“Quando é que isto acaba?”: Zeynab e outras 24 mil pessoas não podem sair das ilhas gregas
Zeynab tem 12 anos e há poucos meses os médicos disseram-lhe que tinha um tumor na cabeça
Anna Pantelia/ Imagem cedida pelos Médicos Sem Fronteiras
Os cinco pontos de chegada nas ilhas da Grécia só têm capacidade para 6300 pessoas. E apesar de obviamente já sobrelotados, continua a chegar mais gente todos os dias - mais de metade são mulheres e crianças. Zeynab, 12 anos, partilha a tenda com a família e quando dorme não tem espaço para esticar as pernas. Fatima, 9 anos, escapou a uma explosão à porta de casa, no Afeganistão. O irmão morreu
Ainda há dias Zeynab teve uma crise de epilepsia. Teve mais uma crise de epilépsia. Tem 12 anos. “Foi a meio da noite e não havia ninguém para nos ajudar”, conta o irmão. Diagnosticaram um tumor no cérebro à menina que usa hijab preto na cabeça. Na altura, estava na Turquia e, na esperança de melhores cuidados médicos, a família atravessou o mar Egeu para chegar à Europa.
Estão na ilha grega de Lesbos, em Moria, um dos maiores campos de refugiados da Europa e quem lá sobrevive chama-lhe “A prisão”. Nos últimos anos a sobrelotação daquele espaço que em tempos foi uma base militar é constante. Gente a mais é uma realidade ali e nas restantes ilhas gregas, mas agora, garantem os Médicos Sem Fronteiras, os números aumentam e há muito tempo que não havia tantas pessoas: onde podiam ser recebidas 6300, estão mais. Muitas mais.
“A situação nas ilhas da Grécia está em ponto de rutura: estas 24 mil pessoas encontram-se em cinco hotspots que, no seu conjunto, têm capacidade para 6300. Em Lesbos e em Samos, milhares de pessoas estão ao abandono, em condições desumanas, com muito limitado acesso à água, saneamento e a cuidados de saúde”, denunciam os MSF, que apontam culpas para uma União Europeia que falhou “na gestão das migrações e asilo, bem como na devida prestação de cuidados de saúde e em encontrar soluções para pôr fim às condições desumanas e inaceitáveis de vivência”.
Vieram seis pessoas da família de Zeynab para Moria, incluindo o avô de 97 anos. Deram-lhes um lugar numa tenda, ao lado de outras quatro famílias. Portanto, o espaço é dividido e não dá mais do que quatro ou cinco metros quadrados a cada um - equivalente à dimensão de uma pequena casa de banho, por exemplo. “Quando tentamos dormir, nem temos espaço para esticar as pernas.” Zeynab está referenciada pela clínica pediátrica dos MSF para ser rapidamente atendida no hospital.
Zeynab e a família
Anna Pantelia/ Imagem cedida pelos MSF
Na mesma clínica também está a ser acompanhada Fatima. Tem nove anos e fugiu do Afeganistão com a família. Um bomba explodiu à porta de casa. O corpo de Fatima foi atirado para longe, ficou caído no chão. Ela está viva. O irmão de quatro anos que estava junto a ela morreu. Foi operada três vezes no Afeganistão. Vieram para a Europa (via Turquia, Egeu, Grécia). Estão em Moria, dentro de um contentor.
Pelo menos uma centena de menores de idade com doenças graves ou crónicas são atualmente atendidos regularmente na clínica pediátrica da organização não-governamental. Ali chegam problemas de coração, diabetes, epilepsia, feridas de guerra. “Cada vez mais crianças param de brincar, têm pesadelos, receiam sair das tendas e recomeçar a viver. Algumas deixaram completamente de falar. Com o aumento da superlotação, violência e a insegurança no campo, a situação para as crianças deteriora-se a cada dia que passa. Para prevenir consequências a longo prazo, têm de ser retirados de Moria imediatamente”, defende Katrin Brubakk, que coordena o programa de saúde mental dos MSF em Lesbos.
Moria é um hotspot criado pela União Europeia para registar todas as pessoas que chegam à ilha. Em 2016, as coisas mudaram quando a UE assinou um acordo com a Turquia que, na prática, impede as pessoas que chegam à Grécia de seguirem caminho. Uma vez ali chegadas - seja a alguma das ilhas ou ao continente -, só podem continuar se o pedido de asilo for aceite (caso contrário, são deportadas para a Turquia). O processo chega a demorar anos, tornando o país numa espécie de tampão que impede as pessoas se sair.
“Nas últimas semanas, a situação humanitária nas ilhas gregas deteriorou-se devido ao significativo aumento das chegadas. Atualmente, temos 24 mil pessoas nas cinco ilhas, um número que não víamos desde 2016. Destas pessoas, cerca de 60% são mulheres e crianças”, apontam os MSF.
Fatima e a familia
Anna Pantelia/ Imagem cedida pelos MSF
Esta semana, o Governo grego começou a transferir migrantes da ilha de Lesbos para o continente, no âmbito dos esforços para travar a sobrelotação dos campos de refugiados. Só em Moria estão 11 mil pessoas e o plano de Atenas é transferir cerca de 1500 migrantes e requerentes de asilo para um outro campo localizado no norte da Grécia continental, conhecido como Nea Kavala.
Ainda assim, os Médicos Sem Fronteiras dizem não ser suficiente: “2500 pessoas já reconhecidas como vulneráveis continuam encurraladas numa ilha sem acesso a cuidados de saúde adequados.
“Um humano não pode viver assim”
Em Samos, a situação não é muito diferente daquela que se vive em Lesbos. “A dor que uma mãe sente quando um filho chora pelas condições em que vive… também eu só quero chorar”, conta Jasmine. Ela está no campo de Vathy. De acordo com a organização não governamental, aquele lugar estava preparado para receber até 650 pessoas. Estão ali cerca de cinco mil.
“O meu bebé chora todo o dia. E depois não consegue dormir porque tem o corpo cheio de manchas”, conta Jasmina. “Sinto-me tão mal, um humano não pode viver nestas condições”.
Também Abdul e a filha ( os nomes não são reais) estão há 11 meses num contentor com mais três famílias. Quando chegaram, havia uma casa de banho para cada dez famílias, hoje há uma para cada 100. “No inverno, a minha filha adoeceu. Levei-a ao médico do campo, mas a fila era tão grande… Tentei uma consulta durante dois ou três dias mas era impossível”, recorda. Não há acesso diário a água potável.
“Uma vez mais, os Médicos Sem Fronteiras pedem à Grécia e a todos os estados membros que recoloquem as pessoas mais vulneráveis, incluindo crianças”, pede a organização. E questiona: “Quando é que isto vai acabar?”