Internacional

Irão no G7. “Enquanto o MNE francês assumiu a liderança na valsa, Macron tentou distrair o comandante supremo do Twitter”

Irão no G7. “Enquanto o MNE francês assumiu a liderança na valsa, Macron tentou distrair o comandante supremo do Twitter”
Andrew Parsons/Pool/Getty Images

A cimeira dos sete países mais industrializados do mundo contou com a visita-surpresa do chefe da diplomacia iraniana. O convite foi feito “em acordo com os EUA”, esclareceu fonte do Eliseu, contradizendo a alegação de que Trump não havia sido informado. O Brexit e os fogos na Amazónia são outros assuntos do encontro que termina esta segunda-feira

Irão no G7. “Enquanto o MNE francês assumiu a liderança na valsa, Macron tentou distrair o comandante supremo do Twitter”

Hélder Gomes

Jornalista

O ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif, falou este domingo com o Presidente francês, Emmanuel Macron, à margem da cimeira do G7, em que se discute até esta segunda-feira o comércio global e as alterações climáticas, entre outros assuntos.

Na sequência de um convite-surpresa, o chefe da diplomacia de Teerão desembarcou na cidade costeira de Biarritz, esteve reunido com o seu homólogo francês, Jean-Yves Le Drian, durante três horas e meia, e teve um encontro de meia hora com Macron, entre outros. O seu avião partiu logo após esta ronda de conversações.

“Continua a diplomacia ativa do Irão em busca de um compromisso construtivo”, escreveu Zarif no Twitter, dizendo que se tinha encontrado com Macron depois de “conversações abrangentes” com os ministros franceses dos Negócios Estrangeiros e das Finanças, seguidas de “uma conferência conjunta para o Reino Unido e a Alemanha”. “A estrada à frente é difícil. Mas vale a pena tentar”, concluiu.

Mohammad Javad Zarif, ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros
GEOFFROY VAN DER HASSELT/Getty Images

Um membro da presidência de Macron assinalou à agência de notícias France-Presse (AFP) que as conversações foram “positivas”. O chefe de Estado francês, anfitrião da cimeira deste ano, tem liderado os esforços para atenuar as tensões provocadas pela decisão do Presidente do EUA, Donald Trump, de sair do acordo internacional de 2015. O Plano de Ação Conjunto Global prevê o alívio das sanções a Teerão em troca de concessões assinaláveis no programa nuclear iraniano.

“Um galanteio do Governo francês em duas frentes”

Após a retirada unilateral, Washington voltou a impor sanções à República Islâmica, designadamente nos setores petrolífero e bancário. Em julho, as sanções incidiram também sobre o chefe da diplomacia iraniana, bloqueando-lhe o acesso a qualquer propriedade ou interesse nos Estados Unidos. Zarif fez saber que não tinha nenhum. Washington esclareceu que se tratava de enviar uma “mensagem clara” ao Irão depois de uma nova escalada de tensões no Estreito de Ormuz.

O ministro iraniano não se encontrou com a delegação americana, encabeçada por Trump, e circularam informações contraditórias sobre o conhecimento dos EUA do convite a Zarif.

Fazle Chowdhury, professor da Bay Atlantic University e investigador do Global Policy Institute, em Washington, comenta ao Expresso que a visita-surpresa pareceu tratar-se de “um galanteio do Governo francês em duas frentes”. “Enquanto o ministro francês dos Negócios Estrangeiros assumiu a liderança na sua valsa com Javad Zarif, Macron tentou entreter e possivelmente distrair o comandante supremo do Twitter, Trump”, ironiza. “Le Drian parece ser um pragmático no seu papel, uma vez que expressou descontentamento tanto com o Irão como com os EUA relativamente aos eventos que levaram à dissolução do Plano de Ação Conjunto Global”, acrescenta.

“O último par de dias mostrou o romantismo de Le Drian, o ex-socialista que dialoga com o Irão enquanto o Governo a que pertence trabalha em propostas para salvar o acordo nuclear”, descreve ainda o autor do livro “Promises of Betrayals: The History That Shaped the Iranian Shia Clerics” (2018). “Fala-se num ‘mecanismo de compensação’ que o Governo francês está disposto a apresentar ao Irão, enquanto os EUA e os seus aliados (Austrália, Reino Unido e Bahrein) tentam encerrar os portões do Estreito de Ormuz, um canal-chave de receitas para o regime iraniano”, assinala.

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Macron e Trump desencontrados sobre o Irão

No entanto, “a prioridade pode não ser necessariamente um acordo alternativo de salvação com o Irão fora da cooperação franco-americana, embora os sinais estejam lá”, sublinha o investigador, que também destaca os benefícios internos que o Governo francês estará a explorar. “Domesticamente, Macron enfrenta o problema do desemprego, a retração da competitividade e desafios ao crescimento económico”, refere.

Segundo fonte próxima do Palácio do Eliseu, o Presidente francês decidiu convidar o ministro iraniano após um jantar no sábado dos líderes do G7 (Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido). O convite foi feito “em acordo com os Estados Unidos”, acrescentou a fonte à AFP, contradizendo a alegação da Casa Branca de que Trump não havia sido informado sobre a chegada de Zarif. Na sexta-feira, Macron já tinha recebido o chefe da diplomacia iraniana para conversações em Paris.

O Presidente francês tenta persuadir Trump a oferecer algum tipo de alívio ao Irão, como a suspensão de sanções à venda de petróleo à China e à Índia ou uma nova linha de crédito para permitir as exportações, noticiam a Reuters e a AFP. Apesar de se oporem à saída unilateral dos EUA, os restantes signatários do acordo nuclear (Alemanha, China, França, Reino Unido e Rússia) têm tido dificuldades a proteger o Irão das sanções americanas.

Trump quer forçar Teerão a novas negociações sobre o programa iraniano de mísseis balísticos e o apoio a grupos armados regionais, mas o Irão rejeita por considerar que não se pode confiar nos Estados Unidos. Um ano após o anúncio da retirada americana do acordo, Teerão começou a violar alguns dos compromissos nele assumidos.

“Não posso impedir ninguém de falar”, diz Trump

Em Biarritz, Trump desmentiu Macron, dizendo que não tinha assinado qualquer declaração que o Presidente francês faria sobre o Irão em nome do G7. “Nós teremos a nossa própria abordagem mas não posso impedir ninguém de falar. Se querem conversar, podem conversar”, sustentou.

A chanceler alemã, Angela Merkel, saudou o encontro entre Zarif e Macron, referindo que vale a pena aproveitar todas as oportunidades para evitar uma nova escalada no impasse sobre o programa nuclear iraniano. Merkel confirmou ainda que os líderes do G7 mantiveram um “debate bom e construtivo” sobre o assunto no sábado à noite.

O encontro, que termina esta segunda-feira, também está a ser dominado por discussões sobre a readmissão da Rússia. O país está suspenso do G8, que então se transformou em G7, desde a anexação da Crimeia, em 2014. Trump defende que o Presidente russo, Vladimir Putin, deve ser incluído nas conversações sobre o Irão, a Síria e a Coreia do Norte.

Boris Johnson e Donald Trump
Pool/Getty Images

Guerra comercial EUA-China, fogos na Amazónia e Brexit

Também a guerra comercial entre Washington e Pequim tem dado que falar e, mais uma vez, com declarações desencontradas. Trump reconheceu ter vacilado relativamente à subida das taxas alfandegárias sobre produtos chineses, mas a sua porta-voz afirmou mais tarde que o Presidente só se arrepende de não ter imposto taxas ainda mais elevadas. Enquanto isso, Trump e o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, firmaram um acordo comercial de princípio que esperam assinar no próximo mês.

Os líderes reunidos anunciaram igualmente estarem próximos de um entendimento para ajudar a combater os fogos na Amazónia. Macron esclareceu tratar-se de fornecer “ajuda técnica e financeira”. Ainda este domingo, o ministro brasileiro da Educação, Abraham Weintraub, atacou o Presidente francês, que tem estado na linha da frente das pressões sobre o seu homólogo, Jair Bolsonaro, por causa dos incêndios. “Macron não está à altura deste embate. É apenas um calhorda oportunista, buscando apoio do lobby agrícola francês”, escreveu no Twitter o ministro brasileiro, numa referência à oposição de Macron ao acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

O Brexit ocupa naturalmente a agenda da cimeira, com Trump a prometer ao primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, “um acordo comercial muito grande” após a saída do Reino Unido da UE. Sobre a cimeira de Biarritz, o investigador Fazle Chowdhury aponta que “a Europa está a assistir a esta saída dolorosa e amarga do Reino Unido, de que precisa seriamente para manter os motores das suas economias a funcionar bem”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hgomes@expresso.impresa.pt

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