Internacional

Jornal britânico “The Guardian” vai banir publicidade de empresas petrolíferas

29 janeiro 2020 14:50

Britânico “The Guardian” anunciou que vai deixar de aceitar publicidade de petrolíferas

“the guardian”

Além das emissões provocadas pela extração de combustíveis fósseis, decisão tem por base o “esforço de décadas que as empresas daquele sector [petrolífero] têm feito” para negar as alterações climáticas e “travar medidas significativas dos governos em todo o mundo”

29 janeiro 2020 14:50

O jornal britânico “The Guardian” anunciou esta quarta-feira que não vai aceitar qualquer publicidade de empresas de gás e petróleo, alegando ser o primeiro grande órgão de comunicação social do mundo a fazê-lo. A medida, avança o jornal, segue um caminho de redução da pegada de carbono da empresa e tem efeitos imediatos, aplicando-se a qualquer organização envolvida na extração de combustíveis fósseis.

Apontando o aquecimento global como “o mais importante desafio do nosso tempo”, o comunicado que anuncia a decisão conta que a publicidade representa 40% das receitas do grupo de media, o Guardian Media Group (GMG), que inclui ainda o semanário “The Observer”. Porém, não é específico em relação ao peso que as empresas petrolíferas representam nessas receitas, nem aponta nomes.

“O modelo de financiamento do "Guardian" — como o da maioria das empresas de media de alta qualidade — continuará a ser precário nos próximos anos”, contam a editora-chefe, Anna Bateson, e o diretor de publicidade, Hamish Nicklin. “É verdade que a rejeição de alguns anúncios pode tornar as nossas vidas um pouco mais difíceis no curto prazo. No entanto, acreditamos que a construção de uma empresa com um propósito e a manutenção da sustentabilidade financeira precisam de andar de mãos dadas.”

Antecipando críticas de incoerência, uma vez que a publicidade a carros, viagens de avião e outros produtos altamente poluentes se mantém, o GMG respondeu que “parar com esses anúncios seria um duro golpe financeiro e poderia forçar-nos a fazer cortes significativos no jornalismo do "Guardian" e do "Observer" em todo o mundo”. E acrescentou que a mira está especificamente apontada às petrolíferas por causa do “esforço de décadas das empresas daquele sector [petrolífero] para travar medidas significativas dos governos em todo o mundo” no combate às alterações climáticas.

A esse propósito, o Reino Unido não é caso virgem. Nos últimos meses, foi descoberta uma longa história de mentira na petrolífera ExxonMobil nos Estados Unidos da América, primeiro com um esquema para enganar acionistas acerca dos riscos financeiros associados às alterações climáticas e depois com uma das maiores e mais longas campanhas a favor do negacionismo.

“Unsettled Science”, um anúncio da petrolífera Exxon Mobil publicado no “New York Times” em março de 2000

“Unsettled Science”, um anúncio da petrolífera Exxon Mobil publicado no “New York Times” em março de 2000

nyt

Para isso, a publicidade foi essencial, como conta o relatório “America Misled” (“América Enganada”), que explica como não foi por falta de informação que a ExxonMobil contribuiu para o efeito de estufa no planeta. Os cientistas da empresa estavam, aliás, bem documentados sobre ele já nos anos 1970. O relatório aponta que as empresas de energia sabiam que as alterações estavam a acontecer, mas usaram o poder do lóbi quer para esconder documentos científicos, quer através de agências de informação conhecidas como “think-tanks”, já com carreira feita a favor da indústria tabaqueira, no sentido de espalhar a dúvida na opinião pública e política.

Um dos exemplos dessa campanha é um anúncio publicado em março de 2000 no jornal “The New York Times”, chamado “Unsettled Science” (“Ciência Instável”), onde se repetiam algumas das ideias já ditas num outro, de 1997: “ainda não sabemos qual o papel dos gases de efeito estufa produzidos pelo homem no aquecimento do planeta.” Não só a empresa sabia, como esse conhecimento era detalhado e levava os cientistas, já na época, a falar em “impactos catastróficos”.