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“Eles devem-te um pedido de desculpas e nós, gratidão”. As reações à morte do “herói” Li Wenliang

“Eles devem-te um pedido de desculpas e nós, gratidão”. As reações à morte do “herói” Li Wenliang
Stringer/Getty Images

Foram tantas as críticas apontadas às autoridades chinesas depois da morte de Li Wenliang, o médico chinês que alertou para a presença de um novo vírus em Wuhan e que foi silenciado, que o Governo chinês anunciou a abertura de uma “investigação aprofundada” às denúncias feitas

“Eles devem-te um pedido de desculpas e nós, gratidão”. As reações à morte do “herói” Li Wenliang

Helena Bento

Jornalista

“Eles devem-te um pedido de desculpas e nós, gratidão”. A mensagem foi publicada esta sexta-feira na rede social chinesa Weibo, e reflete bem aquele que é o estado de espírito de muitos cidadãos chineses, depois de se saber que o médico que alertou para a possibilidade de haver um surto em Wuhan, na China, morreu. A notícia da sua morte foi confirmada na quinta-feira pelo hospital onde Li Wenliang se encontrava internado, depois de ter sido infetado pelo novo vírus que já matou centenas de pessoas na China e infetou tantas outras ali e noutros países.

“As boas pessoas não vivem muito tempo, mas as más vivem durante mil anos”, escreveu outro utilizador daquela rede social, onde a sua morte é o assunto em destaque esta sexta-feira, com mais de 1,5 mil milhões de visualizações — nas mensagens trocadas por grupos na aplicação WeChat, também não se fala noutra coisa, segundo jornal britânico “The Guardian”. Fala-se em “revolta” e “tristeza” e “incompreensão”, e exprime-se todo o tipo de sentimentos menos positivos. Um utilizador do Weibo partilhou uma fotografia em que se vê, escrito na neve depositada numa estrada, em Pequim, “Adeus, Li Wenliang”.

Li Wenliang, transformado num “herói” nacional

Quando, a 30 de dezembro, Li Wenliang se apercebeu que havia pacientes em quarentena no hospital em que trabalhava como oftalmologista, e com sintomas semelhantes ao vírus da SARS (Síndrome Respiratório Aguda Grave, que matou quase 800 pessoas na China entre 2002 e 2003) alertou de imediato colegas da faculdade num chat: “Quarentena no serviço de urgência”, escreveu, tendo um dos seus colegas respondido que se tratava de uma situação “assustadora” e questionado: “Estará o SARS a voltar?”.

Horas depois dessa troca de mensagens, o médico chinês foi detido pela polícia chinesa, a quem teve de explicar por que razão “espalhara falsos rumores”, tendo sido depois obrigado a assinar um documento em que admitia ter desrespeitado a lei e “perturbado seriamente a ordem social”. Voltou ao trabalho pouco tempo depois e atendeu no seu gabinete uma mulher que estava infetada com o novo vírus, tendo também ele ficado infetado. Foi internado mas nenhum tratamento se mostrou aparentemente eficaz e Li Wenliang acabou por morrer, depois de ter sofrido uma paragem cardíaca.

As reações à sua morte foram muitas e, na sua maioria, contendo acusações às autoridades chinesas, por não terem agido atempadamente e sido, pelo menos numa fase inicial, pouco transparentes relativamente ao que estava a acontecer (como Li Wenliang, outras pessoas foram investigadas por ter, segundo as autoridades, divulgado informações falsas). “Não foi um denunciante que morreu. Foi um herói”, escreveu outro utilizador no Weibo, segundo a BBC.

E as reações não vieram apenas de pessoas anónimas a quem o Governo chinês teria menos facilidade em identificar, mas também de revistas chinesas — como a Caixin, que partilhou uma selfie a preto e branco do médico, com uma máscara, e uma legenda a dizer que “uma sociedade saudável não deveria ter apenas uma voz” — e jornais estatais ou com filiações ao Governo como é o caso do “Economic Observer” , que se pronunciou no mesmo sentido na sua conta no Weibo.

Governo anuncia abertura de investigação ao caso do médico chinês

Precisamente por por terem sido tantas as mensagens carregadas de críticas, o organismo do Partido Comunista Chinês responsável por casos de corrupção e a Comissão de Supervisão Nacional, também de combate à corrupção (é, aliás, a principal agência com essas funções no país), emitiram um comunicado a garantir que será feita uma “investigação aprofundada às denúncias feitas pela população” a respeito do caso do médico chinês.

Mas também agiram noutro sentido, apagando publicações que apelavam à ação nas ruas, diz o “Guardian” e outros jornais internacionais. Uma dessas publicações dizia: “Espero que um dia possamos sair à rua com uma fotografia de Li Wenliang”. Todas as publicações com referências à liberdade de expressão ou que exigiam que ao médico chinês fosse pedido desculpa foram também censuradas.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hrbento@expresso.impresa.pt

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