O único deputado português na Assembleia Legislativa (AL) de Macau disse à Lusa que, nos últimos 20 anos, a corrupção é o fenómeno mais negativo no território e a segurança uma das conquistas mais importantes. “Nos últimos anos não houve um combate efetivo à corrupção em Macau”, afirmou Pereira Coutinho em entrevista, dando o exemplo da “falta de coragem para modernizar a legislação referente à aquisição de bens e serviços, empreitadas e construções por parte das entidades públicas”.
“A corrupção vai ser o desafio de Macau. Macau é muito permeável à corrupção. E a AL é completamente ineficaz no combate à corrupção”, sublinhou o deputado, na AL desde 2005.
O deputado admitiu ainda que o parlamento de Macau não tem capacidade para contrariar o fenómeno: “Nós não temos poderes para fiscalizar o orçamento do Governo de Macau. Não temos. Aquilo é uma paródia. O plenário para o debate orçamental é uma paródia. Não dá para fazer nada. Não dá para fiscalizar”.
Já o dado positivo, desde a transferência da administração de Macau para a China, é a segurança, argumentou aquele que é também conselheiro das comunidades portuguesas. “Nos últimos 20 anos acho que a cidade de Macau é das mais seguras de toda a República Popular da China”, opinou aquele que é também conselheiro das comunidades portuguesas.
Para isso contribuiu em muito o investimento que tem sido feito ao nível da videovigilância, sublinhou, ainda que se tenha de pagar um preço: “Diria que tem o seu custo, que é a privacidade. Nós somos visionados, escutados, em tudo. Já nem estamos seguros em casa”.
Governo teme contágio dos protestos em Hong Kong
Pereira Coutinho avançou ainda que o Governo tem medo que a situação de Hong Kong alastre para o território, mas garantiu que não há ‘mercado’ para a mobilização. “O governo tem muito medo daquilo que está a acontecer em Hong Kong (…) possa alastrar para Macau, afirmou o deputado, numa referência aos protestos violentos que têm marcado o território vizinho há mais de cinco meses.
“[Mas] Macau não tem mercado para o que está a acontecer em Hong Kong. Em primeiro lugar porque os nossos jovens são diferentes, quer em termos de educação, quer em termos de conhecimentos políticos, quer em termos daquilo que está a acontecer de uma maneira geral na sociedade”, explicou. Em segundo lugar, o Governo de Macau “comporta-se de uma maneira diferente do Governo de Hong Kong em termos de concessão de subsídios. Nós temos subsídios de toda a espécie e para todos os efeitos”, acrescentou o deputado, na AL desde 2005.
Pereira Coutinho defendeu que os jovens de Macau e de Hong Kong partilham o mesmo problema da habitação, mas que, depois, há muitas diferenças que os separam. Enquanto em Hong Kong é visível ainda “a penetração e influência do modelo ocidental de democracia, de educação, de visão e de maior internacionalização, Macau nunca foi uma cidade internacional”, apontou
“Em Macau há antibióticos, há anestésicos que fazem com que eles esqueçam de uma forma curta o sofrimento que têm”, recordando que existem “28 fundos a conceder subsídios todos os anos para todas as associações e entidades particulares”, algo que, frisou, “Hong Kong não tem”.
“Basta invocar um slogan da Grande Baía [o projeto de uma metrópole definida por Pequim que junta Hong Kong, Macau e a província chinesa de Guangdong] ou sessões de esclarecimento de como ser mais patriota para ter subsídios”, sustentou. Por outro lado, o deputado de nacionalidade portuguesa, nascido em Macau, lembrou o facto de já ter organizado muitas manifestações e que “não é qualquer assunto que consegue convencer as pessoas a irem para a rua”.
“Não é fácil pôr 100 pessoas na rua. Nós já conseguimos pôr 20 mil numa mega manifestação contra um projeto de lei que concedia imunidade governantes em processos criminais e que concedia pensos de aposentação para uma dúzia de elites de governantes. O projeto foi retirado”, recordou.
Contudo, tendo em conta o tema sensível que é Hong Kong, Pereira Coutinho destacou o que considera ser uma evidência hoje: “As pessoas vão para a rua são identificadas, são referenciadas, [porque] nós temos câmaras em todos os lados. Pode não ter consequências imediatas, mas ah!, eu garanto que terão retaliações indiretas e diretas no médio prazo”.