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Cargos de topo na Europa: mais uma tentativa para ultrapassar impasse e controlar a distribuição de poder

Cargos de topo na Europa: mais uma tentativa para ultrapassar impasse e controlar a distribuição de poder
GEOFFROY VAN DER HASSELT / Getty

Os líderes europeus voltam a reunir-se esta terça-feira em Bruxelas. É mais uma tentativa para serem eles a controlar a distribuição dos cargos de topo. Se falharem, são os grupos parlamentares a determinar sozinhos quem fica como presidente do Parlamento Europeu. As divisões são fortes

Cargos de topo na Europa: mais uma tentativa para ultrapassar impasse e controlar a distribuição de poder

Susana Frexes

Correspondente em Bruxelas

Os Vinte e Oito regressam à mesa das negociações um dia depois da maratona que expôs divisões e as dificuldades para se entenderem quanto à atribuição da presidência da Comissão Europeia e restantes cargos topo. O desafio agora passa por fechar um acordo entre as 10h e as 21h (hora de Portugal Continental), antes do prazo limite para que a apresentação de candidaturas à presidência do Parlamento Europeu.

Ou os chefes de Estado e de Governo se entendem ou os eurodeputados avançam com a eleição do seu presidente, sem ter em conta qualquer pacote forjado para a liderança das restantes instituições. Aí seriam os grupos parlamentares dos liberais, socialistas e centro-direita a pôr nomes em cima mesa, a decidir e a encaixar a primeira peça deste complexo puzzle negocial.

É certo que cabe aos eurodeputados escolherem o presidente do Parlamento Europeu, mas a intenção dos líderes tem sido sempre a de alcançar um compromisso alargado, distribuindo os postos de maior poder da União Europeia entre as famílias políticas mais votadas nas eleições europeias, numa aliança que permita também à UE funcionar de forma pacífica nos próximos cinco anos.

Mas não está a ser fácil alcançar essa paz institucional. E já nem a Alemanha consegue impor soluções. Angela Merkel viu vários líderes da própria família política democrata-cristã rebelarem-se e contrariarem a posição da chanceler. Entre eles os primeiros-ministros da Croácia e Letónia - Andrej Plenković e Arturs Kariņš estiveram entre as vozes mais duras na rejeição de um acordo que dizem ter sido forjado em Osaka sem que fossem tidos em conta e que dava a presidência da Comissão Europeia aos socialistas.

A rebelião dos PPEs contra Merkel

"Estivemos muito perto", disse o chefe do Governo espanhol, apontando-lhes o dedo. "O PPE não respeitou o acordo que fecharam Timmermans e Weber, depois da última cimeira, para que os socialistas dirigissem a Comissão e Weber o Parlamento." Segundo Pedro Sánchez, foram os dois candidatos ao lugar de Jean-Claude Juncker que estiveram na base da solução para tentarem salvar o chamado "processo de Spitzencandidaten", segundo o qual as famílias políticas avançam com cabeças-de-lista à presidência do executivo comunitário durante as eleições europeias.

O entendimento seria depois endossado em Osaka, à margem da cimeira do G20, por Merkel, Sánchez, o presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte. Nesta lógica, o primeiro-ministro Charles Michel (liberal) ficava com a presidência do Conselho Europeu e a búlgara Marija Gabriel (PPE) ficava como alta representante para a Política Externa.

O problema é que Plenković e Kariņš, que eram aliás e até então os negociadores do PPE, não gostaram de ter sido deixados de lado, nem da solução em que o Partido Popular Europeu perdia a Comissão, apesar de ter sido a família política mais votada. E não foram os únicos. O presidente romeno também terá estado nesta linha e o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, chegou a dizer aos jornalistas que não iriam dar o lugar mais apetecível aos socialistas "sem lutar".

E deram luta ao ponto de dividir a família política, confrontar Merkel, irritar Emmanuel Macron e contribuir para o desfecho vazio e conflituoso desta segunda-feira. Algumas fontes apontam o dedo também a Merkel por não ter comunicado melhor antecipadamente com os parceiros da família política. Mas António Costa teceu-lhe elogios no final do encontro pela forma "determinada" para "procurar sucessivos acordos".

Ao longo da noite e da madrugada foram sendo postas várias soluções em cima da mesa, com a possibilidade de dar o Conselho Europeu ao Partido Popular Europeu, dividir a presidência do Parlamento entre PPE e Liberais - dois anos e meio para cada família - e colocar um liberal (falou-se da dinamarquesa Margrethe Vestager) no cargo de alto representante para a Política Externa.

Já durante a manhã houve sinais de que poderiam estar mais perto de um acordo e chegou a considerar-se, inclusive, a possibilidade de colocar na presidência do Conselho Europeu alguém que nunca foi chefe de Estado ou de Governo, critério que tinha sido estabelecido pelos líderes. O nome discutido foi o da búlgara Kristalina Georgieva, diretora executiva do Banco Mundial, que disputou com António Guterres as Nações Unidas.

Georgieva não passou, o plano todo desmoronou. E as forças de bloqueio vieram também da Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia. Aos quatro de Visegrado juntou-se também Itália. O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, até estaria disposto a apoiar Timmermans, mas o seu vice-primeiro ministro, Matteo Salvini, é contra. De acordo com fonte italiana, Roma queria Georgieva na presidência da Comissão Europeia.

Timmermans ainda mexe mas tudo é possível

Costa foi duro nas críticas a estes quatro países pelas divisões que criaram, num discurso muito alinhado com o de Macron. "É claro que este fracasso e as divisões que evoquei, em alguns casos motivadas por ambições pessoais que não deveriam estar sobre a mesa, terão de ser resolvidas amanhã", disse o Presidente francês, apontando ao encontro desta terça-feira.

Tudo está em aberto e parece ter voltado à estaca zero. Os contactos vão continuar até à ida dos líderes para a sala. Ao que o Expresso apurou, o nome de Frans Timmermans não está 100% descartado e há ainda algum espaço para negociar, mas falta saber quanto. O candidato dos socialistas sai fragilizado, e o próprio primeiro-ministro português disse não haver "plano nenhum", numa posição mais pessimista, contrária à habitual defesa da escolha do holandês.

Socialistas e Liberais, com Merkel e Macron, podem agora forçar as vozes do contra e propor alternativas, numa postura que pode também passar por rejeitar esses nomes. Ao mesmo tempo, estarão também a trabalhar noutras soluções.

Um jogo de nervos para ver quem desiste primeiro. Chegou a ser anunciada a possibilidade de um "jantar de trabalho, mas que passou depois a "almoço". Algo que pode indicar que, desta vez, não vão insistir horas seguidas. Ou fecham um acordo a meio da tarde ou podem deixar a decisão para mais uma cimeira extraordinária.

Eleição do Presidente do PE não pode ser adiada

A eleição do sucessor do italiano Antonio Tajani começa às oito da manhã de quarta, em Estrasburgo, e é fundamental, porque, sem presidente, o Parlamento Europeu não funciona nem pode dar início aos trabalhos. Esta eleição deveria acontecer esta terça-feira, dia da tomada de posse dos novos eurodeputados, mas foi adiada um dia para dar espaço aos líderes para se entenderem.

Agora não há mais adiamentos. Sem um acordo esta terça-feira entre os líderes para os restantes cargos de topo, a eleição do presidente do Parlamento Europeu pode depois condicionar e influenciar as escolhas dos líderes, ou mesmo dificultar essas escolhas, face ao equilíbrio difícil entre regiões, famílias políticas e até de género.

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