Duas semanas depois de uma audição de quase nove horas no Senado, o ministro brasileiro da Justiça, Sérgio Moro, voltou esta terça-feira ao Congresso Nacional – desta vez, à Câmara dos Deputados, a câmara baixa. Em causa estão ainda as trocas comprometedoras de mensagens de Moro, quando era ainda juiz federal, com o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da operação anticorrupção Lava Jato.
Numa sessão de mais de sete horas, que foi encerrada abruptamente devido aos confrontos verbais depois de um deputado da oposição ter apelidado Moro de “juiz ladrão”, o atual ministro disse que a divulgação das mensagens é “uma questão político-partidária”. Para o governante, a investigação jornalística do site The Intercept Brasil, que ficou conhecida como Vaza Jato, é um “escândalo fake [falso] já afundado ou afundando”, “um balão vazio”.
Citado pelo jornal “Folha de S. Paulo”, Moro afirmou ter ficado com a impressão de que o site pretendia que fosse ordenada uma operação de busca e apreensão, “talvez para aparentar uma espécie de vítima, um mártir da imprensa ou coisa parecida”.
O ministro também criticou a Ordem dos Advogados do Brasil, que acusou de ter embarcado “no sensacionalismo barato dos primeiros dias”, ao sugerir que o governante abandonasse o cargo para que as investigações fossem conduzidas de uma forma isenta. Nas mensagens reveladas, o então juiz dá orientações a procuradores, sugere a inversão de fases da Lava Jato e chega a indicar uma testemunha de acusação ao Ministério Público Federal.
A ironia de Moro
Ainda segundo a “Folha”, Moro recorreu várias vezes à ironia durante a audição. Sugerindo que a divulgação das mensagens visa beneficiar sobretudo o antigo Presidente Lula da Silva, o ministro afirmou: “Tem que se perguntar então quem defende Sérgio Cabral [ex-governador do Rio de Janeiro], Eduardo Cunha [ex-presidente da Câmara dos Deputados], Renato Duque [ex-diretor de serviços da Petrobras], todos estes inocentes que teriam sido condenados.” Em seguida, carregou ainda mais no tom irónico. “Precisamos de defensores destas pessoas. Que elas sejam colocadas imediatamente em liberdade, já que foram condenadas pelos malvados procuradores da Lava Jato, pelos desonestos policiais e pelo juiz parcial”, disse.
O ministro tinha o respaldo dos deputados do Partido Social Liberal (PSL), do Presidente Jair Bolsonaro, que intervieram ao longo da sessão para evitar o que chamaram de “pelotão de fuzilamento” contra Moro.
Durante a audição, o deputado Boca Aberta, do Partido Republicano da Ordem Social, entregou um troféu ao ministro pelo seu papel no combate à corrupção. Dizendo-se “um grande defensor das instituições”, Moro lembrou o “movimento expressivo no fim de semana em que várias pessoas apoiaram o trabalho da Lava Jato”. “O Brasil saiu nos últimos anos do lugar comum, da impunidade e da grande corrupção”, acrescentou.
“Um juiz ladrão e corrompido”
Por volta das 21h30, a sessão conheceu um desfecho abrupto motivado pelas declarações do deputado Glauber Braga, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
“A população brasileira não vai aceitar como facto consumado um juiz ladrão e corrompido que ganhou uma recompensa para fazer com que a democracia brasileira fosse atingida. É o que o senhor é: um juiz que se corrompeu e, apesar dos gritos, um juiz ladrão”, acusou o deputado.
Na sequência do tumulto que se gerou, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Felipe Francischini, do PSL, disse: “Na CCJ, nunca mais. Não vai ter Moro na CCJ nunca mais. Qualquer pedido de convocação não vai prosperar na minha comissão. Eu estarei pessoalmente em cada comissão para tentar obstruir essa convocação.”
Moro reagiu às declarações do deputado do PSOL após abandonar a audição. “Eu vim aqui prestar os esclarecimentos. Infelizmente, um deputado absolutamente despreparado, que não guarda o decoro parlamentar, fez uma agressão, umas ofensas que são inaceitáveis, e infelizmente teve que encerrar a sessão.”
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