Trump já expressou opiniões racistas no passado. Esta é uma lista, mas não é exaustiva

Depois da polémica com as quatro congressistas democratas, outras ocasiões em que Trump fez declarações consideradas racistas começaram a surgir
Depois da polémica com as quatro congressistas democratas, outras ocasiões em que Trump fez declarações consideradas racistas começaram a surgir
Jornalista da secção Internacional
Donald Trump estava particularmente zangado naquele dia. O presidente dos Estados Unidos era então apenas um empresário do ramo imobiliário e estava revoltado com a erosão dos valores norte-americanos na sociedade. Os “Cinco de Central Park” - Antron McCray, Kevin Richardson, Yusef Salaam, Raymond Santana e Kharey Wise - estavam a ser julgados pelo espancamento e violação de uma jovem bancária, Trisha Meili, e Trump, a 1 de maio de 1989, comprou uma página de publicidade no “New York Daily News” na qual pediu o regresso da pena de morte, precisamente para castigar comportamentos como os daqueles jovens.
Até 2019, Trump manteve que foram aqueles cinco adolescentes, negros e latinos, os culpados do crime - isto apesar de, em 2002, o verdadeiro culpado ter confessado o crime e haver ADN para o provar: “Há pessoas que defendem ambos os lados dessa história”, foi a sua resposta quando um repórter lhe pediu um comentário sobre a minisérie da Netflix “When they see us”, que foca o caso dos cinco homens mais tarde ilibados e as inconsistências na sua acusação e posterior condenação.
Agora, quando disse a um grupo de quatro congressistas filhas de imigrantes que podiam voltar para os seus países se não estavam contentes com a forma como se vivia nos Estados Unidos, vários meios de comunicação foram fazer um levantamento de todas as coisas consideradas racistas que Donald Trump já disse. A história das quatro mulheres fez as primeiras páginas de dezenas de jornais pelo mundo fora - e já há poucas vozes que não considerem os comentários de Trump como opiniões racistas ou, pelo menos, discriminatórias.
Um ano depois de ter comprado aquela página de publicidade para manifestar a sua revolta, Trump é citado num livro de John O'Donnell, “Trumped!”, mostrando alguma relutância em empregar pessoas negras para cargos de responsabilidade. “Tenho um contabilista negro no Trump Castle e no Trump Plaza. Tenho um negro a contar o meu dinheiro! Odeio isso. O único tipo de pessoas que quero que contem o meu dinheiro são tipos de yarmulkes [acessório que os homens judeus usam sobre a cabeça]. E ainda digo mais: esse tipo é doido mas possivelmente não é culpa dele porque a preguiça faz parte de ser-se negro”. Em 1997 deu uma outra entrevista em que admitia ter “provavelmente” feito esse comentário, mas mais tarde, em 1999, quando tentou ser eleito pelo Partido Reformista para concorrer à Presidência, e negou ter algum dia proferido as polémicas afirmações.
Em 1993, num discurso proferido no Capitólio, onde por vezes foi chamado por causa de conflitos entre o interesse público e os seus negócios, mostrou-se igualmente cético em relação aos direitos de uma parte não-maioritária da população. “Se olharem para algumas das reservas naturais que aprovaram, meus senhores, com todo o vosso grande conhecimento, vão reparar que as pessoas que lá estão não se parecem nada com indígenas. Pode ser politicamente correto ou incorreto dizer isto, mas nem para os índios eles parecem índios e toda a gente está a rir-se disto. Falam do quão difícil é aprovar esta reserva, então vão lá ao Connecticut e vejam, a mim não me parecem índios”, disse Trump, num vídeo que ressurgiu agora por causa do “conselho” que o Presidente dos Estados Unidos ofereceu a quatro congressistas com famílias imigrantes: “Voltem para os seus países infestados de crime”.
Em 2011 surge a polémica sobre o local de nascimento de Barack Obama, que Trump agarra e que o lança no estrelato da ala direita dura do Partido Republicano. Já ninguém falava no tema quando Trump decidiu pegar de novo no assunto dizendo em várias ocasiões que o ex-Presidente não tinha nascido em território norte-americano. “As pessoas que andaram na escola com ele nunca o viram, é uma coisa impressionante”, disse Trump num discurso na Conservative Political Action Conference.
Dois anos mais tarde, em 2013, o estado de Nova Iorque levou Trump e sua Trump University a tribunal por uma série de alegadas fraudes contra os clientes. Quem julgou os casos foi Gonzalo P. Curiel e, já durante a campanha para as presidenciais de 2016, Trump disse que Curiel não deveria ter julgado os casos por ter “um óbvio conflito de interesses pelo facto de ser mexicano”. Na altura, o presidente da Câmara dos Representantes, um republicano, Paul Ryan, renegou completamente estes comentários: “Dizer que uma pessoa não consegue fazer o seu trabalho por causa da sua origem é a definição perfeita de racismo”, foi o comentário de Ryan.
No Alabama, também durante a campanha para as presidenciais de 2016, Trump disse ter visto na televisão notícias sobre os “milhares e milhares” de cidadãos de etnia árabe que existiam em New Jersey e de como eles tinham festejado com grande alegria o colapso das Torres Gémeas, em Nova Iorque, em 2001. A população local indignou-se e negou todas as acusações.
O próprio Trump já veio defender-se das acusações que lhe têm sido feitas ao longo dos anos dizendo, recentemente, que não tem “nem um único osso racista no corpo” e, em 2016, ao “Washington Post”, disse ser “a pessoa menos racista que irão algum dia conhecer”. A sua infância e adolescência passadas em Nova Iorque não oferecem qualquer prova de que Trump sempre tenha tido atitudes racistas mas alguns analistas, alguns deles citados num longo artigo da “Atlantic”, encontram uma explicação utilitária para o cultivo deste nacionalismo que roça o nativismo: política e seus possíveis ganhos (mais tarde concretizados) que percebeu que teria ao utilizar este tipo de distinções raciais e sociais. Como escreveu o jornalista de investigação William Rivers Pitt, na Truthout: “esperamos estes pedaços de racismo por parte do Presidente e por isso ele faz isso uma vez, depois outra, depois outra. Ele a sua administração estão a tentar habituar-nos ao grotesco”.
Logo no primeiro mês da sua presidência, Trump deu corpo à lei executiva que haveria de ficar conhecida como “muslim ban”, ou “impedimento à entrada de muçulmanos”, em tradução livre. Referiu-se a alguns países africanos, segundo fontes presentes em reuniões, como “shitholes”, qualquer coisa como “merdosos” e perguntou por que razão não podiam os Estados Unidos receber mais imigrantes da Noruega. Além disso, acrescentou: “É claro que depois de verem a América, os 40 mil imigrantes da Nigéria nunca vão voltar aos seus casebres”. Nessa mesma reunião, escreveu o “New York Times” na altura, Trump disse que “todos os cidadãos do Haiti têm sida”.
Mais ou menos a meio do seu primeiro ano na Casa Branca, em agosto de 2017, comparou a marcha contra o fascismo aos neonazis que, no mesmo dia, se manifestaram em Charlottesville em oposição à remoção de uma estátua de um herói militar da Confederação. James Alex Fields Jr., um supremacista de 20 anos, oriundo do Ohio, guiou o seu carro por cima de uma multidão, matando uma mulher, Heather Heyer, de 32 anos. Nesse dia, Trump criticou “a horrorosa demonstração de ódio, discriminação e violência de todos os lados”. Pausou e repetiu: “De todos os lados”.
John Zogby, escritor, analista político e especialista em sondagens, disse ao “The Guardian” que Trump está só a olhar para as suas chances de vencer e que, se soubesse que comentários como os que fez em relação às congressistas o estavam a prejudicar nas sondagens, então “já teria moderado o discurso”. “Mas será que prejudica? Não sei. Se as eleições fossem hoje, Trump perderia, mas os democratas já se estão a estilhaçar uns aos outros”.
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