‘Brexit’. Moção de censura é cada vez mais provável

Boris Johnson pediu à rainha Isabel II que suspendesse o Parlamento, encurtando o tempo para um debate sobre o ‘Brexit’. A revolta contra o primeiro-ministro britânico está a crescer
Boris Johnson pediu à rainha Isabel II que suspendesse o Parlamento, encurtando o tempo para um debate sobre o ‘Brexit’. A revolta contra o primeiro-ministro britânico está a crescer
Jornalista da secção Internacional
Boris Johnson não é o primeiro a tentar controlar o poder dos deputados. Em 1629, Carlos I cansou-se de um Parlamento que não lhe dava apoio financeiro, nem outro, para as suas demandas imperialistas, e resolveu dissolvê-lo. Os deputados enraivecidos sentaram-se em cima do presidente da Câmara dos Comuns, na altura John Finch, para evitar que ele fechasse o edifício.
Sob o peso de pelo menos cinco parlamentares, foi incapaz de se mexer e os deputados conseguiram passar leis a condenar a conduta perdulária do monarca, que acabou decapitado.
Em 1997, também John Major, ex-primeiro-ministro que agora se insurge contra Johnson, fechou o Parlamento para evitar que se debatesse o escândalo cash-for-questions sobre as suspeitas de que dois conservadores tivessem sido pagos para fazer perguntas no Parlamento em nome do então dono do Harrods, o egípcio Mohamed Al-Fayed. A suspensão desencadeou a eleição geral e nasceu um novo Governo, o do trabalhista Tony Blair.
Há três ações legais a correr contra esta decisão do primeiro-ministro, uma na Irlanda no Norte, outra na Escócia e ainda outra em Inglaterra. Se algum juiz decidir travar Johnson, “pode abrir-se uma crise constitucional porque os tribunais de primeira instância teriam de emitir uma ordem para impedir o encerramento e depois o caso teria de correr até ao Supremo Tribunal. Este, por sua vez, teria de decidir em poucos dias para que a decisão tivesse impacto”, diz ao Expresso Joelle Grogan, professora de Direito na Middlesex University. Nesse caso, “a rainha ficaria numa situação muito delicada pois teria de reverter a suspensão sob ordem dos tribunais — só que ela não está legalmente obrigada a respeitá-los”, continua Grogan.
É importante entender também o que vai acontecer quando os deputados se voltarem a reunir a 3 de setembro com apenas sete dias úteis para debater e legislar até à data de encerramento do Parlamento.
“Um voto de não-confiança ao Governo é agora mais provável porque o tempo para legislar sobre outras matérias mais complexas como o impedimento ao no deal, outro acordo ou ainda a extensão do prazo de saída da UE, encurtou muito. Dito isto, a ideia de que Corbyn possa tomar conta do país ainda repugna mais aos deputados conservadores do que a hipótese do no deal”, explica ao Expresso Tim Bale, professor de Política Interna da Queen Mary University, em Londres, referindo-se aos enormes anticorpos que existem contra o líder dos trabalhistas entre os parlamentares conservadores. Se a moção de censura for, mesmo assim, aprovada, “então quem quer que tome o leme das mãos de Johnson vai logo marcar eleições e pedir à UE uma extensão do prazo para a saída”.
Depois da decisão de Johnson, as comparações com grandes tiranos da História não tardaram. Nem demorou muito até que a própria democracia começasse a ser posta em causa.
“Durante muito tempo a sociedade britânica esteve dormente, embalada pela certeza de que a força dos seus representantes eleitos, ou seja, do Parlamento, era maior do que todas as outras. Afinal não: o Executivo recorreu a um monarca para anular a voz dos deputados porque sabe que nunca conseguirá fazer passar o acordo para o ‘Brexit’ e isso não é uma democracia”, diz ao Expresso Martyn Bennett, historiador da Universidade de Nottingham.
É comum a suspensão do Parlamento acontecer no outono antes do discurso da rainha. Na verdade, é escrito pelo Governo. Desta vez o tempo da suspensão é demasiado longo para que não venham a surgir acusações de intenção política. Schona Jolly, advogada sediada em Londres, defende que não é o encerramento, mas o momento em que ele surge, que o torna tão criticável.
“A suspensão do Parlamento por um período tão longo no contexto de uma das épocas mais fraturantes da nossa política recente, e empurrado por um primeiro-ministro que não foi eleito diretamente, não é normal nem acontece todos os anos”, diz Jolly.
Porém, nem toda a gente considera que o ataque à democracia esteja a surgir da parte de Johnson. Tom Harris, ex-deputado trabalhista favorável ao ‘Brexit’, considera que “a iniciativa de Johnson é arrojada”. “Tanto que pode acabar com a sua carreira de primeiro-ministro, mas não é nenhuma vergonha inconstitucional”, escreveu no “Daily Telegraph”. Não só por ser legal mas também porque, continua, “os deputados pró-UE passaram três anos a tentar reverter a vontade do povo e agora estão muito chateados com o facto de terem menos algumas semanas para discutir o mesmo”.
O editorial daquela mesma edição afirmava: “O verdadeiro ultraje antidemocrático é o comportamento dos deputados anti-Brexit que se recusaram a respeitar a decisão do povo em sair da UE”.
Como o provou o significativo resultado do Partido do Brexit nas últimas eleições europeias, o país não está em paz com o compromisso frouxo do Parlamento relativamente à saída da UE, mas também é certo que não existe um mandato do povo para uma saída sem acordo, porque isso nunca esteve em cima da mesa durante a campanha do referendo.
“Não vai haver uma revolução, não vai haver guerra, mas a História mostra que cada vez que anulámos o poder do Parlamento sofremos graves consequências”, diz Martyn Bennett.
Tim Bale considera que, neste momento, todos os cidadãos britânicos estão a sofrer as consequências deste processo: “Estamos tão divididos enquanto país que a maioria dos que querem sair da UE não querem saber da democracia parlamentar se isso significar que o ‘Brexit’ passa. Essas pessoas vão perder a fé se o referendo não for respeitado. Do outro lado estão os que não querem sair e acabam de perder a confiança em Johnson porque ele está a impedir o Parlamento de legislar”.
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