Internacional

Câmara dos Comuns já tem novo speaker: “Order” é para manter mas o grande objetivo é tirar a maldade da política

O novo 'speaker' da Câmara dos Comuns britânica, Lindsay Hoyle, num bar numa ação de campanha dos trabalhistas em 2016
O novo 'speaker' da Câmara dos Comuns britânica, Lindsay Hoyle, num bar numa ação de campanha dos trabalhistas em 2016
Foto: Twitter

O novo 'speaker' da Câmara dos Comuns britânica, Lindsay Hoyle, já prometeu que uma das suas principais lutas será contra a "maldade" na política - vários parlamentares britânicos anunciaram que não se vão recandidatar nas eleições gerais de 12 de dezembro devido às constantes ofensas, ameaças e insultos que recebem. Hoyle sucede à "estrela" que foi John Bercow e herda um parlamento habituado a fazer barulho, principalmente no que ao Brexit diz respeito. Hoyle reuniu 325 votos na Câmara dos Comuns, batendo Chris Bryant por mais de cem votos

Câmara dos Comuns já tem novo speaker: “Order” é para manter mas o grande objetivo é tirar a maldade da política

Ana França

Jornalista da secção Internacional

Quase tudo na Câmra dos Comuns é um processo cheio de ritos e tradições - e por vezes um pouco atípico por causa disso. Lindsay Hoyle, de 62 anos, foi esta segunda-feira literalmente arrastado pelos deputados para a cadeira de ‘speaker’, uma tradição com raízes sangrentas. Quando a função do ‘speaker’ era comunicar aos reis aquilo que os deputados da Nação decidiam, o monarca em funções podia mandar matar o mensageiro, caso não concordasse com as opiniões que saíssem do parlamento. É por isso natural que o infeliz contemplado tivesse alguma relutância em sentar-se na cadeira que a partir desta segunda-feira pertence a Lindsay Hoyle, vice-presidente dos Comuns há mais de nove anos e bem habituado a ter de sobrepor os decibéis da sua voz ao alvoroço permanente da Casa dos Comuns.

Eleito para o parlamento em 1997 como deputado trabalhista, o seu estilo não difere assim tanto do do homem que agora deixa o cargo, John Bercow, famoso por toda a Europa pelos seus berros de “Ordeeeeer!” e por ter usado o seu poder, segundo os seus críticos, para favorecer os europeístas. A sua decisão, no mês passado, de não permitir que o primeiro-ministro, Boris Johnson, realizasse uma segunda votação ao seu acordo do Brexit - dois dias depois de os membros do parlamento o rejeitarem - foi fundamental para o falhanço de Johnson em cumprir o que tinha prometido: sair da UE a 31 de outubro. O ‘speaker’ tem bastante poder na Câmara dos Comuns e o Brexit tornou este facto dolorosamente claro para quem discorda da atuação de Bercow. O trabalho de um ‘speaker’ passa por selecionar que emendas às leis serão levadas a votação e também por determinar quais são as moções que a Câmara considera. As emendas foram uma das principais ferramentas que os parlamentares usaram para assumir o controlo da agenda diária e moldar o divórcio do Reino Unido da União Europeia. Foi por decisão de Bercow que o parlamento votou - e, depois, aprovou - a Lei Benn, que forçou Johnson a solicitar um adiamento do prazo para o Brexit.

Hoyle já prometeu ser "a estabilidade e a liderança que a Câmara dos Comuns exige para permanecer no centro de nosso sistema político", não se afastando de todo do legado do Bercow: "Há muito mais trabalho a fazer para capitalizar os esforços de Bercow e tornar o parlamento mais diversificado e representativo de todo o país”, disse à Sky News. No pequeno discurso de “campanha” que todos os candidatos fizeram antes da votação, Hoyle disse que quer garantir que todos os deputados tenham uma oportunidade de falar “porque o parlamento não é um clube onde só contam as opiniões de quem é membro há 35 anos”.

Ainda assim, ao mesmo tempo que elogiou o facto de Bercow ter trazido mais poder ao parlamento, centrando nele o poder das decisões e não, necessariamente, no Executivo, Hoyle também fez questão de se distanciar do seu agora antecessor. O parlamentar trabalhista já se descreveu como um "antídoto" para Bercow e disse que prefere usar o humor para dissipar tensões, enquanto os comentários belicosos de Bercow podem ser vistos como “mais combustível para a fornalha”.

Humor que não faltou ao “Pai” da Câmara dos Comuns, Ken Clarke, que liderou esta sessão de votação por Bercow já não estar sentado na cadeira de ‘speaker’. Clarke é um dos políticos mais conhecidos do país, um dos mais velhos e aquele que há mais tempo está no parlamento, desde 1970. Não teve qualquer problema em assumir uma posição totalmente oposta ao seu partido no que ao Brexit diz respeito, tendo sempre recusado “desligar-se” do bloco sem qualquer acordo.

Uma das primeiras ações de Hoyle no seu novo cargo deverá ser a organização de uma espécie de cimeira de líderes parlamentares para discutir as ofensas e ameaças, nomeadamente através das redes sociais, que os deputados sofrem quase todos os dias. Mark Lancaster, secretário de Estado das Forças Armadas, Nicky Morgan, secretária de Estado da Cultura e Heidi Allen, ex-conservadora e agora liberal-democrata, todos citaram estas questões de entre a lista de razões que os levam a não procurar a reeleição agora, nas eleições gerais de 12 de dezembro.

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