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“Vou rezar para que não me matem antes de terminar o meu trabalho.” Mas mataram-no: morreu Mesut Molavi

O Irão tem sido palco de vários protestos contra o regime
O Irão tem sido palco de vários protestos contra o regime
Anadolu Agency/ Getty Images

Dizia-se que dentro de dias documentos confidenciais do regime iraniano seriam divulgados. Por Mesut Molavi e os que com ele trabalhavam para o mesmo - integravam um “meio para expor a corrupção, os crimes e os bastidores do regime da República Islâmica do Irão”

“Vou rezar para que não me matem antes de terminar o meu trabalho.” Mas mataram-no: morreu Mesut Molavi

Marta Gonçalves

Coordenadora de Multimédia

Caminhava com o telemóvel na mão. Cabeça baixa, olhos postos no ecrã. Um amigo acompanhava-o. Sem se perceber bem de onde, dois outros homens surgiram a disparar sobre Mesut Molavi: primeiro pelas costas, depois pela frente. Onze tiros e o corpo do ativista iraniano caiu no chão de uma rua no luxuoso bairro de Sisli, em Istambul, na Turquia. Morreria pouco depois. Mesut Molavi era um dos administradores do Black Box, um grupo que se assumia como “a ruidosa voz dos iranianos”.

“Vou erradicar os comandantes da máfia corrupta e rezar para que não me matem antes de terminar o meu trabalho.” De acordo com a imprensa turca, terá sido este o último tweet de Mesut Molavi. Não é possível confirmá-lo, pois após as notícias da sua morte os seus perfis em várias redes sociais foram apagados ou conteúdo apagado também. Dizia-se que dentro de dias documentos confidenciais do regime iraniano seriam divulgados.

Os vídeos que circulam nas redes sociais e são identificados como o momento em que o ativista é supostamente atingido a tiro não duram mais que poucos segundos. Vê-se Molavi a caminhar, dois homens surgem por trás e disparam, continuam a correr e disparam depois de frente. Molavi é atingido e cai. Ainda recebeu cuidados médicos mas não resistiu aos ferimentos. O amigo que o acompanhava foge, não sendo claro se também foi ou não baleado. Foi na noite de 14 de novembro, mas apenas nos últimos dias foi tornado público.

Molavi tinha 35 anos, nasceu em Isfahan, a quase 400 quilómetros a sul de Teerão. Haveria de estudar depois na Universidade do Arizona, nos EUA, onde se doutorou em inteligência artificial. Foi depois para a Turquia e, escreve a edição turca do jornal “Independent”, por várias vezes foi convidado a participar em programas de rádio e televisão em que era apresentado como o babası (o pai) da inteligência artificial.

Embora as autoridades não o confirmem oficialmente - nem seria de esperar outra coisa -, a imprensa turca escreve que Molavi pertencera em tempos aos serviços secretos do Irão e que foi precisamente essa proximidade com o regime que lhe permitira ter acesso a informação confidencial. Em março de 2018 é associado pela primeira vez ao Black Box, um canal na rede social Telegram que se define como “meio para expor a corrupção, os crimes e os bastidores do regime da República Islâmica do Irão”.

Desde documentos escritos, informações avulso e até áudios - incluindo do responsável pelos serviços secretos e da Guarda Revolucionária - foram partilhados por Molavi. Durante 20 meses, Molavi divulgou o que deveria ser secreto.

De acordo com a AFP, no Instagram do ativista - entretanto a conta foi encerrada - existiam fotografias de Molavi com três presidentes do Irão: Hashimi Rafsanjani, Muhammad Hatemi e Mahmoud Ahmadinejad.

Não se conhece ao certo o teor dos documentos que Molavi esperava revelar nos próximos dias. Sabia-se apenas que possivelmente iriam comprometer as autoridades do Irão, algo que já não era uma novidade para o Black Box (o Expresso contactou o grupo de ativistas mas até à hora de publicação não obteve qualquer resposta).

As suspeitas de que Molavi tenha sido executado por ordem do regime iraniano aumentam pois há um historial de dissidentes do regime assinados também em Istambul. Por exemplo, em 2017, Saeed Karimian presidente da GEM TV, um canal de tv sediado no Dubai, foi assinado juntamente com o companheiro também na cidade turca. Karimian, que nasceu no Irão mas tem também nacionalidade britânica, produzia e apresentava programas com valores ocidentais e “contrários à lei islâmica”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mpgoncalves@expresso.impresa.pt

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