Iraque tem novo primeiro-ministro. Pandemia e agitação social na lista de prioridades

Mustafa al-Kadhimi era chefe dos serviços secretos. A sua nomeação foi um processo arrastado no Parlamento, que deixou vários ministérios por preencher
Mustafa al-Kadhimi era chefe dos serviços secretos. A sua nomeação foi um processo arrastado no Parlamento, que deixou vários ministérios por preencher
Editor da Secção Internacional
Um chefe dos serviços secretos capaz de gerar consenso entre Irão e Estados Unidos da América parece requisito difícil de preencher se o imaginarmos num perfil de emprego. Ainda assim é etiqueta que serve ao novo primeiro-ministro do Iraque, Mustafa al-Kadhimi. E que é indispensável, já que qualquer Governo iraquiano tem em Washington um aliado global e em Teerão a potência regional mais próxima.
Antigo jornalista que até agora dirigia os serviços de informações iraquianos, Kadhimi viu a sua indigitação aprovada pelo Parlamento esta manhã (madrugada em Portugal), pondo fim a meio ano de bloqueio político.
As prioridades do novo chefe de Governo passam pela pandemia do covid-19 – que soma mais de 2000 casos e mais de 100 mortes no país –, mas também por uma investigação à morte de manifestantes antigovernamentais nos últimos meses. O Executivo de Kadhimi, porém, ainda não está completo, pois a nomeação de vários ministros depende de acordo entre partidos, por ora inalcançado, explica a televisão Al-Jazeera.
Pastas tão relevantes como Petróleo, Negócios Estrangeiros, Justiça, Agricultura ou Comércio estão por atribuir. Foram acordados 15 dos 22 ministérios, incluindo os do Interior, Defesa, Finanças e Eletricidade.
“Atravessamos uma fase crítica da nossa história. O Iraque enfrenta tantos desafios na segurança, economia, cuidados de saúde e mesmo a nível social, mas não são maiores do que a nossa determinação para fazer face a esses desafios”, afirmou Kadhimi, depois de receber luz verde do Parlamento. Na rede social Twitter prometeu “trabalhar para merecer a confiança e o apoio do povo Iraquiano” e apelou à “união de todos os atores políticos em torno de um programa nacional que sirva os interesses do Iraque”.
O anterior Governo interino, de Adel Abdul Mahdi, caiu ainda em 2019, após protestos de milhares de pessoas nas ruas, descontentes com a corrupção e as carências económicas. Quase 17 anos após a queda do ditador Saddam Hussein, ajudada pela invasão americana de 2003, a elite política está na mira da opinião pública.
Kadhimi é o terceiro indigitado desde então, mas o primeiro a passar o crivo dos deputados, apenas na condição de estes influenciarem a composição do seu Executivo. “Teve 10% de liberdade na escolha da sua equipa, tendo 90% sido determinados por partidos e blocos”, explicou o analista Fadhel Abu Regheef, ouvido pela Al-Jazeera. Partidos que não foram ouvidos na formação do Governo boicotaram a votação de investidura, em que as forças políticas xiitas tiveram papel preponderante.
O descontentamento com o processo de formação de Governo suscitou manifestações em Bagdade. Além dessa impopularidade à nascença, a equipa de Kadhimi tem pela frente a crise económica que o coronavírus agrava (a queda do preço do petróleo é um fator inquietante para o país, que o exporta) e a tentativa de regresso do Daesh no norte do país.
A nomeação de Kadhimi foi elogiada pelo secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, que falou ao telefone com o novo governante iraquiano e prometeu “trabalho conjunto para dar ao povo iraquiano a prosperidade e a segurança que merece”. Washington renovou a moratória que permite que o Iraque compre energia elétrica ao Irão, apesar das sanções em vigor contra este país.
A tensão entre Irão e Estados Unidos agravou-se em janeiro último com o assassínio pelos americanos, em solo iraquiano (perto do aeroporto de Bagdade) do general iraniano Qassem Suleimani, visto como segunda figura mais importante do regime de Teerão. Seguiram-se disparos de mísseis iranianos contra bases iraquianas onde estão soldados dos EUA.
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