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Trump. Entradas de cowboy, saídas de sendeiro

Trump. Entradas de cowboy, saídas de sendeiro
Mark Wilson/GETTY IMAGES

O muro na fronteira com o México, a guerra comercial com a China, a desnuclearização da Coreia do Norte, a crise nuclear iraniana e os cuidados de saúde nos EUA foram áreas em que Donald Trump entrou a matar, mas acabou por arrepiar caminho. Numa altura em que já anunciou que se recandidata à presidência nas eleições do próximo ano e em que ainda há muito para peneirar no campo democrata, o Expresso faz o balanço das promessas feitas em campanha e não cumpridas (ou cumpridas pela metade) e dos percalços que Trump foi encontrando ou provocando pelo caminho

Trump. Entradas de cowboy, saídas de sendeiro

Hélder Gomes

Jornalista

¡Vas a pagar, hombre! Pero no...

Em junho de 2015, ao anunciar a sua candidatura à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump prometeu construir “um grande, grande muro” na fronteira sul e “fazer o México pagar por esse muro”. A promessa foi sendo repetida por Trump candidato e por Trump Presidente mas, dois anos e meio depois de ter tomado posse, continua por cumprir.

Segundo o jornal “The New York Times”, desde janeiro deste ano não foram construídas quaisquer novas milhas de barreiras ao longo da fronteira. Desde maio que não se ergue qualquer muro em locais onde não existia já uma barreira, conta, por sua vez, o britânico “The Guardian”.

Trump adjudicou contratos para a construção de 247 milhas (397,5 quilómetros) de muro fronteiriço, mas as concessões foram contestadas e o caso está em tribunal. Mesmo que saia vitorioso, 230 do total de milhas concessionadas serão somente substituições de barreiras existentes – ou seja, apenas 17 milhas (pouco mais de 27 quilómetros) corresponderão a construção nova.

HERIKA MARTINEZ / AFP / Getty Images

O que Trump conseguiu com a promessa do muro foi bater um recorde de shutdown. A mais longa paralisação do Governo federal na história dos EUA estendeu-se por 35 dias, entre o final de 2018 e o início de 2019. Tudo porque não conseguiu a aprovação dos quase 6000 milhões de dólares (mais de 5000 milhões de euros) para construor o muro. Mesmo quando passou por cima do Congresso para declarar uma emergência nacional, não conseguiu todo o dinheiro que pretendia.

Trump chegou a dizer que o México pagaria pelo muro “a 100%”. Desafiado a explicar de que modo obrigaria o país vizinho a fazer isso, o candidato e depois Presidente foi sempre esquivo na resposta. Em dezembro do ano passado, explicou que o México pagaria pelo muro com os muitos milhares de milhões de dólares que os EUA poupariam com o novo acordo comercial que substituirá o “horrendo” NAFTA, o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, que tanto prejudicara os Estados Unidos.

“O México e o Canadá também irão prosperar, [vai] ser bom para todos”, acrescentou então. Contudo, o futuro do novo acordo entre os três países ainda é incerto. Trump negociou com os dois países um novo documento, chamado USMCA (Acordo entre Estados Unidos, México e Canadá), mas este terá de passar na Câmara dos Representantes, dominada pelos democratas desde as eleições midterm de novembro, para se tornar lei.

Ora tarifas tu, ora tarifo eu

Washington está desde o ano passado a travar uma guerra comercial com Pequim sem fim à vista. A imposição de taxas alfandegárias mais elevadas a produtos chineses que entram nos EUA e idênticas medidas de retaliação do outro lado têm evoluído num crescendo que as conversações (quando as há) não se mostram capazes de estancar.

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Além de estar a custar milhares de milhões de dólares aos americanos e de poder causar sérios danos à economia global, a guerrilha tarifária tem impedido Trump de cumprir plenamente outra promessa eleitoral: a renegociação dos acordos de comércio.

Se é verdade que arranjou substituto para o NAFTA, não é menos verdade que este se encontra em águas de bacalhau. Por outro lado, os acordos com o Japão, o Reino Unido (o vai-não-vai do Brexit também não ajuda) e a União Europeia (UE) avançam a passo de caracol. E uma das primeiras decisões do Presidente foi abandonar a Parceria Transpacífico, que envolve doze países, incluindo nações com o relevo da Austrália, Chile ou Singapura.

Trump e Kim, tão amigos que eles são (às vezes)!

Em setembro de 2017, na sua estreia na Assembleia Geral da ONU, Trump disse que se os EUA fossem obrigados a defender-se e a defender os seus aliados do regime de Pyongyang, não teriam outra escolha “senão destruir totalmente a Coreia do Norte”. Desde então, houve duas cimeiras entre Trump e o líder norte-coreano, Kim Jong-un, e um encontro histórico na fronteira coreana.

Acontece, porém, que as negociações para a desnuclearização da península coreana têm conhecido avanços, sobretudo simbólicos, e recuos, como atestam as versões contraditórias de uma cimeira cancelada e do cumprimento efetivo dos compromissos assumidos. Ou seja, se as conversações não se encontram no mesmo ponto de há dois anos, também não produziram grandes resultados.

O fio da narrativa faz recuar a janeiro de 2018, quando, após ameaças mútuas, Kim afirmou estar “aberto ao diálogo” com Trump. Cinco meses depois, fazia-se história: Trump tornava-se o primeiro Presidente americano em funções a encontrar-se com um líder norte-coreano. A cimeira de Singapura terminou com a assinatura de um acordo para a “desnuclearização completa da península coreana” mas sem detalhes sobre o que isso significa em concreto e sem um calendário.

Já em solo norte-coreano, Trump sublinhou tratar-se de um dia histórico.
EPA/YONHAP SOUTH KOREA OUT

Pouco progresso houve no último ano. Os EUA querem que a Coreia do Norte desista unilateralmente das suas armas nucleares, enquanto o regime de Pyongyang pretende uma abordagem faseada que contemple o alívio de sanções. Em fevereiro de 2019, Kim e Trump voltaram a encontrar-se, desta vez em Hanói, no Vietname, mas a cimeira foi interrompida de forma abrupta. Depois disso, o regime norte-coreano voltou a fazer novos testes nucleares, o que foi visto como forma de pressão sobre Washington relativamente às sanções.

No último dia de junho, o encontro deu-se na fronteira entre as duas Coreias, num momento carregado de simbolismo mas esvaziado de progressos. Ambos os lados afirmam que pretendem continuar a dialogar e Trump poderá usar isso como capital político na campanha para a reeleição no próximo ano.

Irão: do acordo rasgado à escalada de tensões

Em maio de 2018, Trump anunciou a retirada unilateral americana do que, durante a campanha, classificou como “o acordo mais estúpido de sempre”, ou não tivesse o cunho do antecessor Barack Obama. Nesse acordo (assinado em 2015 pelo Irão, pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU — Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França — e ainda pela Alemanha e pelo conjunto da UE), a República Islâmica comprometia-se a interromper o seu programa de produção de armas nucleares em troca do levantamento de sanções económicas.

Três meses depois do anúncio, Washington voltou a impor uma primeira ronda de sanções contra Teerão, seguindo-se outra passados três meses. A partir daí, a guerra foi sobretudo de palavras mas, no aniversário da saída unilateral dos EUA, o Irão anunciou que abandonaria parcialmente o acordo nuclear. Em reação, França, Alemanha, Reino Unido e a UE no seu conjunto rejeitaram o ultimato de Teerão, que tinha dado dois meses às potências mundiais para se negociar um novo acordo nuclear – caso contrário, retomaria o enriquecimento de urânio, afirmou o Presidente Hassan Rouhani.

Bandeiras dos Estados Unidos e do Irão, lado a lado, numa cerimónia alusiva à assinatura do acordo sobre o programa nuclear iraniano
Carlos Barria / Reuters

Seguem-se dois ataques mal explicados a petroleiros no Golfo Pérsico, que Washington atribui a Teerão e cuja responsabilidade os iranianos rejeitam. Pelo meio, Trump atira o aviso: “Se o Irão quiser lutar, isso será o fim oficial do Irão. Não voltem a ameaçar os EUA!”. Teerão exige “respeito” e diz não estar disposta “a conversar com quem quebrou promessas”, alertando Washington de que está “a jogar um jogo muito, muito perigoso”.

Na sequência do abate de um drone americano pelo regime iraniano, Trump ordena um ataque de retaliação mas acaba por recuar, segundo ele, depois de ter sido informado de que provavelmente morreriam 150 pessoas, um número de baixas que não seria “proporcional ao abate de um drone não tripulado”. Não se abriu, todavia, uma fase de desanuviamento entre os dois países – pelo contrário, escassos dias mais tarde, Trump estava a assinar um decreto que impunha sanções “duras” ao ayatollah Ali Khamenei, Líder Supremo do Irão, e ao seu círculo próximo. O Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano fez saber que a medida fechava permanentemente o caminho da diplomacia entre Teerão e Washington.

Trump ameaça com a “aniquilação” do Irão, que também responde em tom ameaçador e diz que a Casa Branca está “acometida pelo atraso mental”. Entretanto, Teerão cumpre a promessa de voltar a enriquecer urânio a níveis proibidos por um acordo que parece ferido de morte. Como na Coreia do Norte, Trump entrou no dossiê iraniano à cowboy mas nunca houve uma distensão que entreabrisse uma janela de diálogo construtivo. Não é certo como sairá daquela retórica circular e perigosa.

Obamacare, o programa que Trump não quer

A nível estritamente interno, Trump prometeu rasgar outro documento: o Affordable Care Act (Lei dos Cuidados Acessíveis), mais conhecido como Obamacare por ter sido assinado pelo seu antecessor. Trata-se de legislação federal que visa controlar os preços dos planos de saúde e alargar os planos de seguros públicos e privados a uma fatia maior da população americana. Apesar de nos dois primeiros anos de mandato de Trump controlarem a Câmara dos Representantes e o Senado, os republicanos não conseguiram revogar nem substituir o Obamacare.

Yoon S. Byun / EPA

Os esforços para fazer passar no Senado mesmo uma revogação ligeira foram frustrados duas vezes. Em julho de 2017, três senadores republicanos juntaram-se aos democratas para travar o plano de Trump, receando que este desestabilizasse os mercados de seguros e aumentasse os custos para pessoas com condições clínicas pré-existentes.

O Presidente continua a prometer um substituto “fenomenal” do Obamacare mas, depois de o Partido Democrata ter reconquistado o controlo da Câmara dos Representantes, será inútil continuar a bater nessa tecla. Em abril deste ano, Trump mostrou-se disponível para esperar até depois das eleições de 2020 (além das presidenciais será renovada toda a Câmara dos Representantes e um terço do Senado) para o Congresso votar um novo plano nacional de saúde. E acrescentou: “Todos concordam que o Obamacare não funciona, até os democratas querem substituí-lo”.

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