Como 20 mulheres acusam Trump de ter abusado delas (e ainda a história da ex-mulher Ivana, que se sentiu “violada” mas não criminalmente)
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Há imensos relatos de beijos forçados, apalpões não desejados, mãos em locais privados e até investidas mais sérias, como aquela que contou recentemente E. Jean Carroll. Até a primeira mulher de Trump relatou, no depoimento para o divórcio, um episódio que não deixa margem para dúvidas quanto à violência que contém. Outros homens deixaram as suas posições de topo por causa de alegados episódios de assédio e abuso sexual mas Donald Trump, o Presidente dos Estados Unidos, está onde sempre esteve e continua a utilizar frases ofensivas para escapar às acusações
O antigo chefe-executivo da CBS caiu em desgraça, a maior estrela da produção cinematográfica de Hollywood também. Caíram senadores norte-americanos, diretores comerciais, editores do “New York Times” mas Donald Trump continua em velocidade de cruzeiro, sereno mas imparável, a navegar a presidência, apesar de ter sido acusado por mais de 20 mulheres de assédio ou mesmo abuso sexual. No seu último livro “Trump Debaixo de Fogo”, o jornalista norte-americano Michael Wolff refere que Trump sempre deu o mesmo conselho aos amigos que eram apanhados nestas acusações: mente sempre, nada o pode provar. Era um conselho que oferecia sem parcimónia, é apenas natural supor que aplique a mesma técnica a si mesmo.
A mais recente entrada na lista de mulheres que acusam Trump é E. Jean Carroll, ex-colunista de aconselhamento feminino na revista “Elle” e jornalista há mais de 40 anos: escreveu na semana passada um longo artigo onde elenca todos os “homens odiosos” da sua vida - lá pelo meio está Trump, que, segundo Carroll, a levou para os vestiários da loja Bergdorf Goodman, “abriu o casaco, desapertou a calças, forçou os dedos nas [minhas] partes privadas e depois enfiou o pénis - total ou parcialmente, não tenho a certeza”. O episódio demorou mais do que três minutos, garante a ex-colunista. Também através de uma entrevista, Jessica Leeds, executiva numa empresa de fabrico e venda de papel, disse que Trump lhe apalpou o peito num voo em 1980, que tentou colocar as mãos por baixo da sua saia e que lhe dirigiu ofensas verbais graves - “prostituta” é uma das que recorda. Trump negou que tenha alguma vez assediado estas mulheres e usou para ambas a mesma expressão de desdém: “Não é o meu tipo”.
A próxima história é a da Kristin Anderson, ex-modelo, e ter-se-á passado em 1990. Em 2016, o “Washington Post” revelava que Anderson teria sido apalpada por Trump sem o seu consentimento, por baixo da saia, num bar de Nova Iorque, o China Club. Alegadamente, Trump ia lá todas as segundas-feiras à procura de mulheres, disseram na altura alguns dos seus amigos da época ao diário norte-americano.
Três das mulheres que acusam Trump de assédio reuniram-se numa conferência de imprensa: Rachel Crooks, Jessica Leeds, Samantha Holvey (da esquerda para a direita)
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Jill Harth é outro dos casos mais conhecidos. O mais grave aconteceu em 2003, na casa de férias de Trump de Mar-a-Lago, quando ele, alegadamente, a empurrou contra uma parede, começou a apalpá-la “por todo o lado” e tentou “levantar o vestido para atos sexuais”. Mas antes disso já Harth tinha processado Trump por ter tentado tocar-lhe em 1997, no quarto da própria filha de Trump, durante uma reunião de negócios.
No mesmo ano, algo parecido aconteceu a Cathy Heller, ou pelo menos foi o que alegou numa entrevista ao “The Guardian” em fevereiro de 2016. Numa refeição oferecida por Trump em 1997 a várias mães pelo Dia da Mãe, Trump tentou beijar Heller quando esta lhe foi apresentada e, diz ela, ficou com tanta raiva quando ela evitou um beijo que a agarrou até ela voltar a cabeça para que a pudesse beijar nos lábios. Heller é uma democrata registada e apoiou publicamente Hillary Clinton. O na altura porta-voz da campanha de Trump, Jason Miller, afirmou que Heller apenas apresentou “factos falsos” e que o seu relato continha “motivações políticas”.
Ainda em tribunal: Summer Zervos e Alva Johnson
Segue-se Summer Zervos, outra das mulheres que mais falaram sobre as investidas de Trump. Concorrente no antigo reality show de Trump “O Aprendiz”, acusou o atual Presidente dos Estados Unidos de comportamento sexual condenável por a ter beijado e apalpado sem que ela o consentisse durante os anos que se seguiram à sua saída do concurso. Em 2007, Trump alegadamente ofereceu-lhe emprego numa das suas empresas e chamou-a ao Beverly Hills Hotel para discutir a proposta. Foi aí que lhe terá apalpado o peito e a terá tentado empurrar para um quarto sozinha. Em outubro de 2016, Zervos deu uma conferência de imprensa a denunciar o caso.
Ao lermos tantas histórias é natural que fique no ar uma questão: afinal para que serviu esta cascata de denúncias se Trump foi eleito Presidente na mesma? Como escreve Anna North na “Vox”, “elas criaram uma massa crítica de pessoas que estarão ao lado de qualquer terceira pessoa que fale sobre assédio ou agressão, fazendo essa pessoas sentir-se, se não totalmente segura, pelo menos muito mais segura em apresentar as suas queixas”.
Mulheres marcham dia 21 de janeiro de 2018 em Paris contra a discriminação e o machismo
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A história de Zervos está longe de terminar. É uma das mulheres que mais longe levaram a sua luta legal contra Trump e contra o seu exército de advogados.
Zervos pôs Trump em tribunal por difamação - Trump chamou-lhe “mentirosa” depois de ter exposto o sucedido - e a defesa do atual Presidente lutou para que o caso fosse arquivado alegando que um chefe de Estado ainda em exercício não pode ser acusado. Mas, desde aí, foi só somar derrotas. Em março deste ano, um tribunal de recursos disse que sim, que um Presidente pode responder em tribunal. O que Zervos pretende é que todos os documentos de campanha relacionados com as alegações de assédio sexual, não só feitas por ela mas por outras mulheres, cheguem a público - e assim permitir que todo o mundo fique a saber o que se sabia, o que Trump admitiu e o que é que a sua campanha (não) fez em relação a isso.
Também Alva Johnson segue com a sua ação legal. Membro da equipa de Trump para a campanha da sua eleição, Johnson alega que Trump lhe agarrou a mão à força e a puxou para si para a beijar, também à força, durante um comício na cidade de Tampa. Além disso, considera que o seu ordenado era mais baixo pelo facto de ser mulher e ainda está à espera que os tribunais decidam o que fazer.
As misses e a jornalista que ia entrevistá-lo com a mulher
A ex-miss Utah Temple Taggart McDowell também tem queixas sobre Trump. Segundo a ex-modelo, em 1997 deu-lhe um beijo nos lábios durante um ensaio do programa miss USA. Mais tarde prometeu-lhe um contrato no mundo da moda e voltou a tentar agarrá-la, em Nova Iorque. Também uma norueguesa, Ninni Laaksonen, ex-miss Finlândia, acusou Trump de a ter apalpado em 2006 pouco antes de entrarem ambos em direto no programa de David Letterman com outras concorrentes do concurso Miss Universo. Cassandra Searles, ex-miss Washington, acusa Trump de, em 2013, a ter agarrado e a ter tentado levar para o seu quarto de hotel. Bridget Sullivan, ex-miss pelo estado de New Hampshire, alega que, no ano 2000, ele a abraçou com as mãos “muito em baixo” e que muitas vezes entrou nos camarins das concorrentes quando todas estavam sem roupa.
Samantha Holvey, ex-miss North Carolina, faz uma precisa avaliação de Trump e da sua postura perante as mulheres: “Ele inspecionava-nos pessoalmente, uma a uma. Parecíamos pedaços de carne”. Pedaços de carne e, claro, prontas para tudo, principalmente se forem estrelas de filmes pornográficos. Jessica Drake, ex-estrela de filmes para adultos, acusou Trump, em 2016, de a agarrar e beijar num torneio de golfe no Nevada e de lhe oferecer 10 mil dólares como pagamento para sexo.
Pouco antes das eleições presidenciais de 2016, várias mulheres começaram a juntar as suas queixas àquelas que já tinham sido feitas por outras mulheres quando se soube que Trump seria candidato republicano à presidência. Uma dessas mulheres foi Natasha Stoynoff, que em outubro de 2016 contou como, quando era repórter de celebridades para a revista “People”, Trump a empurrou para um quarto, empurrou-a contra a parede e tentou forçá-la a beijá-lo. Isto tudo na propriedade de Mar-a-Lago, onde Stoynoff estava para fazer uma história sobre o casal Trump e Melania, por altura do seu primeiro aniversário de casamento. O mordomo, conta Stoynoff, entrou enquanto ela estava a tentar desembaraçar-se de Trump e mais tarde disse-lhe que Trump estava à sua espera, no dia a seguir, num salão de massagens.
Até uma pivô da Fox News, a cadeia televisiva que mais ajuda Trump a passar a sua mensagem, acusou Trump. Juliet Huddy disse que Trump a tentou beijar num elevador em 2005. Na altura, disse Huddy numa entrevista na rádio em 2017, ambos estavam a regressar de um almoço e Trump inclinou-se e forçou um beijo. O próprio Trump disse: “Tentei atirar-me a ela mas ela recusou os meus avanços”.
Usar do seu nome, da sua fama, para atrair ou intimidar mulheres é um padrão fácil de identificar lendo os relatos destas mulheres. Relembremos, por um minuto, aquele vídeo em que Trump diz que gosta de agarrar mulheres pelos seus órgãos genitais, até porque “elas deixam fazer tudo quando és uma celebridade”. Karen Virginia teve uma dessas experiências com Trump. A ex-professora de yoga disse numa entrevista que enquanto estava à espera de um táxi para o torneio de ténis US Open, em 1998, Trump passou com um grupo de amigos e começou a mandar piropos: “Olha para esta, esta ainda não tinha visto por aqui, olhem aquelas pernas!”, disse Trump aos amigos, segundo Virginia. Quando Trump a agarrou no braço e lhe tocou no peito, Virgina diz que ficou “chocada” mas que Trump não pareceu importar-se e perguntou repetidas vezes “então, não sabes quem eu sou?”.
Também Lisa Boyne, uma empresária na área da comida saudável, veio partilhar a sua experiência ao conhecer o magnata. Num jantar, em 1994, Trump começou a tratar as mulheres como objetos para contemplação e depois de as “apresentar”, olhava por baixo das suas saias e fazia comentários sobre a roupa interior e os órgãos sexuais de cada mulher.
Uma mulher com um cartaz onde se lê "agarrem-nos pela patriarquia", uma referência à frase de Trump "we can grab them by the pussy"
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Mar-a-Lago é um lugar que aparece bastante nestas alegações, sendo uma propriedade enorme e onde Trump deu algumas das mais míticas festas dos seus anos de multimilionário do imobiliário. Melinda McGillivray, convidada para um concerto na propriedade, disse ao Palm Beach Post que Trump “roçou-se” nela e a apalpou sem dizer nada, passando só por ela, uma e outra vez. “Ao princípio pensei que fosse uma máquina fotográfica ou assim mas não. Era Trump e ele sabia o que estava a fazer porque nunca pediu desculpa por se estar a encostar.” A torre de escritórios Trump Tower também se tornou um lugar onde muitos destes incidentes, segundo contam várias mulheres, aconteceram. Rachel Crooks é uma delas. Era recepcionista em 2006 numa das empresas de imobiliário sediadas na Trump Tower e Trump simplesmente beijou-a nos lábios sem aviso prévio. Jennifer Murphy, ex-concorrente de “O Aprendiz” e ex-miss Oregon, também relata um beijo sem consentimento, em 2005, também numa entrevista de emprego, uma técnica aperfeiçoada por Trump ao longo dos anos. Em 2016, depois de contar a sua história, disse que ainda tinha intenção de votar em Trump.
A estranha história de Ivana
Desde então negada pela própria, a história de violência que paira sobre o casamento de Trump e Ivana é talvez das mais fortes que já chegaram aos jornais. Num depoimento para o seu caso de divórcio, em 1992, e num livro de 1993 (“Lost Tycoon: The Many Lives of Donald Trump”, de Harry Hurt III), Ivana relata um episódio no qual Trump lhe arranca cabelo para que ela sentisse a mesma dor que ele experimentou quando recorreu ao cirurgião plástico da própria Ivana para esconder um pedaço de pele na cabeça - que estava a ficar sem cabelo. O que se seguiu foi um “assalto muito violento” no qual Trump, segundo se lê no livro, agarrou os braços da sua mulher e começou a arrancar-lhe tufos de cabelo. Depois rasgou as roupas dela, desapertou as calças e “enfiou o pénis dentro dela pela primeira vez em mais de 16 meses”, conta-se no livro, que utiliza relatos da própria Ivana e cruza informação com os confidentes da ex-mulher de Trump na altura.
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Ivana, porém, disse o seguinte: “Apenas numa ocasião Trump e eu tivemos relações de uma forma muito diferente daquela que costumávamos ter - como mulher senti-me violada porque o amor e o carinho que sempre tinha demonstrado em relação a mim estavam ausentes”. Mas reforçou que nunca quis utilizar a palavra “violada” no sentido criminal do termo. Já em 2015, quando Trump já concorria para a presidência, Ivanca disse que essas acusações foram feitas “numa altura de enorme tensão” e que “não têm mérito”.