“O seu destino é uma incerteza e o mundo está a ver.” Mesmo com os pedidos para que a defesa de Harvey Weinstein não comentasse o julgamento antes de uma deliberação, a advogada não cumpriu e foi com a dúvida do que vai acontecer aos olhos de todos que Donna Rotunno assinou um texto na “Newsweek”, uma espécie de apelo ao júri. Esta terça-feira, sete homens e cinco mulheres, escolhidos num processo aleatório, começaram a deliberar a sentença daquele que é um dos envolvidos no escândalo sexual que se desenrolou no meio cinematográfico norte-americano e que desencadeou o movimento #MeToo.
O não anonimato de Weinstein e todo o movimento contra o assédio sexual tornam o caso especialmente mediático. Há dois anos, o tema explodiu quando o jornal norte-americano “The New York Times” publicou relatos de mulheres que denunciavam abusos, agressões sexuais e violações em Hollywood. Entre os envolvidos: Weinstein. Miriam Haleyi, que trabalhou na empresa do produtor como assistente, acusa-o de ter forçado sexo oral num quarto de hotel em 2006; a atriz Jessica Mann acusa-o de a ter violado, também num quarto de hotel, anos mais tarde.
Se o júri considerar Weinstein culpado dos cinco crimes pelos quais foi acusado pelo Ministério Público - incluindo agressão sexual e violação - e se for dado como provado que há um comportamento sexual predatório repetitivo ao longo dos anos, pode enfrentar uma pena de prisão perpétua. Não se sabe ao certo quando a sentença será conhecida. Aliás, lembra o jornal britânico “The Guardian”, no também mediático julgamento do ator e apresentador Bill Cosby a deliberação demorou quase uma semana até ser concluída (foi condenado a dez anos de prisão pela violação de uma mulher).
O julgamento de Weinstein arrancou em janeiro e um dos momentos mais marcantes foi o do interrogatório de Miriam Haleyi, que haveria de ser interrompido devido ao choro incontrolável. Lamentou ter aceitado o convite para subir ao quarto de hotel em 2006 e descreveu como tudo aconteceu: “Beijava-me e acariciava-me. Comecei a recuar porque me estava a empurrar com o corpo dele e acabei por cair numa cama. Agarrou-me. A certo ponto, percebi o que estava a acontecer e pensei, ‘estou a ser violada’”.
Interrogada pela defesa, Jessica Mann chegou mesmo a ler um email em que considerava Weinstein como “uma espécie de pai”. “Sei que a minha relação foi complicada mas não altera o facto de ele me ter violado”.
O julgamento acontece num tribunal de Nova Iorque e por isso apenas estão em causa as denúncias de Miriam Haley e Jessica Mann. Os relatos de Rose McGowan, Ashley Judd ou Rosanna Arquette - também publicados pelo “The New York Times” - não estão a ser considerados pois os acontecimentos verificaram-se noutros estados. No entanto, há um nome que fez o julgamento ser adiado para janeiro deste ano e que é apontado como uma peça fundamental no caso: Annabella Sciorra, que também acusa o produtor de a ter violado no seu apartamento. Embora este acontecimento não faça parte do julgamento, o depoimento dá força à argumentação da acusação, que refere que há um comportamento repetitivo por parte de Weinstein. “Teve relações sexuais comigo enquanto eu tentava resistir, e não pude lutar mais porque ele me prendeu as mãos”, disse Sciorra.
Logo na declaração no começo do julgamento no tribunal de Manhattan, a acusação traçou um alegado padrão de comportamento sexual predatório e coercivo durante décadas. E é nisso que se suporta parte da estratégia de acusação do Ministério Público.
Em defesa do produtor testemunharam o escritor Paul Feldsher, a professora na Universidade da Califórnia Elizabeth Loftus e também a atriz - e amiga de uma das alegadas vítimas - Talita Maia. Todos eles conviveram com pelo menos uma das duas mulheres que acusam Weinstein e apontaram não notarem mudanças de comportamento, stress ou que o envolvimento não tivesse sido consentido.
O processo de seleção do júri foi demorado. Seiscentas pessoas foram inicialmente selecionadas e este grupo foi sendo reduzido até às 12 finais, considerando que nenhuma delas tem qualquer tipo de posição relativamente ao movimento #MeToo. O juiz que preside ao caso instruiu os jurados a esquecerem a discussão mais abrangente sobre assédio sexual e a focarem-se apenas nos factos. “Isto não é um referendo ao #MeToo”, disse durante o julgamento.
A dimensão do caso é reconhecida pela defesa, que foi contra os pedidos do tribunal e fez um apelo público ao juri. “Olhem para lá dos títulos”, escreveu a advogada de defesa na “Newsweek”, onde uma vez mais reiterou a inocência do produtor e pediu um “julgamento justo e imparcial” como “qualquer outro americano”. “Imploro aos membros do júri que façam o que sabem que está certo e que é esperado deles a partir do momento em que foram chamados a cumprir um dever cívico em tribunal”, escreveu a advogada Donna Rotunno, também ela uma escolha polémica para a defesa do produtor. Quando o nome foi anunciado, surpreendeu por se tratar de uma mulher e por se definir como “anti #MeToo”. Acusou por várias vezes os meios de comunicação social de impedirem que Weinstein tivesse um julgamento justo.
A poucos dias de completar 68 anos, Weinstein, que está detido desde maio de 2018, nega as acusações que lhe são imputadas. Garante que as relações sexuais que teve que com Miriam Haleyi e com Jessica Mann foram consensuais.
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