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Pedro Sánchez é primeiro-ministro com 167 votos a favor, 165 contra e 18 abstenções

Pedro Sánchez é primeiro-ministro com 167 votos a favor, 165 contra e 18 abstenções
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Chefe do Governo espanhol foi empossado pelo Congresso dos Deputados na segunda votação, com uma diferença de dois votos entre deputados a favor e contra. Chefiará o primeiro Executivo de coligação da democracia no país vizinho, entre o Partido Socialista Operário Espanhol e a aliança esquerdista Unidas Podemos

Pedro Sánchez é primeiro-ministro com 167 votos a favor, 165 contra e 18 abstenções

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

Pedro Sánchez Pérez Castejón já não é primeiro-ministro interino, entrando a partir de hoje na plenitude de funções. Com 167 votos a favor, 165 contra e 18 abstenções, o Congresso dos Deputados empossou esta terça-feira o líder do Partido Socialista Operário Espanhol, vencedor das eleições legislativas de 10 de novembro de 2019. Os deputados que o apoiam festejaram o anúncio da votação pela presidente da câmara baixa, Meritxell Batet, com gritos de “Sim, é possível!”.

O socialista liderará o primeiro Governo de coligação da histórica democrática espanhola, com a aliança esquerdista Unidas Podemos, de Pablo Iglesias. Este será vice-primeiro-ministro e o partido terá mais quatro membros no novo Executivo, que não deve tardar em tomar posse.

Termina assim um ano de bloqueio, desde que em março de 2019 o socialista convocou eleições depois de ter falhado a aprovação de um orçamento, por desacordo com os partidos catalães que tinham permitido a sua subida ao poder. Sánchez tornara-se primeiro-ministro em junho de 2018, na sequência de uma moção de censura por si apresentada contra Mariano Rajoy, do Partido Popular. Em Espanha este instrumento parlamentar tem caráter construtivo.

O socialista venceu as eleições de 28 de abril e 10 de novembro do ano passado, mas não conseguiu formar Governo no prazo constitucional, porque não somou os votos necessários no Congresso. Agora, dois meses após a repetição das legislativas, vê-se por fim empossado. A sessão de investidura durou três dias, com o discurso do candidato no sábado, a primeira votação (fracassada, por falhar a maioria absoluta) no domingo e, esta terça-feira, o êxito na segunda volta, que só exige maioria simples.

Os mais de 40 milhões de espanhóis anseiam por uma legislatura estável, após quatro eleições gerais desde 2015. Mas a magra margem de vitória, conseguida graças à abstenção de duas forças independentistas (a Esquerda Republicana da Catalunha e os nacionalistas radicais bascos Euskal Herria Bildu) é prenúncio de duras negociações para vir.

Sessão de investidura tensa

Em 15 minutos de intervenção na segunda sessão de investidura, Pedro Sánchez dedicou-se mais a criticar a obstrução da direita ao seu potencial Governo do que a defender o mesmo. “Ninguém tem o direito de monopolizar o patriotismo”, disse esta terça-feira, citando o antigo Presidente da República espanhol Manuel Azaña, perante os protestos das bancadas mais conservadoras. A mesma frase fora proferida por outro líder socialista e primeiro-ministro, José Luiz Rodríguez Zapatero, que governou entre 2004 e 2011.

Sánchez afirmou, basicamente, que não há alternativa no atual quadro parlamentar a um Executivo entre o seu Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, centro-esquerda) e a aliança de esquerda populista Unidas Podemos (chefiada pelo futuro vice-primeiro-ministro Pablo Iglesias). O líder socialista defendeu o fim do “clima tóxico” que acusa a direita de fomentar.

A votação uninominal pelos 350 deputados deveria ter começado às 11h45 (hora portuguesa, uma menos que em Espanha) mas as intervenções dos vários grupos parlamentares alongaram-se até às 13h. Depois de uma tentativa falhada no passado domingo, com 166 votos a favor e 165 contra (aquém, portanto, da maioria absoluta de 176 deputados), o homem que governa desde junho de 2018 precisa de apenas mais votos favoráveis do que contrários.

A repetir-se aquele resultado, será investido e deixará de ser primeiro-ministro apenas em funções de gestão, o que sucede desde há quase um ano, quando se desfez a aliança com esquerdistas e nacionalistas vários que o levou ao poder, derrubando via moção de censura o conservador Mariano Rajoy. Pelo meio houve duas eleições, em 28 de abril e 10 de novembro de 2019. Sánchez venceu ambas as as primeiras não permitiram empossar um Governo dentro dos prazos constitucionais.

A favor da investidura do socialista votaram, domingo, PSOE, UP, Partido Nacionalista Basco, Mais País (esquerda), Compromisso (esquerda valenciana), Nova Canárias, Bloco Nacionalista Galego e a formação regionalista Teruel Existe. A Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e o Euskal Herria Bildu (nacionalismo radical basco) abstiveram-se.

Contra estiveram as três forças de direita (Partido Popular, Cidadãos e Vox) e ainda os independentistas do Juntos pela Catalunha (do ex-presidente regional Carles Puigdemont) e da Candidatura de Unidade Popular (antissistema), os conservadores navarros (Navarra Soma, cujo deputado considerou uma “indignidade” haver um Governo apoiado por quem em tempos não condenou assassínios terroristas), a Coligação Canária, o Partido Regionalista da Cantábria e o Fórum Astúrias.

Acusações de traição e vivas ao rei

O líder do maior partido da oposição (PP), Pablo Casado, respondeu às citações republicanas de Sánchez com vivas ao rei Filipe VI e críticas a uma putativa investidura apoiada pelo Bildu, sucessor da antiga Batasuna, que era braço político da ETA. Este movimento terrorista, responsável por centenas de assassínios em democracia, extinguiu-se em 2011 mas continua a ser argumento da direita tradicional espanhola. A abstenção do Bildu e da ERC, essenciais para viabilizar o futuro Executivo, são para os conservadores a prova de uma traição à pátria espanhola.

Para Casado, os apoios à posse de Sánchez são um “cavalo de Tróia” para “meter golpistas e terroristas no Governo de Espanha”. “O nacionalismo não pretende a integração mas a rendição socialista”, alertou o chefe do PP. O acordo do PSOE com a ERC para permitir a posse de Sánchez implica a constituição de uma mesa de diálogo entre os governos central e regional e uma forma de consulta aos cidadãos da Catalunha que o socialista garante será feita dentro da lei, mas em que a direita vê porta aberta a novo referendo ao arrepio da Constituição.

Também o líder do Vox (extrema-direita) deu vivas ao monarca, antes de anunciar que “um matrimónio entre mentira e traição vai parir um Governo”. Santiago Abascal criticou Sánchez por ainda não ter ordenado a destituição do presidente do governo regional catalão, Quim Torra, apesar de sentença judicial contra o mesmo. “O Governo olha para outro lado porque necessita da autorização dos golpistas.

Os 52 representantes do Vox abandonaram o hemiciclo durante a intervenção, posterior, de Oskar Matute, do Bildu. Antes os separatistas do Juntos pela Catalunha tinham saído durante o discurso de Abascal. O deputado do PP Adolfo Suárez Illana virou costas enquanto Matute falava. Fizera o mesmo no domingo com outra deputada do Bildu. O orador deste partido, cujos estatutos condenam a violência, frisou que homenageia todas as vítimas da ETA, as dos GAL [grupos paramilitares ilegais durante o Governo de Felipe González] e as que continuam enterradas em fossas e valas [da guerra civil de 1936-39]”.

O tom foi igualmente tenso quando, mais tarde, discursou Inés Arrimadas, porta-voz do partido Cidadãos (centro-direita liberal, sobretudo nascido para combater os nacionalismos periféricos). “Nem um só espanhol votou em si para fazer o que está a fazer”, atirou a Sánchez, antes de lembrar que lhe propôs explorar maiorias alternativas, que deixassem de fora populistas e independentistas e defendessem a Constituição espanhola.

“Desprezou os votantes constitucionalistas”, assegurou Arrimadas, vista como futura líder do Cidadãos. Não hesitou em aconselhar os deputados socialistas a quebrar a disciplina partidária. Além da participação de separatistas na base de apoio ao Executivo, repudia a entrega da política económica a “assumidos comunistas”, numa referência à Unidas Podemos. “O extremismo é a gasolina do projeto de Sánchez”, concluiu.

Abstenção cética em nome do diálogo

Pela ERC interveio, emocionada, a deputada Montse Bassa, cuja irmã Dolors é um dos nove políticos catalães condenados a prisão por envolvimento na intentona separatista de 2017. “Golpista!”, gritou um deputado da direita quando Bassa considerou que eram “presos políticos” e defendeu o direito à autodeterminação (inexistente no ordenamento jurídico espanhol).

Sei que metade deste hemiciclo se alegra pela nossa dor, ou queria que fosse ainda maior”, acusou, afirmando que por vontade pessoal votaria contra Sánchez, mas que se abstém em nome do diálogo e da empatia, ainda que com muito ceticismo. Suscitou protestos de vários deputados conservadores ao afirmar estar-se “nas tintas para a governabilidade de Espanha”, país que acusa de repressão. É um claro sinal da fragilidade da solução governativa a que se chegou.

Bassa exigiu a libertação de Oriol Junqueras, líder da ERC e antigo vice-presidente do governo regional catalão, que cumpre pena de 13 anos de cadeia. Eleito eurodeputado em maio, o Parlamento Europeu decretou há dias que goza de imunidade (a eleição foi anterior à condenação), tal como outros acusados que são deputados europeus.

Contra o aproveitamento da dor

O discurso da direita foi contrariado por Pablo Iglesias, chefe da UP e provável vice-primeiro-ministro do futuro Executivo. Começou por homenagear a deputada Aina Vidal, da sua bancada, que veio ao Congresso dos Deputados votar apesar de sofrer de um grave cancro. Toda a esquerda aplaudiu de pé a parlamentar, visivelmente emocionada.

A investidura é tão renhida que os líderes parlamentares dos partidos que apoiam Sánchez pediram a todos os seus deputados que dormissem em Madrid esta noite. Os nacionalistas bascos radicais do Bildu admitiram passar da abstenção ao voto favorável se houvesse socialistas a trocar as voltas a Sánchez. Vários deputados foram exortados nas redes sociais a votar contra e até insultados ou ameaçados por viabilizarem o Governo de Sánchez.

Iglesias deslegitimou o discurso de Casado e Abascal citando a viúva do político socialista Ernest Lluch, assassinado pela ETA em 2000: “Não falem em nome das vítimas do terrorismo. Muitos de nós apostámos no diálogo e não no confronto. Basta de usarem a nossa dor em vosso benefício”, disse Rosa Lluch.

A porta-voz socialista no Congresso, Adriana Lastra, encerrou o debate acusando a direita de estar “radicalizada” e de querer “impedir a primeira regra da democracia”. “A democracia baseia-se em que forme Governo quem tem mais apoios, mas também em que a oposição aceite os resultados”, continuou.

Lastra agradeceu a “valentia” do único deputado da pequena formação local Teruel Existe, da região de Aragão, que “não pôde dormir em sua casa devido a ameaças”. “Aqui há 167 valentes”, assegurou, numa menção aos 166 que votaram a favor de Sánchez no domingo, a que se soma Aina Vidal, então ausente.

Momentos de emoção

Na sequência de intervenções das forças políticas, todas a reafirmar a posição expressa no voto de domingo, destacou-se o elogio de Íñigo Errejón, do Mais País, a Sánchez e Casado. O louvor a este último tem especial significado, pois Errejón foi seu número dois no Podemos, de que saiu para fundar o novo partido.

A deputada Ana Oramas, da Coligação Canária, protagonizou outro momento emotivo ao explicar porque violara a disciplina partidária (no que foi enaltecida por Arrimadas, do Cidadãos). A sua formação indicara a abstenção mas a deputada votou contra, explicando que o faz em defesa dos cidadãos da sua região. No entanto, criticou as acusações de traição vindas da direita a quem vota a favor de Sánchez, tanto quanto aquelas de que é alvo por rejeitar o Governo do socialista.

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