Internacional

A Lituânia tem um presidente para eleger e uma crise política para resolver – as europeias são ‘peanuts’

O falhanço total da candidatura presidencial do primeiro-ministro Saulius Skvernelis justifica a cara feia - mas o que é que isto tem a ver com as europeias?
O falhanço total da candidatura presidencial do primeiro-ministro Saulius Skvernelis justifica a cara feia - mas o que é que isto tem a ver com as europeias?
VALDA KALNINA

No país báltico, a União Europeia é vista primordialmente como fonte de subsídios para a agricultura e construção de infraestruturas. A campanha está tomada pelos temas nacionais: o cenário será familiar aos portugueses e até há uma demissão tão ‘irrevogável’ como a de Paulo Portas a marcar a agenda política

A Lituânia tem um presidente para eleger e uma crise política para resolver – as europeias são ‘peanuts’

João Pedro Barros

Editor Online

A Lituânia tem um presidente para eleger e uma crise política para resolver – as europeias são ‘peanuts’

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

O primeiro-ministro Saulius Skvernelis teve um dia negro a 12 de maio, na primeira volta das presidenciais na Lituânia: ficou em terceiro lugar, sem hipóteses de disputar a segunda volta, que decorre este domingo, simultaneamente com as europeias. Skvernelis, independente apoiado pela União dos Camponeses e Verdes Lituanos (LVŽS, inserida nos verdes europeus), levou a derrota a peito e considerou-a “uma avaliação” da sua prestação como chefe do Governo. Anunciou a demissão para dentro de dois meses, em julho.

Há sinais de que pode haver um recuo de Skvernelis – irrevogavelmente, já ouvimos isto aqui pelo burgo. O primeiro-ministro viu a LVŽS reafirmar-lhe o apoio, mas a crise coloca ainda mais as europeias num segundo plano. As presidenciais decidem o sucessor de Dalia Grybauskaitė, ex-comissária europeia e primeira chefe de Estado a cumprir dois mandatos na Lituânia. A sua firmeza, nomeadamente com a vizinha Rússia, justifica os cognomes “Dama de Ferro” ou “Magnólia de Aço”

Na luta pela sucessão estão dois candidatos ligados ao centro-direita: Ingrida Šimonytė, ex-ministra das Finanças apoiada pela União da Pátria (TS-LKD, democrata-cristã), e Gitanas Nausėda, um economista independente. Os candidatos com ligações às instituições europeias foram eliminados na primeira volta: o comissario europeu Vytenis Andriukaitis e os eurodeputados Valdemar Tomaševski e Valentinas Mazuronis, todos aquém dos 5%.

É assim que, num texto sobre as europeias na Lituânia, chegamos ao terceiro parágrafo sem falar de facto das europeias – e, segundo Egle Murauskaite, a informação poderia estar uns parágrafos mais abaixo se quiséssemos uma correspondência exata com o interesse demonstrado pelos cidadãos. Murauskaite é membro do projeto ICONS da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, especializada em questões de segurança e ameaças não convencionais. Tem um podcast mensal dedicado à política nos Estados bálticos, com destaque para o país natal e onde vive, a Lituânia.

“O espaço na comunicação social tem sido ocupado pelo debate acerca das presidenciais e pouco dinheiro tem sido investido nas europeias. Os candidatos que receberam mais atenção têm sido os estreantes”, explica ao Expresso. Nesse campo contam-se Vytautas Radžvilas, professor de relações internacionais que é descrito como um “radical antieuropeu” e defende a saída da zona euro e o fecho de fronteiras aos migrantes. As sondagens atribuem-lhe votação residual, mas não deixa de ser um sinal.

Tão europeístas que nós éramos

Em 2003, a entrada da Lituânia na União Europeia foi aprovada por mais de 90% dos votantes em referendo. Aderiu ao espaço Schengen em 2007 e ao euro em 2015. Os países bálticos têm uma imagem de europeísmo associada a um desejo de deixar para trás o passado soviético, mas, como noutras partes da Europa, também aqui este sentimento tem sofrido uma forte erosão.

A entrada para a UE motivou uma vaga de emigração que fez cair a população, que era de 3,7 milhões à data da independência (1991), para 2,8 milhões em 2017, segundo dados do site Euroactiv. Envelhecimento demográfico e fuga de cérebros são preocupações sentidas pelos cidadãos.

Quinze anos após a adesão, 71% dos lituanos veem a UE como algo positivo, o que fica bem acima da média comunitária (61%). Dois terços estão felizes com a moeda única. Ainda assim, há cinco anos nem metade do eleitorado foi às urnas para eleger os 11 eurodeputados que representam a Lituânia em Estrasburgo. Também na altura se disputaram presidenciais.

“Entre as pessoas a concorrer ou a representar a Lituânia na UE não há ninguém que apoie explicitamente maior federalismo ou integração. A ideia-chave é ‘deem-nos o dinheiro e não peçam nada em troca’. A UE é vista primordialmente como a fonte de subsídios para a agricultura, para alcatroar estradas ou renovar praças”, resume Murauskaite.

O guarda-chuva da NATO

No polo oposto, ressalva, a popularidade da NATO é “mais forte do que nunca”. Os lituanos confiam na Aliança Atlântica para poderem dormir descansados ao lado do gigante russo, com as imagens da anexação da Crimeia e da rebelião no leste da Ucrânia bem presentes. A Presidente cessante, Grybauskaitė, preconiza uma abordagem mais dura com Moscovo do que o primeiro-ministro demissionário Skvernelis, mais inclinado ao diálogo.

A investigadora não julga que haja risco de invasão russa no sudeste da Lituânia, onde reside uma minoria de origem russa (5% da população, havendo ainda uma minoria polaca nos arredores de Vilnius que representa 6% dos lituanos), nem compara a desconfiança em relação à UE à que se sente na Hungria, Polónia ou República Checa. “Terá mais que ver com o centenário da declaração da independência do país, no ano passado. Houve uma procura de identidade, de definir o que é a Lituânia. Somos lituanos primeiro, depois europeus.”

A Lituânia elege 11 eurodeputados e seis devem ser distribuídos igualmente entre a União dos Camponeses e Verdes (que só tinha um) e a União da Pátria (que tinha dois). Os restantes cinco seriam distribuídos equitativamente pelo socialista LSDP (que tinha dois), trabalhistas, liberais, Ordem e Justiça (nacionalista, também tinha dois) e Aliança das Famílias Cristãs (da minoria polaca).

“Temos um modo particular de escolher as pessoas que enviamos para o Parlamento Europeu. Geralmente, quem é indesejável politicamente ou caiu em desgraça, por escândalos de corrupção ou outros, fica com os lugares. É uma excelente forma de, educadamente, dispensar essas pessoas da cena política local”, ironiza Murauskaite.

Um desses casos é o de Viktor Uspaskich, cabeça de lista e líder dos trabalhistas, condenado em 2013 a quatro anos de prisão por evasão fiscal do seu partido, entre 2004 e 2006. Em causa estão cerca de sete milhões de euros escondidos ao fisco, mas devido à imunidade parlamentar, Uspaskich – considerado pró-russo e com ligações fortes à petrolífera estatal Gazprom – não cumpriu a sentença.

Um dos poucos assuntos europeus que tem merecido alguma atenção é a distribuição dos fundos: vários políticos sublinham a necessidade de fazer mais e melhor com menos recursos (onde é que já ouvimos isto?). O país tem-se tornado, nos últimos anos, um destino apetecível para as empresas tecnológicas, não só startups mas também gigantes como a Booking e a Revolut, uma alternativa bancária digital.

“Alguns políticos têm evocado a necessidade de sermos mais rigorosos na regulação do capital que atraímos. Mas o sentimento dos cidadãos é 'venham eles, desde que paguem'”, brinca Murauskaite. A vizinha Estónia, o mais rico dos países bálticos e que tem atraído fortes investimentos neste setor, é o exemplo a seguir.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: jpbarros@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate