em relação a este vírus: “O dr. Fauci é um homem que diz a verdade, é essa a sua reputação. Aqui ele tem de dizer toda a verdade”, pediu.
Foi também por aí que a senadora democrata por Washington, Patty Murray, abriu a sessão pedindo “verdade para as famílias norte-americanas” e acusando Donald Trump de não estar comprometido com o mesmo: "Há vidas em jogo. O Presidente não está a dizer a verdade”, disse pedindo ao Senado para "investigar os fatos" e desfiando uma série de críticas ao “atraso nos testes” e à “influência política” da Administração em todo o processo.
"Existe um risco real de desencadearmos um surto que talvez não possamos controlar", disse Fauci, personificando o conceito de "direto ao assunto", referindo-se às potenciais consequências da abertura do país. Ações precipitadas apenas "atrasariam o relógio" na luta contra o vírus e em vez de ajudar a economia acabariam por prejudicar toda a recuperação.
Boas notícias? Nenhuma
Fauci disse pouco que tenha sido agradável de ouvir, tanto para ouvidos republicanos como para os de democratas. Por um lado admitiu, questionado pelo senador democrata e até há pouco tempo candidato à Casa Branca contra Donald Trump, Bernie Sanders, que as mortes são provavelmente em maior número do que os que estão a chegar aos boletins oficiais: "Não tenho certeza se será 50% maior, mas a maioria de nós acha que o número de mortes provavelmente será maior, especialmente na cidade de Nova Iorque (onde o número oficial de mortos ultrapassou 20.000)”.
Por outro lado, Fauci não descansou quem considera que o mais importante é a reabertura de serviços. Não são poucos os analistas a defende que a pandemia foi um grande golpe nas perspectivas de reeleição de Donald Trump e com Anthony Fauci a aconselhar que o país fiquei mais tempo confinado, esta pressão não deve aliviar tão cedo.
Mas não é só Trump, que por diversas vezes se manifestou a favor de um regresso rápido à normalidade, que está contra estas medidas: em alguns estados milhares de pessoas têm saído à rua nas últimas semanas pedindo o regresso aos seus empregos. Mesmo assim, Fauci e a sua equipa preferiram aconselhar prudência. Com ele no Senado esteve Stephen Hahn, diretor da FDA (a agência norte-americana para a segurança alimentar e dos fármacos), Robert Redfield, diretor do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) e Brett Giroir, responsável pelo programa de testes no país. Nenhum deles cedeu na admissão da gravidade desta pandemia.
“O que nós criámos foi uma estrutura de diretrizes para explicar como é que se abre novamente os Estados Unidos com segurança ... Fico preocupado se houver uma situação em que não seja possível observar uma diminuição gradual ao longo de 14 dias de novos casos. Mas se os estados saltarem estas medidas e abrirem de forma permanente sem poderem dar resposta, começaremos a ver pequenos picos que podem se transformar em surtos maiores”, alertou Fauci respondendo a uma pergunta da senadora Murray.
Cerca de uma hora depois, em resposta a Elizabeth Warren, também ela ex-concorrente ao lugar de candidata contra Trump em Novembro e atualmente senadora pelo estado do Massachusetts, Fauci disse: “Se me está a perguntar: ‘temos isto sob controlo?’ a resposta é: ‘não’.
E a vacina quando nascer, será para todos?
Como seria de esperar, o calendário para uma vacina também esteve em foco. Mais uma vez, nenhuma notícia esperançosa: Fauci disse que há testes clínicos a acontecer neste momento e que a próxima fase deve começar no verão. No inverno, Fauci espera já ter informação sobre o sucesso (ou não) desses testes mas isso “não quer dizer que uma vacina esteja já pronta para o público nessa altura, apenas que teremos os resultados dos testes”.
Essa foi a maior preocupação expressa por Bernie Sanders no seu tempo de intervenção. “Quando a vacina chegar, não vai ajudar ninguém se as pessoas não conseguirem ter-lhe acesso. Se todos tivermos de pagar uma vasta soma para conseguir uma vacina, unicamente contribuindo para os lucros das farmacêuticas, isso também não vai ajudar”, disse Sanders. Brett Giroir, responsável pelo departamento de testes e vacinas, disse que ia “decerto defender que todos possam receber a vacina independentemente do seu ordenado ou de qualquer outra circunstância”. Já o diretor da FDA disse que o pagamento das vacinas não é responsabilidade do seu departamento, apesar de defender a universalidade do acesso. Sanders não ficou sem palavras: “Vocês representam a Administração que toma essa decisão”.
Confusão na implementação de medidas depois da abertura
Um dos mais tensos diálogos aconteceu entre o senador Chris Murphy, democrata do Connecticut e o diretor do CDC, Robert Redfield, sobre a falta de diretrizes para a reabertura dos estados já que as que existiam foram rejeitadas por Trump na sexta-feira passada. A Casa Branca disse ao CDC que as regras enviadas por este organismo eram “demasiado específicas” e não podiam ser enviadas para todos os estados porque entre si todos são diferentes. Mas outras fontes disseram à CNN, nesse mesmo dia, que Donald Trump esteve reunido com alguns representantes de vários setores da atividade económica e decidiu não adotar as directrizes porque quer o desconfinamento seja decidido por cada governador estatal individualmente.
Ora Murphy quis saber se Redfield pensa divulgar essas diretrizes para quem as quiser seguir. No mesmo texto em que conta a história da “nega” de Trump às medidas, a CNN escreve que o CDC ainda está disponível para se reunir com outros organismos na área da saúde pública, ao nível local e regional, caso seja solicitado a explicar as medidas que tinha desenhado para o país todo.”Porque é que esse plano não foi publicado e se está a ser alvo de reformulações, quando é que podemos lê-lo? É que há estados a abrir neste momento e precisamos de mais diretrizes para tomar decisões”, disse Murphy. Redfield respondeu que o documento sofreu alterações e que deve estar pronto em breve mas Murphy voltou a insistir que estados como o dele, Connecticut, vai abrir algumas áreas da economia em cinco dias, e depois os restantes serviços em dez. “Em duas semanas essas diretrizes já não vão servir para nada”. Isto é apenas um exemplo dos vários, oferecidos na sua esmagadora maioria por senadores democratas, sobre a falta de comunicação com a Casa Branca.
Mais de 80 mil pessoas morreram já nos Estados Unidos por causa do coronavírus e cerca de 1,3 milhões foram infectadas com este novo coronavírus. Cerca de 30 milhões de pessoas perderam o emprego em menos de três meses.