A reabertura condicional do Reino Unido, segundo Boris Johnson
Boris Johnson discursou em Downing Street
ANDREW PARSONS/GOVERNO BRITÂNICO/EPA
Primeiro-ministro britânico defende regresso à vida coletiva “lento e gradual”, sempre sujeito a cinco critérios avaliados com dados científicos e usando um sistema de alerta parecido com o que se aplica ao terrorismo. Quando se puder viajar para o Reino Unido será com quarentena obrigatória de 14 dias. Oposição trabalhista e governo nacionalista escocês criticam discurso de Johnson
O regresso do Reino Unido à normalidade vai ser “lento e gradual”, anunciou este domingo Boris Johnson. Maio não será mês de desconfinar, mas em junho poderão reabrir escolas, infantários, lojas e, em julho, alguma restauração e hotelaria. Tudo será condicionado à evolução da pandemia, vigiada através de um sistema de alerta com cinco níveis, parecido com o que se usa para ameaças terroristas.
“Não haverá fim imediato do confinamento”, informou o chefe do Governo numa mensagem transmitida na televisão, a partir do seu gabinete em Downing Street. Johnson reconhece que os britânicos têm suportado restrições à liberdade “de um tipo nunca visto em paz ou em guerra”, causadas pela “ameaça mais terrível que o país enfrentou” durante a sua vida. Ele próprio foi infetado e passou uma semana no hospital, incluindo três dias nos cuidados intensivos.
“Temos de continuar a controlar o vírus e a salvar vidas. Não obstante, temos também de reconhecer que esta campanha contra o vírus teve um custo colossal para a nossa forma de vida”, afirmou. Lembrando “lojas fechadas, negócios abandonados e pubs e restaurantes às escuras”, o primeiro-ministro disse que “milhões de pessoas têm medo tanto desta doença terrível como do efeito deste longo período de inatividade forçada sobre a sua subsistência e o seu bem-estar mental e físico”.
Quer, por isso, esboçar um plano contra esses receios, embora “condicional”. Elogiando o “bom senso” dos concidadãos, afirmou que foi graças ao acatamento das regras que, apesar de “mortalidade trágica e sofrimento imenso”, foi evitada uma “catástrofe em que o pior cenário razoável era de meio milhão de fatalidades”. Criticado no início da crise por se ter entusiasmado com a estratégia da imunidade de grupo, Johnson quis deixar claro que a troca do lema “Stay at home” (Fiquem em casa) por “Stay alert” (Fiquem alerta) não significa menos cautela.
Pescar, nadar e jogar golfe com o agregado familiar
Mantém-se a recomendação de ficar em casa e evitar contactos fora do agregado familiar, mas a partir de quarta-feira, 13 de maio, será permitido “apanhar sol no parque local, viajar de carro para outros destinos, até fazer desporto, mas apenas com membros do agregado familiar”. Com aqueles com quem se coabita pode-se, pois, fazer “exercício físico ilimitado”, e mesmo pescar, nadar, jogar ténis e golfe. Johnson assegura ter tomado tais decisões após falar com “todo o espectro político” e com os quatro países que formam o Reino Unido, que “têm vivido a pandemia a ritmos diferentes”.
Mural de homenagem ao serviço nacional de saúde, em Londres
TOBY MELVILLE/REUTERS
“Esta declaração suscita mais perguntas do que aquelas a que responde”, reagiu o líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer. A seu ver, “empurra Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte” em direções diferentes.A primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon (independentista), tem-no acusado de só ter em conta Inglaterra.
As mudanças serão “lentas e graduais”, insistiu Johnson, que se reserva o direito de endurecer as regras se os dados científicos lho aconselharem. “Se houver surtos, se houver problemas, não hesitaremos em carregar no travão”, avisou. As multas para a “minoria” que viola as restrições em vigor serão agravadas, podendo ir das 100 às 3200 libras (114 a 3660 euros). “Seria loucura deitarmos agora a perder o que alcançámos, permitindo uma segunda vaga”, acrescentou.
O primeiro-ministro conservador enumerou cinco testes para o plano de “reabertura da sociedade” avançar: proteger o serviço nacional de saúde; conseguir quebras sustentadas da taxa de mortalidade; reduzir de forma considerável a taxa de infeção (R); fazer chegar equipamento de proteção individual a todos os que dele precisam; assegurar que quaisquer medidas adotadas não façam aumentar de novo a taxa de reprodução da covid-19.
A avaliação destes critérios será feita através do novo Sistema de Alerta Covid, gerido por um Centro Conjunto de Biossegurança. Com base no valor de R (hoje entre 0,5 e 0,9, esclarece) e no número de casos detetados, estabelecer-se-á um nível entre 1 (doença já não está presente no Reino Unido) e 5 (situação mais crítica com colapso do sistema nacional de saúde). Johnson coloca agora o país no nível 4, “com condições para começar a dar passos rumo ao nível 3”.
Escolas em junho, hotéis em julho
Espera poder abrir em junho o comércio, escolas primárias e jardins-de-infância e providenciar ensino presencial aos alunos mais velhos que tenham exames. Só em julho admite “reabrir pelo menos parte do sector hoteleiro e outros locais públicos, desde que sejam seguros e apliquem o distanciamento social”. Johnson promete guiar-se “não por mera esperança ou necessidade económica”, mas por “ciência, dados e saúde pública”. Tudo “depende de uma série de grandes ‘ses’”.
A galeria Tate Modern está encerrada, mas a sua parede serve para treinar ténis
HENRY NICHOLLS/REUTERS
O primeiro-ministro mantém a recomendação de teletrabalho generalizado, mas pretende “encorajar ativamente” os que não podem trabalhar de casa a ir ao local de trabalho, respeitando as regras de segurança e, se possível, “evitando o transporte público”, que terá capacidade limitada. Ir de carro, bicicleta ou a pé são as sugestões do Governo, que dará instruções aos empregadores sobre segurança anti-covid no local de trabalho.
O trabalhista Starmer reprova a vagueza destas afirmações: “O primeiro-ministro parece estar, com efeito, a dizer a milhões de pessoas para irem trabalhar sem um plano de segurança claro ou diretrizes claras sobre como lá chegar sem utilizar o transporte público”. Se o país queria “clareza e consenso”, não obteve um nem outro, lastima o chefe do maior partido da oposição.
Johnson está particularmente preocupado com a situação nos lares de idosos e entre os profissionais de saúde. Garante que se realizam “literalmente centenas de milhares” de testes por dia para detetar o percurso do “assassino invisível” e que são rastreados os contactos de potenciais vítimas
Outra novidade contida no discurso deste domingo é que quem viajar para o Reino Unido de avião será sujeito a quarentena de 14 dias, “para evitar reinfeções vindas de fora”. Mas isso só sucederá quando “a transmissão estiver significativamente mais baixa”, permanecendo as fronteiras fechadas por agora. Em todo o caso, França estará isenta dessa exigência, anunciaram Johnson e o Presidente Emmanuel Macron pouco depois do discurso daquele.