É jovem, voluntária, assume preocupações humanitárias e desafiou também as leis italianas – tudo em nome das vidas de migrantes no Mediterrâneo. Carola Rackete, a capitã do navio da organização não-governamental Sea Watch – que entrou esta quarta-feira em águas territoriais italianas sem ter autorização –, tem um perfil semelhante ao de Miguel Duarte, o voluntário português que colabora com ONG alemã Jugend Rettet e que ajudou centenas de migrantes nas águas do Mediterrâneo. Ambos podem ser acusados pelas autoridades italianas de auxílio à imigração ilegal.
A capitã alemã, de 31 anos, com experiência em ações humanitárias, admite que não hesitou em tomar a decisão de entrar em águas italianas sem autorização. “Decidi atracar no porto em Lampedusa, apesar de saber o que estava em causa. Porque estavam 42 pessoas exaustas e não aguentavam mais. E eu era responsável por eles. As suas vidas são mais importantes do que um jogo político”, explicou Carola Rackete num post no Twitter.
Num vídeo publicado esta quinta-feira, a capitã do Sea Watch 3 garantiu que explicou às autoridades italianas que não podia garantir a segurança física e psicológica das pessoas resgatadas. “As autoridades italianas iam, supostamente, por duas vezes recolher a documentação, mas não nos deram nenhuma indicação concreta sobre como desembarcar”, acrescentou.
Carola Rackete disse ainda que aguarda serenamente as alegações das autoridades italianas, uma vez que cumpriu o seu dever humanitário. Já o partido de extrema-direita italiano Liga acusou a jovem de ser “irresponsável” e “filha do papá”.
A capitã respondeu logo ao partido de Matteo Salvini, contrariando essa visão: “A minha vida foi fácil, tive a oportunidade de frequentar três universidades, sou branca, alemã, nasci num país rico e com direito a passaporte. Quando eu me apercebi disso, senti-me moralmente obrigada a ajudar aqueles que não tiveram as mesmas oportunidades que eu tive.”
Licenciada em Proteção Ambiental na Universidade britânica de Edge Hill, Carola Rackete fez ainda um doutoramento sobre albatrozes. Começou a trabalhar num quebra-gelo no Pólo Norte para um dos maiores institutos oceanográficos da Alemanha, tendo ainda colaborado com a Greenpeace.
Fala fluentemente cinco idiomas e manifestou sempre interesse pelas áreas da ecologia e da política. Desde há três anos que colaborava com a organização não-governamental Sea Watch.
Numa altura em que o governo italiano aperta o cerco à imigração, impulsionado pelo ministro do Interior e líder do partido de extrema-direita italiano (Liga), Matteo Salvini, são várias as ONGs que estão a ser alvo de acusações por parte das autoridades do país.
O governante italiano acusou ainda a Sea-Watch de fazer uma campanha política em torno deste caso do resgate de 42 migrantes, insistindo que esta ONG ajuda a imigração ilegal. “Em 15 dias – que aguardaram para obter autorização para desembarcar – podiam ter chegado aos Países Baixos e rejeitaram os portos seguros mais próximos. As ONG contribuem para o tráfico de seres humanos”, insistiu.
Salvini tem criticado por diversas vezes o facto de outros países europeus estarem a devolver cada vez mais refugiados à Itália e incita as ONG a assumirem a sua responsabilidade na distribuição dos migrantes pelos Estados-membros.
Se for acusada em Itália de auxílio à imigração ilegal, Carola Rackete arrisca-se a ser condenada a uma pena de prisão de dois a dez anos e ao pagamento de uma multa de 50 mil euros.
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