Bombeiros e moradores da província de Nova Gales do Sul estão a preparar-se para mais três dias de clima propício aos grandes fogos que desde setembro têm assolado todo o país, com incidência particularmente trágica no sudeste. Pelo menos 26 pessoas morreram e mais de duas mil habitações estão inabitáveis. Quinta e sexta-feira serão dias de coração na mão para estas populações já que, segundo os serviços meteorológicos australianos, as temperaturas vão ultrapassar os 40 ° C, com ventos imprevisíveis que vão varrer as principais zonas de incêndio.
Esta quarta-feira, os meios de comunicação australianos recuperaram um estudo ambiental com mais de uma década que foi capaz de prever o que se iria passar na Austrália no início deste ano de 2020. A época horribilis que o país, principalmente o sudeste, está a atravessar, já estava prevista num relatório de 2008, escrito pelo economista Ross Garnaut, que na altura tentou antever os impactos económicos que estes meses de fogos teriam na economia australiana.
Em traços gerais, o relatório avisava que as condições climatéricas iriam provocar “o início mais precoce da época de fogos, um fim mais tardio da mesma e uma intensidade maior dos incêndios” - precisamente o que se está a verificar. Na altura, o risco era que esta realidade se viesse a verificar, hoje o objetivo é saber o que fazer para que não se repita todos os anos. "O risco pode ser substancialmente reduzido através de ações fortes, eficazes e precoces de todas as principais economias do mundo. A Austrália precisará desempenhar a sua parte proporcional na ação global. Como um dos países mais desenvolvidos, sua parte total será relativamente grande e envolverá grandes mudanças iniciais na estrutura económica estabelecida”, escreveu Garnaut na altura. Ora o inferno chegou e a Austrália é dos países que menos investimento fazem na reestruturação económica a caminho de um capitalismo mais verde.
Contactado pela SBS News por uma reação ao que está a acontecer, Garnaut revelou-se triste e até frustrado com ele próprio: “Sinto-me triste porque foi ineficaz. Tendo-me sido dada a oportunidade de conversar com os australianos sobre esse assunto, fui incapaz de os convencer de que era do nosso interesse nacional desempenhar um papel no esforço global para mitigar a efeitos das mudanças climáticas ", afirmou.
A conta inicial dos danos causados pelos incêndios na Austrália, que começaram em setembro, está nos 700 milhões de dólares australianos (432 milhões de euros) segundo estimativas do Conselho de Seguradoras da Austrália (ICA, em inglês), e provavelmente não vai ficar por aqui.
Campbell Fuller, da ICA, disse à ABC News que 1.838 casas foram destruídas em toda a Austrália desde setembro e houve 8.985 pedidos de seguro por danos e destruição relacionados com incêndios. Para as seguradoras os danos são imensos mas esta época de fogos vai colocar pressão sobre toda a economia. Segundo os analistas da Moody’s, essa conta pode ultrapassar cerca de 4,4 mil milhões de dólares (2,7 mil milhões de euros) que a economia perdeu com o chamado “Sábado Negro” já que, nesse grande fogo de 2009, cerca de meio milhão de hectares acabaram queimados, desta vez a conta já ultrapassou os oito milhões de hectares, cerca de duas vezes a Bélgica, por exemplo.
Katrina Ell, economista da Moody’s, relembrou ao “The Guardian” que, no passado, os danos provocados pelo fogo cingiram-se a uma área específica mas desta vez os incêndios estão a prejudicar a confiança dos consumidores em toda Austrália. “O risco de haver repercussões macroeconómicas mais amplas nesta temporada é alto, dada a escala dos incêndios, bem como o facto de ainda estarmos no início da temporada de incêndios. "Os danos sobre as culturas de produtos frescos fazem aumentar os preços ao consumidor, uma vez que a maioria das frutas e legumes consumidos em casa são produzidos localmente", disse Ell.
O diretor da empresa de análise económica SGS Economics and Planning, Terry Rawnsley, fez algumas estimativas iniciais sobre o custo económico dos incêndios florestais e são muito mais conservadoras: 3,5 mil milhões com um custo adicional de 500 milhões “indiretos” ou seja, perdas que não estão relacionadas com o estragos das zonas por onde o fogo passou mas sim com a neblina e o fumo que se espalhou pelo país. "Estes lugares não são diretamente afetados pelos incêndios, mas as pessoas não estão a sair de casa e estão a telefonar para os empregos a dizer que não podem ir trabalhar porque têm doenças respiratórias ou asma”, disse citado também pelo “The Guardian”.
Um outro alerta vermelho é a indústria do turismo. A zona litoral da região mais afetada pelos fogos, Nova Gales do Sul, é muito procurada para férias, tanto pelos australianos como por milhares de turistas estrangeiros. A recuparação, dizem os analistas, vai demorar muito mais do que um ano e as estruturas podem não estar prontas a receber tantos veraneantes na próxima época.
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