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Brexit. “Ou tentamos nós ser melhores parlamentares ou permitimos ao povo que escolha um grupo de parlamentares melhores do que nós”

Brexit. “Ou tentamos nós ser melhores parlamentares ou permitimos ao povo que escolha um grupo de parlamentares melhores do que nós”
NIKLAS HALLE'N/GETTY IMAGES

Não é totalmente impossível que esta terça-feira, quando a Câmara dos Comuns se reunir de novo para avaliar a quarta proposta de Boris Johnson para a aprovação de umas eleições gerais, a oposição já tenha feito as pazes com a ideia de que, sem elas, não é possível descongelar a política britânica

Brexit. “Ou tentamos nós ser melhores parlamentares ou permitimos ao povo que escolha um grupo de parlamentares melhores do que nós”

Ana França

Jornalista da secção Internacional

O número de “ayes” até parecia grande, principalmente quando colocado ao lado dos “no”. Esta segunda-feira, 299 deputados disseram “sim” a eleições antecipadas e 70 votaram contra. O “sim” venceu mas como só uma maioria de dois terços poderia ter levado o Reino Unido a eleições antecipadas, Boris Johnson perdeu na mesma. Essa maioria está situada nos 434 votos, faltaram-lhe 135. Nem sequer esteve perto.

O debate que antecedeu este resultado ficou marcado por uma espécie de fio condutor invisível que, a dada altura, parecia comandar as intervenções de quase toda a oposição: não confiamos no primeiro-ministro e, por isso, não vamos aceitar este calendário de eleições, não vá ele (ou eles, calendário e primeiro-ministro) levar-nos a uma saída abrupta, sem qualquer acordo, no dia 31 de janeiro. Com nuances mais ou menos apaixonadas, outras mais regionalistas, esta foi a justificação apresentada pela generalidade dos deputados que se recusaram a “cair na armadilha”, outra frase muito comum esta tarde, de Boris Johnson. Jeremy Corbyn continua a não dizer se vai ou não apoiar uma eleição apesar de muitos comentadores, mesmo próximos do partido, pararem muito perto da palavra “cobarde” para o classificar.

Ainda assim, o líder da oposição decidiu usar o seu discurso principal para focar os problemas de uma eleição tão perto do Natal. “A eleição de 12 de dezembro é a cerca de quinze dias Natal, nove dias antes do dia mais curto do ano. Esta Casa deve considerar que em partes deste país estará escuro antes das 16h00. Muitos estudantes teriam já terminado, por esses dias, o período de aulas e estariam já em casa para o Natal, correndo o risco de se verem privados dos seus direitos (nota: muitos estudantes estão registados nas cidades onde estudam)”, disse Corbyn, focando-se depois no facto de não poder confiar no primeiro-ministro: “A razão para não aceitarmos novas eleições nestes termos é porque que não confiamos no primeiro-ministro. Queremos algo que, definitivamente, tire a possibilidade de um ‘no deal’ de cima da mesa e que garanta que os direitos de voto de todos os nossos cidadãos estão protegidos”.

Eleições para superar o impasse

Do outro lado estiveram, também, como uma frente tão unida como os seus oponentes, os conservadores, que desejam uma nova consulta popular que resolva o impasse que pelo menos desde março deste ano tem paralisado totalmente a legislatura. Além disso, Boris Johnson colocou quase todo o seu capital político na capacidade de retirar o país da UE a 31 de outubro, coisa que não conseguiu fazer. Quer agora números reforçados para poder gerir o Brexit como quiser. “Ou tentamos nós ser melhores parlamentares ou permitimos ao povo que escolha um grupo de parlamentares melhores do que nós”, resumiu o deputado conservador John Redwood.

O também conservador Steve Double criticou todos os deputados que foram eleitos num manifesto que nada dizia sobre a eliminação total do Brexit, como agora defendem, sem qualquer sombra de dúvida, os ‘Lid-Dems’. “O líder da oposição tem duas opções para evitar sair sem acordo: votar no acordo que já existe e garantir um Brexit ordeiro, ou votar numa eleição, vencer, e depois substituir esse acordo”, explicou. Double apoiou o pedido de Johnson por uma nova eleição e acrescentou, como tantos outros deputados, que a Câmara dos Comuns "perdeu toda a legitimidade" e que a única maneira de recuperá-la é ter uma eleição. É um estado preocupante de coisas quando metade de um parlamento de uma das mais ferozes e saudáveis democracias do mundo considera os próprios deputados ocupantes ilegítimos dessa Casa.

Depois do debate começaram a surgir possíveis caminhos para terça-feira, quando Boris Johnson vai voltar a tentar fazer aprovar uma nova eleição geral. Os números que (não) conseguiu neste voto tornam-se menos assustadores porque, esta terça-feira, o primeiro-ministro tentará apresentar a chamada “lei de uma só linha”, um projeto de lei que só precisa de uma maioria simples para passar, 320 neste caso (a Câmara dos Comuns tem 650 lugares mas 11 ocupantes não votam - sete republicanos da Irlanda do Norte, o Presidente da Câmara e os seus três ‘vices’).

Lei está sujeita a emendas

O problema é que este tipo de lei está sujeito a emendas e os nacionalistas escoceses podem pedir, por exemplo, o voto para pessoas com 16 anos. Os analistas não veem essa possibilidade com um impedimento porque permitir esse voto tem bastantes complicações logísticas (o registo de votos demoraria mais do que o prazo atual para a saída), mas um voto para os residentes europeus já é mais plausível. “Talvez Boris Johnson consiga fazer as pazes com oferecer o voto aos cidadãos europeus, por exemplo", disse ao Expresso Matthew Goodwin, durante uma entrevista de apresentação do livro “Populismo: A Revolta contra a Democracia”, recentemente traduzido em Portugal (Saída de Emergência).

O académico, que esteve em Portugal com Roger Eatwell, coautor do livro, considera que “mais cedo ou mais tarde Boris Johnson vai conseguir as eleições que quer e vai vencer, talvez com uma maioria pequena, mas parece certo que vai vencer”. As sondagens, dizia esta noite a BBC, dão-lhe, em média, mais dez pontos do que aos trabalhistas mas Hopi Sen, ex-chefe de campanha de vários deputados trabalhistas, também em entrevista ao Expresso para a edição desta semana do semanário, disse que “os liberais-democratas e os nacionalistas escoceses poderiam unir-se com os trabalhistas mesmo que estes ficassem em segundo lugar, um pouco como o vosso António Costa fez em 2015”.

Para Goodwin, “as eleições que se aproximam serão, sem dúvida, as mais definidoras pelo menos desde os anos 1970, se não desde o fim da Segunda Guerra Mundial”. Ambos os académicos utilizam o Brexit como exemplo para a tese que defendem ao longo de todo o livro, mais ou menos esta: muitas pessoas não se sentem representadas pelos atuais sistemas políticos, pelos partidos tradicionais e o populismo não é uma corrente apoiada apenas nas opinião de “homens brancos, boçais, racistas, zangados com o mundo e sem emprego”.

Brexit não gerou onda de desconfiança nas instituições

O Brexit, segundo a pesquisa que conduziram, “não conduziu a um onda de enorme desconfiança nas instituições ao contrário do que seria de prever por o Brexit ainda não ter sido aprovado”, diz Eatwell, mas “contribuiu, e muito, para a fragmentação do sistema partidário binário que existia no Reino Unido e revolveu algumas das regras, tornando, em alguns aspectos, a nossa política mais próxima da que já vemos em alguns países da Europa: ressurgimento dos populismos e os partidos ‘mainstream’ com 55% somados nas sondagens”, acrescenta Goodwin.

Uma aliança entre SNP, ‘Lib-Dems’ e conservadores pode facilmente desfazer-se mas também há possibilidades de sucesso. Por exemplo, as tais emendas que a oposição pode apresentar podem não ser aceites pelo speaker John Bercow, mas mesmo que alguma seja autorizada a ser discutida, o Governo pode estar confortável com essas potenciais mudanças.

A data passar de 12 para 9 de dezembro é, neste momento, a maior exigência da oposição, e não é certo que Johnson seja assim tão avesso a essa data. Fontes do Partido Trabalhista disseram, na noite desta segunda-feira, ao editor de política da Sky News, Lewis Goodall, que os trabalhistas estão “a mudar o rumo” e podem mesmo oferecer o seu apoio ao projeto de lei de Johnson. Como dizia Beth Rigby, também da Sky News, esta noite em reportagem à frente da Câmara dos Comuns, “acho que aos poucos toda a gente está a começar a entender que uma eleição geral é a única forma de resolver este enorme problema”.

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