Porque 4 republicanos se juntaram às 4 democratas insultadas por Trump

Quatro congressistas republicanos votaram na Câmara dos Representantes a favor da resolução que censura os tweets racistas de Trump. Quem são eles?
Quatro congressistas republicanos votaram na Câmara dos Representantes a favor da resolução que censura os tweets racistas de Trump. Quem são eles?
Jornalista
Depois de um tribunal proibir Donald Trump de bloquear seguidores no Twitter, aquela rede social, uma espécie de microfone oficial do Presidente dos Estados Unidos, voltou a colocá-lo no centro de um rebuliço político. No dia 14 de julho, Trump cerrou os dentes e escreveu dois tweets para destratar quatro mulheres congressistas democratas. No fundo, o inquilino da Casa Branca disse a estas quatro mulheres para voltarem para a sua terra, pois, diz, têm pouca legitimidade para criticar o que se passa nos Estados Unidos já que “originalmente vêm de países cujos governos são uma completa e total catástrofe, os piores, mais corruptos e inaptos do mundo”.
“Donald Trump tem sido assim”, começa por explicar ao Expresso Germano Almeida, um especialista em política norte-americana. “Afirma-se, hoje, como o líder de uma certa resistência americana branca, que foi muito dominante e que, com a ascensão das minorias, vem perdendo o seu poder e viu, na forma como Donald Trump se posiciona, uma esperança, um último grito desse poder dominante. Para essa base, é bom e gostam de ouvir, é música para os ouvidos escutar um Presidente insultar representantes de minorias.”
As congressistas desta história são Alexandria Ocasio-Cortez, nascida em Nova Iorque e com ascendência porto-riquenha, Ayanna Pressley, natural de Cincinatti, Rashida Tlaib, uma filha de palestinianos que já nasceu em Detroit, e Ilhan Omar, uma somali que se mudou para os Estados Unidos na infância. Ou seja, apenas uma delas não nasceu no mesmo país de Donald Trump e todas têm a nacionalidade norte-americana. The Squad: é assim que estas quatro mulheres, eleitas nas intercalares de novembro, costumam ser designadas. São incómodas para o Presidente e levantam a voz, por exemplo, contra as condições em que migrantes vivem nas fronteiras, muitas vezes sofrendo a separação da família com quem ali chegaram. E dentro do seu partido são igualmente incómodas, já que pretendem a queda de Trump atráves da via impeachment, daí o choque com Nancy Pelosi, a líder da Câmara dos Representantes.
O assunto, que inflamou as redes sociais e encheu jornais e telejornais, chegou à Câmara dos Representantes, que, numa sessão quentinha, votou terça-feira pela condenação aos tweets de natureza racista de Trump. “Cada um dos membros desta instituição, democráticos e republicanos, deve juntar-se a nós na condenação aos tweets racistas dos Presidente”, desafiou Nancy Pelosi, que já rotulara aquelas palavras do governante como “vergonhosas e repugnantes”. A resolução, que visava condenar “energicamente os comentários racistas do Presidente Donald Trump, que legitimaram e aumentaram o medo e o ódio relativamente a novos cidadãos norte-americanos e a pessoas de cor, foi aprovada com 240 votos a favor e 187 contra.
O twist aqui é, apesar do controlo de danos interno por parte de Trump e companhia, o voto favorável de quatro republicanos: Will Hurd (Texas), Susan W. Brooks (Indiana), Brian Fitzpatrick (Pennsylvania) e Fred Upton (Michigan) não toleraram as palavras do Presidente
“Diz muito sobre o atual momento político, não só nos Estados Unidos mas também na Europa, de um certo ascendente de posições mais extremas, que há muito poucos anos não eram aceites pelo senso comum”, continua Germano Almeida. “Esses episódios mostram quem é que as pessoas são. Mais grave do que isto só Charlottesville. (...) Este caso mostra que o partido republicano está refém do Presidente. Não sendo muito popular, Trump tem 40%-45% de aprovação e, entre os eleitores republicanos, tem 85%-90% de aprovação. Ou seja, os outros republicanos que não são Trump, que são melhores, que não têm este comportamento, têm medo de o enfrentar publicamente, de serem menos populares junto do seu eleitorado. As vozes críticas de Trump foram saindo: John McCain morreu, Jeff Flake saiu, Paul Ryan era speaker e não se candidatou. Há falta de coragem política de grande parte dos republicanos. E o Presidente é o líder do partido que o apoia, ele é que marca a agenda.”
E que relação há, então, entre esses quatro republicanos que foram contra o vento do seu partido? “Will Hurd é o único negro republicano eleito no congresso. Depois, Susan Brooks é uma mulher e havia aqui uma guerra antimulheres no comportamento de Trump. A seguir, Fred Upton é do Michigan, o Estado da Rashida Tlaib. O único caso em que não vejo nenhuma ligação é do Brian Fitzpatrick. Isto mostra que bom senso, moderação e centrismo por parte do Partido Republicano há muito pouco - só quatro em 191. É preocupante.”
Will Hurd reagiu aos tweets de Trump numa entrevista a CNN: “Eu penso que aqueles tweets são racistas e xenófobos. E são também imprecisos. As quatro mulheres que ele referiu são cidadãs dos Estados Unidos. Três das quatro nasceram cá. É um comportamento impróprio para o líder do mundo livre. Ele deveria falar de coisas que nos unem, não que nos dividem.”
Susan Brooks, que abandonará o Congresso no final do mandato, escreveu no Twitter que votou favoravelmente para condenar as “declarações raciais ofensivas”, pois “não refletem os valores americanos”. “Temos de nos lembrar que as nossas palavras importam e têm um grande peso. As palavras e a forma como as dizemos têm um impacto em quem as ouve.”
Brian Fitzpatrick reagiu numa estação de rádio: “Eu concordo com muito do que o Presidente faz. (...) Discordo é com o seu tom”. Fred Upton, que também se justificou no Twitter, referiu que foram ditas palavras “inaceitáveis” em qualquer lado. “Se vamos trazer a civilidade de volta ao centro da política, devemos manifestar-nos contra a retórica inflamada de qualquer partido. A América dá a mão à diversidade e assim deve continuar.”
Questionado sobre se houve algum Presidente no passado que tenha tido algumas semelhanças com Trump, Germano Almeida é taxativo: “Absolutamente nenhum. Não há registo de um comportamento de um Presidente assim, incluindo republicanos. O Partido Republicano é o partido de [Abraham] Lincoln, que acabou com a escravatura nos Estados Unidos. É o partido do John McCain, que, não tendo sido Presidente, era um senador republicano que defendia a diversidade. Isso choca-me. Só quatro tiveram coragem de votar a favor da resolução. Mostra como Trump conseguiu, de alguma maneira, raptar valores republicanos que não são aqueles e criar uma plataforma extremista, ou próxima dela, que defende uma suposta supremacia de uma suposta classe dominante. Este episódio é bom porque evita que ele aumente a base de apoio. Ele está a jogar com o que aconteceu em 2016, que foi um acidente estatístico, teve bastantes menos votos que Hillary Clinton. Nada garante que isso se possa repetir.”
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