“Eu nem uso essa palavra que você disse mesmo agora - “Presidente” - para o descrever”, disse Ayanna Pressley ao “Boston Globe” que a entrevistou pouco depois do escândalo estourar. Começavam as reações das quatro congressistas ao conselho de Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos, para que voltassem para os seus países “infestados de crime”. Ora Alexandria Ocasio-Cortez, Ayanna Pressley e Rashida Tlaib nasceram ali mesmo nos Estados Unidos, e apenas o quatro membro do “esquadrão progressista”, Ilhan Omar, nasceu na Somália, apesar de se ter naturalizado norte-americana ainda no início da adolescência.
Há três dias que os lugares de destaque em todas as páginas e jornais que acompanham a política norte-americana estão ocupados por fotografias das quatro mulheres, todas elas já inscritas nas páginas da História dos Estados Unidos apenas por terem sido eleitas: Tlaib e Omar foram as primeiras muçulmanas eleitas para o Congresso, Ayanna Pressley a primeira negra a ser eleita pelo estado de Massachussets e a Alexandria Ocasio-Cortez a mais jovem legisladora a chegar ao Congresso. Juntas, estão a liderar um ataque contra o Presidente, principalmente contra as políticas de imigração, que consideram repressivas e orientadas por preconceitos racistas. “Refiro-me a ele como ‘o ocupante’. Ele simplesmente ocupa um espaço. Não tem nele nenhuma das qualidades, princípios, responsabilidade, integridade, compaixão, que são precisos para ocupar esse cargo”, continuou Pressley.
Poucas horas depois de Trump ter dito, de novo, que “se não estão felizes, podem ir-se embora”, referindo-se, novamente, às mesmas quatro mulheres, elas reuniram-se em conferência de imprensa para tentar contrariar o seu discurso. “O nosso esquadrão é grande e inclui todas as pessoas dedicadas à construção de uma sociedade mais justa. É a esse trabalho que queremos regressar e dado o tamanho desta equipa e desta grande nação, não podemos, não seremos silenciadas”, disse a congressista do Massachusetts.
Já Ilhan Omar, representante do Minnesota e que tem sido particularmente atacada por Trump (recentemente acusou a congressista de “jurar amor” à Al-Qaeda, coisa que não fez), acusou o Presidente de “lançar ataques totalmente racistas contra quatro membros eleitos do Congresso”, notando que todas são mulheres não-brancas. “Esta é a agenda dos nacionalistas brancos. Pode acontecer em apps de conversa, ou em canais nacionais de televisão e agora está nos jardins da Casa Branca. Isto é uma estratégia para nos colocar uns contra os outros”, disse Omar.
Pressley disse que os ataques de Trump são apenas “distrações disruptivas” para distanciar os americanos dos assuntos que de facto interessam: casas com preços justos, serviços de saúde e imigração. E por isso pediu aos eleitores para “não morderem o isco”. Mas Trump voltou logo ao Twitter e à sua estratégia, de resto bem-sucedida, de colar os democratas ao lado mais radical da esquerda, agitando o fantasma do comunismo-tipo-Venezuela. “Os democratas estavam a tentar distanciar-se das quatro ‘progressistas’ mas agora têm de as acolher. Isso significa permitir a doutrina socialista, o ódio a Israel e aos Estados Unidos, coisas nada boas para os Democratas!”, congratulou-se Trump.
Cornell Belcher, um estratega democrata que também dirige uma empresa de sondagens, disse ao “New York Times” que as últimas críticas de Trump refletem “uma estratégia mais abrangente de usar estas fissuras raciais que ajudaram a dar gás à sua campanha de 2016 como combustível para a reeleição. É louco, e para ele faz sentido injetar ódio racial no eleitorado”.
A primeira reação, mesmo antes da conferência, veio de Ocasio-Cortez, que, no Twitter, respondeu a Trump publicamente acusando o Presidente de não conseguir aceitar uma América onde pessoas com ela “lideram a agenda por melhor educação e serviços de saúde”, uma América que “nos elegeu”. Já na conferência de imprensa, a representante do 14.º distrito de Nova Iorque chamou “fraco” ao Presidente, incapaz de conduzir uma agenda política e por isso unicamente focado em ataques pessoais. “Mentes fracas, líderes fracos costumam questionar a lealdade de outros políticos porque querem evitar focar-se em questões políticas.”
Sobre o “conselho” de Trump para que regressem aos seus países, Ocasio-Cortez disse que se recusa a abandonar o que ama. “Não deixamos as coisas que amamos para trás. Amamos este país e o que isso significa é que propomos formas de resolver os problemas que o afetam.”
Rashida Tlaib, filha de pais palestinianos, voltou a pedir a destituição do Presidente: “Continuamos totalmente focadas em trazê-lo à justiça, para responder sob a lei e sob os cidadãos deste país”. Antes da conferência de imprensa, também através do Twitter, a representante do Michigan, garantiu aos seus seguidores estar a lutar pelo fim da corrupção e por melhores condições de vida para as pessoas do seu estado. “Detroit ensinou-me a lutar pelas comunidades que continua a humilhar e a atacar. Vá falando, em breve já não estará na Casa Branca”, disse Tlaib.
Não foram apenas estas mulheres, alvos diretos dos ataques, a reagir, também houve vários homens que não tiveram qualquer problema em chamar “racista” ao Presidente. "Nesta altura, depois destes tweets, qual é a objeção factual à descrição do Presidente como um nacionalista branco?", perguntou o economista e escritor Dan Drezner.
O ex-vice presidente de Barack Obama, Joe Biden, que concorre ao lugar de candidato democrata contra Trump nas próximas presidenciais também colocou no Twitter que "o racismo e a xenofobia não têm lugar na América". Bernie Sanders, o candidato democrata afastado da corrida presidencial de 2016 por Hillary Clinton mas que agora regressa à lista, explicou o que o motiva a chamar racista ao Presidente: "é a isto que me refiro", justificou, colando em anexo as suas frases.
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