
Desembarque rebelde na costa norte da Venezuela, perto do aeroporto, gerou confrontos com o regime que causaram oito mortes entre os revoltosos
Desembarque rebelde na costa norte da Venezuela, perto do aeroporto, gerou confrontos com o regime que causaram oito mortes entre os revoltosos
correspondente em Caracas
Na manhã desta segunda-feira em La Guaira, perto do aeroporto internacional de Maiquetía, que serve a capital da Venezuela, viam-se restos de um confronto: metralhadoras Afack e fuzis AK 103, além de sistemas de comunicações e um pequeno arsenal de munições. Um dia antes os habitantes de Macuto, município do litoral, despertaram de madrugada assustados por um abalo interminável e várias explosões.
Explicação para tal cenário: um pequeno grupo de militares venezuelanos rebeldes tentara desembarcar naquela costa caribenha no norte do país. Vinham decididos a iniciar una “gesta libertadora”. Fracassaram logo à entrada mas persistem muitos pontos críticos do sucedido por explicar.
Para o regime chavista que detém o poder na Venezuela, tratou-se de uma “invasão frustrada”, versão renovada do histórico desembarque dos americanos na cubana Baía dos Porcos. Ocorrido em 1961, tornar-se-ia um dos grandes mitos da batalha constante entre Fidel Castro e os Estados Unidos.
“Um grupo de mercenários terroristas procedentes da Colômbia pretendeu realizar uma invasão por via marítima, com a finalidade de cometer assassínios de dirigentes do Governo revolucionário, agravar a espiral de violência e gerar caos na população, para nova tentativa de golpe de Estado”, explicou no domingo à noite (madrugada de segunda-feira em Portugal) o ministro do Interior, general Néstor Reverol.
Começava assim mais um capítulo pitoresco da revolução bolivariana. Segundo a reivindicação feita pelos autores da intentona, através das redes sociais, o que sucedeu foi uma nova investida da Operação Gedeón (“cuja missão é acabar com a tirania”), encabeçada em 2018 pelo agente rebelde Oscar Pérez, executado há dois anos durante um ataque governamental nos arredores de Caracas. A reação das forças armadas resultou na morte de oito militares venezuelanos antichavistas e na detenção de outros dois.
Diosdado Cabello, número 2 do regime de Nicolás Maduro, assegurou que um dos falecidos é o capitão Robert Colina, por alcunha “Pantera”, um dos oficiais de confiança do major-general Clíver Alcalá, que se encontra nos Estados Unidos depois de se ter ido entregar à agência antidrogas americana (DEA, na sigla inglesa). Alcalá era muito próximo do Presidente venezuelano Hugo Chávez, que morreu em 2013. No ano passado renegou Maduro e tentou várias operações contra o atual Presidente de facto do país, até ter sido incluído na lista negra da DEA no passado mês de março.
Nesse momento Alcalá decidiu render-se às autoridades de Washington, que o fizeram embarcar num avião na Colômbia e o transportaram para os Estados Unidos. Na mesma lista negra por “narcoterrorismo” figura Maduro, cuja cabeça tem um preço de 15 milhões de dólares (13,7 milhões de euros).
Em La Guaira jaziam pois, segunda-feira, vestígios como armas confiscadas aos “invasores”. As mesmas surgem nos vídeos gravados pelos militares rebeldes apoiantes de Alcalá. Incluem duas metralhadoras roubadas do Palácio Federal durante os acontecimentos de 30 de abril de 2019, data do fracasso de outra rebelião militar, esta protagonizada pelo diretor da polícia política chavista.
No apelo lançado através das redes sociais, o líder da operação exige aos companheiros de armas que se revoltem contra o regime. Reconhece que a sua missão é “efetivar a captura dos elementos que estão a perpetuar-se no poder de forma ilegítima”. Maduro, eleito em 2013 para suceder a Chávez, fez-se reeleger em 2018 numas eleições que a maioria da comunidade internacional considera fraudulentas. Dezenas de países, incluindo Portugal, reconheceram o opositor Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional venezuelana, como chefe de Estado interino encarregue de convocar novas eleições.
O deputado antichavista Hernán Alemán, na clandestinidade, confirmou que um “bom número de soldados patriotas tentou intervir para resgatar a liberdade da Venezuela. São soldados da pátria, gente preparada para salvar a democracia”. À frente dos rebeldes que não sucumbiram aos confrontos, e cujo paradeiro se ignora, está o capitão Antonio Sequea, que garantiu numa conta do Twitter que “17 equipas de assalto, cada uma com o seu comandante à cabeça e o apoio dos aliados internacionais, avança rumo aos seus objetivos”.
A agência americana Associated Press publicou na semana passada uma longa reportagem sobre o miniexército criado por Alcalá, agora órfão do comandante. São cerca de 300 antigos militares, desertores desde que Guaidó desafiou Maduro em janeiro de 2019, e dispostos a regressar à Venezuela para provocar uma sublevação popular. Um dos protagonistas da reportagem é o ex-boina-verde americano Jordan Goudreau, que garante contar com o apoio de Guaidó.
O enfrentamento na costa de La Guaira, que Guaidó qualifica de montagem, acontece no meio de uma onda de violência naquele que é o país mais violento do planeta. Cinquenta presos morreram no 1º de Maio e mais de 75 ficaram feridos na prisão de Guanare, no leste do país, durante um motim e tentativa de fuga, devido à repressão brutal exercida pelos guardas da penitenciária. Segundo familiares dos reclusos, estes protestavam porque os carcereiros ficavam com a comida que lhes era destinada.
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