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Em Detroit há doentes a morrer no corredor do hospital. A covid-19 tornou-se a doença das desigualdades

Em Detroit há doentes a morrer no corredor do hospital. A covid-19 tornou-se a doença das desigualdades
ETIENNE LAURENT / EPA

Em muitos hospitais em Detroit, faltam profissionais de saúde, ventiladores, monitores cardíacos – mas ‘sobram’ doentes para tratar. Já houve mortes nos corredores, à espera de cuidados. Muitos dos infetados (ou dos que perdem a vida), não só nesta cidade como em muitos estados do país, são populações mais vulneráveis, com forte incidência nas comunidades afro-americanas

No Hospital Sinai-Grace, em Detroit, já há doentes que morrem nos corredores. Muitos são mantidos – mesmo em estado crítico – nos corredores daquela unidade de saúde e nem sempre há uma enfermeira por perto para os acudir. Faltam profissionais de saúde, faltam ventiladores, monitores cardíacos e outros materiais médicos – mas ‘sobram’ doentes para tratar. A decisão entre reanimar ou não reanimar alguns pacientes torna-se agora mais difícil, pelo risco de infeção que isso acarreta para os profissionais de saúde.

“Passear [pelos corredores do hospital] é uma sensação estranha”, disse à CNN, que escreveu uma reportagem sobre o tema, um técnico de emergência médica. “Enfermeiras, médicos e fisioterapeutas a correrem, todos [os doentes] ventilados, cada ventilador a apitar, doentes entubados. Pensar-se-ia que era um hospital militar numa zona de guerra.”

De acordo com a administração daquela unidade de saúde, com a pandemia de novo coronavírus, o número de pessoas à procura de cuidados de saúde está sempre a aumentar, colocando pressão nos recursos e funcionários. O ambulatório do hospital tem mais movimento do que qualquer outra na cidade do estado de Michigan e o facto de existirem muitos lares de idosos nas redondezas agrava a situação, diz. Todo o espaço livre no hospital está a ser utilizado.

No estado de Michigan o número de infetados identificados disparou, em menos de um mês, de 300 para 20 mil. E aqui as disparidades sociais geram também desigualdades na pandemia, tornando as comunidades afro-americanas – com taxas superiores de diabetes e pressão arterial elevada – mais vulneráveis. Apesar de apenas 14% das pessoas neste estado serem afro-americanas, representam 40% dos infetados com o novo coronavírus. Em Detroit, onde 79% da população é negra e 36% está abaixo do limiar da pobreza, a taxa de incidência da diabetes é o dobro da média nacional, realça um artigo da revista “New Yorker”.

Mas não só: no estado de Illinois 43% das pessoas que morreram com a covid-19 e 28% dos que testaram positivo são afro-americanas; no Louisiana, 70% dos que morreram são negros (apesar de serem apenas um terço da população); e mesmo a Carolina do Norte e do Sul reportaram uma maior taxa de residentes negros infetados do que de brancos.

Um vírus apontado aos afro-americanos

Se numa primeira fase o surto atingiu sobretudo as zonas costeiras, onde a população é mais jovem e tem melhor qualidade de vida (Seattle, Bay Area, Nova Iorque, Boston), atualmente o vírus está a espalhar-se para outras zonas do país, atingindo sobretudo as populações mais vulneráveis. E especialmente os afro-americanos.

A explicação, para os especialistas em saúde pública, é simples: os afro-americanos pertencem à classe trabalhadora que não consegue trabalhar a partir de casa, colocando-a em maior risco de ser infetada.

Além disso, a maior concentração de pobreza nesta comunidade leva-as a serem mais propensas a desenvolverem doenças crónicas e menos propensas a terem um seguro de saúde – além de sofrerem de discriminação no país, como mostram dados citados pelo “New York Times” que indicam que esta população era menos referenciada para a realização de testes à covid-19.

Muitos residentes negros vivem ainda em comunidades segregadas onde as oportunidades de trabalho, habitação estável e supermercados com comida saudável escasseiam, estando ainda sujeitos a elevados níveis de stress (exposição a toxinas, falta de sono e discriminação racial). Isto diminuiu a esperança média de vida desta população, conclui uma análise da Universidade de Wisconsin.

É por isso que Peter Hotez, diretor de medicina tropical no Baylor College of Medicine, em Houston, resume assim à “New Yorker” o surto provocado pelo novo coronavírus: a covid-19 tornou-se uma “doença de desigualdades”, que segue os padrões da pobreza, raça e comorbidade.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mjbourbon@expresso.impresa.pt

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