Soldados das forças governamentais do Sudão do Sul cometeram abusos em massa contra civis durante operações militares contra os rebeldes no estado de Yei River, denunciou hoje a organização Human Rights Watch (HRW).
Segundo a HRW, entre dezembro de 2018 e março de 2019, soldados alvejaram civis, saquearam e queimaram casas e plantações e perseguiram e expulsaram milhares de residentes das suas aldeias. A organização documentou igualmente violações e violência sexual praticada pelos membros das forças governamentais.
"Os civis estão a ser perseguidos, mortos e violados, durante as operações do Governo para tentar expulsar os rebeldes do estado de Yei River", disse Jehanne Henry, diretora associada da HRW para África. "Todas as partes precisam de parar com os crimes contra civis e assegurar a responsabilização [dos autores], enquanto o Governo tem de ajudar as pessoas a recuperarem as suas casas e os seus meios de subsistência", acrescentou.
Entre 14 e 21 de março, a Human Rights Watch entrevistou 72 pessoas deslocadas no estado de Yei River, que afirmaram ter testemunhado operações do Governo em várias povoações nos distritos de Mukaya e Otogo. Os investigadores falaram também como monitores do cessar-fogo, trabalhadores de organizações humanitárias, funcionários das Nações Unidas e oficiais do Governo, incluindo o governador do Estado.
As partes em conflito no Sudão do Sul assinaram, em setembro de 2018, um acordo de paz "revitalizado" baseado no compromisso falhado de 2015, mas o conflito mantém-se, sobretudo no estado de Yei River, onde a Frente de Salvação Nacional, um grupo armado formado em 2017, continua a combater as forças governamentais.
Os signatários acordaram a criação de um Governo de Transição de Unidade Nacional, prevista para 12 de maio, mas, entretanto, adiada para 12 de novembro. A HRW denunciou também ataques a civis por parte dos grupos rebeldes, que têm impedido também os funcionários das organizações humanitárias de prestarem apoio às populações. Tanto a Frente de Salvação Nacional como o Movimento de Libertação do Povo do Sudão (SPLM, na sigla em inglês) sequestraram dezenas de civis entre outubro e dezembro, segundo fontes consideradas credíveis pela HRW.
As operações das forças do Governo contra os rebeldes começaram em dezembro em zonas de Yei, Lujulo, Morobo, Mukaya, Otogo, e Mugwo, levando mais de 9 mil pessoas a refugiarem-se na cidade de Yei e outras 5 mil na vizinha República Democrática do Congo.
No início de março, as operações causaram mais 1400 deslocados no interior do Estado de Yei, segundo dados a agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). De acordo com os relatos, os soldados rodeavam e entravam nas aldeias à procura de rebeldes, atacavam civis, detinham alguns, disparavam para o ar ou contra animais, e depois saqueavam, destruíam e queimavam as casas, forçando toda a gente a fugir.
As autoridades estatais de Yei River negaram a dimensão da deslocação de populações, pressionando as pessoas a regressarem a casa imediatamente, e desencorajaram as agências humanitárias a dar-lhes apoio. Ainda assim, milhares de pessoas continuam deslocadas em Yei, recusando arriscar o regresso às aldeias por receios de mais abusos.
O Governador de Yei River considerou que os soldados eram "por vezes indisciplinados", mas que os crimes não eram política governamental.
Em finais de março, semanas depois de se ter encontrado com representantes da Human Rights Watch, o governador apelou publicamente aos soldados para pararem de perseguir a população civil.
A HRW denuncia também a falta de progressos na criação de um tribunal, em parceria com a União Africana, para providenciar justiça para as vítimas dos abusos cometidos durante o conflito, sustentando que as autoridades do Sudão do Sul devem declarar com urgência o seu apoio a este tribunal. "A situação neste momento em Yei é calma, mas os abusos contra civis não foram abordados", disse Henry.
"As autoridades devem reconhecer o alcance dos abusos infligidos a civis, permitir justiça às vítimas e priorizar a ajuda aos necessitados", acrescentou.