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Eleições na Índia. Entre o retumbante sucesso de Modi e a propensão para o suicídio de Gandhi

Narendra Modi
Narendra Modi
RAMINDER PAL SINGH

Uma recondução histórica do primeiro-ministro e o reforço do nacionalismo hindu como nunca antes na história da Índia moderna. E uma oposição, mal refeita da sua pior prestação de sempre, que interrompe a sucessão dinástica num reduto que era seu há mais de meio século. E agora? Um analista traça possíveis cenários ao Expresso: o vitorioso BJP poderá recuperar reformas “precocemente abandonadas no último mandato”, enquanto o INC corre o risco de extinção porque “nenhum dirigente será capaz de dizer na cara do líder que ele é um falhanço irreversível”

Eleições na Índia. Entre o retumbante sucesso de Modi e a propensão para o suicídio de Gandhi

Hélder Gomes

Jornalista

Com uma vitória esmagadora nas eleições legislativas, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, intensificou, esta sexta-feira, os contactos para formar um novo Governo. Os dados oficiais da comissão eleitoral asseguram-lhe um segundo mandato de cinco anos, com o seu Partido do Povo Indiano (BJP, nacionalista hindu) a conquistar 303 lugares na Lok Sabha, a câmara baixa do Parlamento, quando lhe bastavam 272 para formar uma maioria.

“A vitória do BJP poderá significar uma de duas coisas: ou o partido reforça a sua atuação em reformas muito necessárias, como nos setores laboral e agrícola, que foram precocemente abandonadas no último mandato, ou endurece em reformas socialistas cujos efeitos são, no mínimo, duvidosos”, equaciona ao Expresso o analista de defesa Abhijit Iyer-Mitra, que é investigador no Instituto da Paz e dos Estudos de Conflitos, na capital da Índia, Nova Deli.

À hora de fecho desta edição, o Congresso Nacional Indiano (INC, de centro-esquerda) – o maior partido da oposição, de Rahul Gandhi – não ia além dos 52 de um total de 542 assentos elegíveis. Numa análise apressada, ambas as forças partidárias cresceram relativamente às eleições anteriores, de 2014. A diferença está na dimensão desse crescimento: o BJP partiu para estas eleições com os 282 lugares conseguidos há cinco anos, enquanto o INC arrancou com 44 assentos, a sua pior prestação de sempre.

“A família Gandhi é o 'banco central'”

“O partido do Congresso parece determinado a cometer suicídio. O problema é que a família Gandhi é o ‘banco central’, através do qual são prestados e distribuídos favores. Acabar com esse esquema equivale à Índia livrar-se do Banco da Reserva, mesmo que a sua inação acabe por extinguir o partido”, prossegue Abhijit Iyer-Mitra. “De qualquer modo, em 20 estados o partido ficou reduzido a zero assentos. Isto é algo de que não se recupera em cinco anos – e nem Rahul nem a sua irmã têm a visão ou a capacidade para o fazer”, avalia. A irmã de Rahul, Priyanka Gandhi, é a secretária-geral do comité decisório do INC pelo estado de Uttar Pradesh, no norte do país.

O partido no poder arrecadou a primeira maioria consecutiva na Lok Sabha desde 1984, enquanto Modi se tornou o primeiro chefe de um Governo – de outro partido que não o INC – a ser reconduzido no cargo. Naquele que é descrito como o melhor resultado para os nacionalistas hindus na história da Índia moderna, Modi declarou: “Se alguém sai vitorioso, é o país. Se alguém sai vitorioso, é a democracia. Se alguém sai vitorioso, é o eleitorado.”

A perda de um bastião histórico da oposição

Na quinta-feira, Rahul Gandhi reconheceu a perda do seu assento parlamentar pelo círculo eleitoral de Amethi, um bastião histórico do INC que já tinha sido ocupado pela sua mãe, pai e por um tio. Ele foi quem mais tempo ocupou o lugar, durante os últimos 15 anos. O partido dominava Amethi há mais de meio século, com exceção de alguns anos nas décadas de 1970 e 1990.

“O povo é o mestre e o mestre tomou a sua decisão”, disse Gandhi, admitindo a derrota para Smriti Irani, a candidata do BJP e atual ministra dos Têxteis no Governo de Modi. Gandhi continuará a sentar-se no Parlamento indiano num outro lugar, conseguido facilmente pelo distrito de Wayanad, no estado de Kerala.

A perda de Amethi voltará a motivar a discussão sobre se Gandhi e a sua família devem ou não entregar o comando do INC a caras novas, quando passa exatamente um século desde que o seu tetravô, Motilal Nehru, tomou as rédeas do partido e liderou o movimento de libertação da Índia. Jawaharlal Nehru, bisavô de Rahul Gandhi, opôs-se ferozmente ao nacionalismo hindu e tentou transformar a Índia num país secular, uma visão que o partido continua a defender.

“Rahul vê o partido como propriedade familiar”

Essa visão tem sido descrita pelo primeiro-ministro como um longo pesadelo nacional. “O país partiu-se em pedaços e foi você quem semeou o veneno”, disse Modi a Gandhi numa sessão parlamentar em fevereiro. “Após 70 anos de independência, não passa um dia sem que os indianos sejam punidos pelos seus pecados”, acusou ainda. Apesar de as dinastias continuarem a ser comuns na política indiana, Modi conseguiu passar uma imagem de profundo contraste entre a sua história, enquanto filho de um pobre vendedor de chá, e a educação rica de Gandhi.

“A derrota pessoal de Rahul e a sua reação são sintomáticas de como ele vê o partido como propriedade familiar”, avalia o investigador Abhijit Iyer-Mitra. “Ele recusou-se a demitir-se, mostrando-se disponível para discutir os resultados com o comité decisório do partido. O problema é que, por causa do sistema elaborado de favores, nenhum dirigente do partido será capaz de lhe dizer na cara que ele é um falhanço irreversível”, remata o analista.

A ajuda do inimigo paquistanês

No início da campanha, o primeiro-ministro estava sob pressão, após ter perdido três eleições estaduais em dezembro e devido à elevada taxa de desemprego e aos baixos rendimentos agrícolas. No entanto, os ventos da campanha começaram a soprar a seu favor por causa da forma como conduziu as relações com o vizinho Paquistão, depois de um carro-bomba ter matado 40 agentes da polícia indiana na região de Caxemira, em meados de fevereiro.

As tensões deixaram os dois países à beira de uma guerra. No pico dos ataques aéreos e da troca de acusações, o estudante e ativista paquistanês Asfandyar Bhittani apontava ao Expresso “as eleições de abril e maio” como “o gatilho” para o recrudescimento belicista. “Modi precisa de uma guerra limitada para vencer as eleições”, antecipava então. No mesmo sentido ia a opinião do executivo financeiro Raza Sheikh, que trabalha em Islamabade, capital do Paquistão. “Todo este ciclo começou devido ao desejo de Modi de sacudir a sua base Hindutva [nacionalistas hindus] antes das eleições da primavera”, sublinhava.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hgomes@expresso.impresa.pt

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