Internacional

Israel. Nunca ninguém mandou tanto tempo como Benjamin Netanyahu

Uma fotografia de Benjamin Netanyahu rodeada de boletins de voto, na sede do Likud, em Telavive
Uma fotografia de Benjamin Netanyahu rodeada de boletins de voto, na sede do Likud, em Telavive
Amir Cohen / Reuters

Benjamin Netanyahu torna-se este sábado o israelita que mais tempo ocupou o cargo de primeiro-ministro. Completa 4876 dias no poder, ultrapassando David Ben-Gurion, um dos pais fundadores do Estado de Israel

Margarida Mota

Jornalista

Benjamin Netanyahu foi o primeiro chefe de Governo de Israel a nascer no país — em Telavive, a 21 de outubro de 1949, um ano após a criação do Estado. Foi também o primeiro-ministro mais novo a assumir o cargo — tinha 47 anos. A partir deste sábado acumula um terceiro recorde: passa a ser o governante que exerceu a chefia do Governo durante mais tempo.

Ultrapassa o histórico David Ben-Gurion, um dos pais fundadores do Estado de Israel, que foi primeiro-ministro durante 4875 dias: entre 14 de maio de 1948 e 26 de janeiro de 1954 e novamente entre 3 de novembro de 1955 e 26 de junho de 1963.

Aos 69 anos, “Bibi”, como é chamado, foi primeiro-ministro durante 13, em dois períodos não consecutivos: de 18 de junho de 1996 a 6 de julho de 1999 e desde 31 de março de 2009. Este sábado, completa 4876 dias no cargo.

Uma longa caminhada — que poderá continuar após as eleições legislativas marcadas para 17 de setembro — resumida em 10 momentos.

Os primeiros travos do poder

Benjamin Netanyahu acaba de ser eleito líder do partido Likud, a 21 de março de 1993, em Katzrin
Esaias BAITEL / Getty Images

A 4 de novembro de 1995, dois anos após israelitas e palestinianos assinarem os Acordos de Oslo — o último esboço de paz firmado até hoje —, a esperança cai por terra com a notícia do assassínio do primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, às mãos de um fanático judeu. Na liderança do Likud (direita), um dos partidos históricos de Israel, havia dois anos, Benjamin Netanyahu protagonizara uma mudança geracional — da era dos pais fundadores do Estado para o tempo dos cidadãos já nascidos no país. O desaparecimento de Rabin precipita o país para eleições, a 26 de maio de 1996: o Likud vence e Netanyahu toma posse como primeiro-ministro. Herda um país em choque e cético quanto ao seu futuro próximo.

Olhar os palestinianos... com desconfiança

O primeiro encontro entre Yasser Arafat e Netanyahu, a 4 de setembro de 1996, em Erez
Nadav Neuhaus / Getty Images

Netanyahu encontra-se com Yasser Arafat pela primeira vez a 4 de setembro de 1996, na passagem fronteiriça de Erez, entre Israel e a Faixa de Gaza. A convivência entre ambos pautar-se-ia sempre pela desconfiança, agravada pelas discordâncias de Netanyahu em relação às premissas dos Acordos de Oslo. Para o israelita, não faz sentido — e só encoraja o extremismo — negociar por etapas, fazendo concessões sem que haja um entendimento relativamente aos principais assuntos, como o estatuto de Jerusalém. No poder, Netanyahu não rasga Oslo, mas não faz dele uma prioridade. Os colonatos judeus em território palestiniano intensificam-se irreversivelmente.

Relação envenenada com o Hamas

Captura de ecrã de um vídeo onde se vê Netanyahu a amachucar e a atirar para o caixote do lixo um documento político do Hamas
Reuters

Nascido na Faixa de Gaza, sob ocupação israelita, o movimento islamita Hamas — que na sua Carta fundadora pugna pelo desaparecimento de Israel — nunca teve em Netanyahu um interlocutor. Em 1997, o primeiro-ministro israelita tenta mesmo decapitar o grupo e autoriza uma operação da Mossad para assassinar o seu líder, Khaled Mashal, na Jordânia. Disfarçados de turistas canadianos, cinco agentes conseguem injetar veneno em Mashal, numa rua de Amã, mas são descobertos. Em fúria, o rei Hussein exige a Israel a cedência do antídoto sob pena de anular o tratado de paz jordano-israelita celebrado três anos antes. Fortemente pressionado pela Casa Branca, onde estava Bill Clinton, Netanyahu cede.

Choque de frente com o “bulldozer”

Benjamin Netanyahu sentado ao lado de Ariel Sharon de quem foi ministro dos Negócios Estrangeiros e das Finanças
GIL COHEN MAGEN / AFP / Getty Images

Entre os dois períodos que serviu como primeiro-ministro, Netanyahu tem uma fase, fora da política, em que trabalha no sector privado e outra em que participa — como ministro dos Negócios Estrangeiros e das Finanças — em governos liderados por Ariel Sharon. A carreira política leva um forte impulso quando o “bulldozer” promove um plano unilateral de retirada de tropas e colonos da Faixa de Gaza e posterior devolução do território à Autoridade Palestiniana. Netanyahu discorda em absoluto e, a 7 de agosto de 2005, demite-se. Muitos israelitas interpretam a saída de Israel de Gaza como um sinal de fraqueza e identificam-se com a posição assumida por Netanyahu. Em dezembro desse ano, ele recupera a liderança do Likud e lança-se novamente no combate pela liderança do país.

A Palestina, segundo Netanyahu

Benjamin Netanyahu junto a um mapa relativo à construção de novas casas para judeus na parte oriental (árabe) de Jerusalém
MENAHEM KAHANA / AFP / Getty Images

A 6 de abril de 2009, menos de três meses após entrar na Casa Branca, Barack Obama dirige-se ao mundo islâmico com um discurso na Universidade do Cairo, intitulado “Um novo começo”. “Os Estados Unidos não aceitam a legitimidade de contínuos colonatos israelitas”, diz. Em Israel, Netanyahu é novamente primeiro-ministro, havia uma semana. A 14 de junho seguinte, num discurso na Universidade Bar-Ilan, nos arredores de Telavive, o israelita enumera as suas condições para apoiar uma Palestina independente: Jerusalém seria a capital unificada de Israel, os palestinianos não teriam exército e abdicariam do direito de regresso dos refugiados. Netanyahu reclama também o direito ao “crescimento natural” dos colonatos existentes na Cisjordânia. Fecha assim a porta ao Estado com que os palestinianos sonham.

O desenho da ameaça iraniana

Discursando na Assembleia Geral da ONU, a 27 de setembro de 2012, com o Irão em mente
Lucas Jackson / Reuters

A 27 de setembro de 2012, Netanyahu sobe ao palanque da Assembleia Geral da ONU munido de um marcador e de uma cartolina com o desenho de uma bomba prestes a detonar. “A questão relevante não é quando vai o Irão obter a bomba”, diz. “A questão relevante é em que fase deixa de ser possível impedir que o Irão obtenha a bomba.” E traça na cartolina uma linha vermelha a partir da qual o Irão não deve ser autorizado a continuar a enriquecer urânio. Nesse discurso, Netanyahu pronuncia a palavra “Irão” 110 vezes. Nos anos que se seguiriam, falar da República Islâmica e das suas ambições nucleares torna-se um clássico nos discursos de Netanyahu nas Nações Unidas, em especial após a assinatura do acordo internacional de 2015 — que ele considera “um erro histórico”.

Compreensivo para com... Adolf Hitler

Benjamin Netanyahu aponta para um mapa que localiza os campos de extermínio de judeus (Holocausto), durante a II Guerra Mundial
JANEK SKARZYNSKI / AFP / Getty Images

“Hitler não queria exterminar os judeus na altura, ele queria expulsar os judeus. E Haj Amin al-Husseini [o grande mufti de Jerusalém] foi ter com ele e disse: ‘Se os expulsar, eles virão todos para aqui [para a Palestina]’.” Segundo Netanyahu: Hitler terá perguntado: “O que devo fazer com eles?” O mufti respondeu: “Queime-os”. Foi nestes termos que Netanyahu descreveu o encontro entre Hitler e Husseini, em novembro de 1941, perante a plateia do 37.º Congresso Mundial Sionista, a 20 de outubro de 2015, em Jerusalém. Pouco importa se, com estas palavras, choca milhões de judeus com histórias do Holocausto na família. O objetivo é lançar a dúvida e contaminar a pretensão dos palestinianos de continuarem a viver naquela terra.

Tolerância zero na Faixa de Gaza

Benjamin Netanyahu junto a uma bateria do escudo anti-aéreo Cúpula de Ferro, com que Israel interceta os “rockets” lançados desde a Faixa de Gaza
Jack Guez / Reuters

Nos últimos dez anos, a Faixa de Gaza foi alvo de três operações militares israelitas de grande envergadura — só na primeira não era Netanyahu primeiro-ministro. A mais mortífera, a “Barreira Protetora” em 2014 — justificada com a necessidade de retaliar o rapto de três jovens colonos... na Cisjordânia —, começa cerca de um mês após Hamas e Autoridade Palestiniana (AP) anunciarem a formação de um governo de unidade nacional (2 de junho). As duas fações palestinianas estavam desavindas desde 2007 quando o Hamas tomou o poder pela força em Gaza e a Cisjordânia ficou sob controlo da AP. Segundo a ONU, na “Barreira Protetora” morreram 2251 palestinianos, em sete semanas de bombardeamentos. Israel confirmou 67 militares e seis civis mortos.

A contas com a justiça

Benjamin Netanyahu é inquirido, no Supremo Tribunal de Israel, em 2016, sobre a legalidade de um negócio aprovado pelo Governo
Jim Hollander / Reuters

Na agenda de Netanyahu, os próximos dias 2 e 3 de outubro estão provavelmente marcados a vermelho. Está prevista para essas datas a sua audição no âmbito de três grandes investigações a casos de corrupção em que a polícia recomendou que Netanyahu fosse indiciado por suborno, fraude e abuso de confiança. Caberá ao procurador-geral de Israel, Avichai Mendelblit, decidir se as provas são suficientemente fortes para acusá-lo. Se for acusado e continuar a ser primeiro-ministro, não está legalmente obrigado a renunciar, apenas se for condenado e quando esgotados todos os recursos. Netanyahu diz que a atuação da polícia é “uma caça às bruxas”. Em maio passado, é notícia um pacote legislativo em preparação visando fintar as determinações dos tribunais e que pode beneficiá-lo com imunidade. Não vai avante porque Netanyahu não se aguenta no Governo.

Refém dos partidos religiosos

O casal Netanyahu, Benjamin e Sara, celebrando a vitória do Likud nas eleições legislativas de 9 de abril passado
THOMAS COEX / AFP / Getty Images

Nas eleições de 9 de abril passado, os dois partidos mais votados elegem cada um 35 deputados. Mas a escassa vantagem de 0,33% dos votos a favor do Likud é suficiente para que Netanyahu seja reconduzido num quinto mandato — o quarto consecutivo — como primeiro-ministro de Israel. Porém, as negociações para formar governo revelam-se uma missão impossível. Netanyahu garante o apoio dos partidos religiosos ultraortodoxos, prometendo continuar a isentá-los do cumprimento do serviço militar. Essa exceção é polémica, já que a tropa é obrigatória e universal em Israel (com exceções), e vale a Netanyahu a oposição da extrema-direita de Avigdor Lieberman, essencial à maioria parlamentar necessária. Num país em que os executivos são sempre de coligação, Netanyahu torna-se o primeiro candidato a primeiro-ministro a não conseguir formar governo.

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