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A história da ETA confunde-se com este nome: Josu Ternera

A história da ETA confunde-se com este nome: Josu Ternera
Vincent West

Em toda a sua vida adulta, Josu Ternera esteve ligado à organização terrorista basca, carimbando alguns dos mais emblemáticos (e sangrentos) atentados. Passou pela política, chegando mesmo a integrar uma comissão parlamentar de direitos humanos. Andava foragido há 17 anos, acabando detido numa operação franco-espanhola quando se dirigia a uma consulta hospitalar para receber tratamento oncológico

A história da ETA confunde-se com este nome: Josu Ternera

Hélder Gomes

Jornalista

José Antonio Urrutikoetxea, mais conhecido como Josu Ternera, foi detido esta quinta-feira na cidade de Sallanches, nos Alpes franceses. A detenção ocorreu às sete da manhã locais (menos uma hora em Lisboa) num parque de estacionamento de um hospital onde estava a ser tratado a um cancro. Com ele encontrava-se uma outra pessoa que as autoridades francesas libertaram após interrogatório. Parece assim chegar ao fim a epopeia sangrenta de um homem que dedicou meio século da sua vida à ETA, a organização terrorista basca que provocou mais de 850 mortos e 6500 feridos em quase 60 anos de atividade.

Josu Ternera nasceu na véspera de Natal de 1950 em Miravalles, na província de Biscaia, no País Basco. Com 68 anos de idade, só durante 18 não esteve ligado, de uma ou de outra forma, à ETA. Juntou-se à organização terrorista em 1968, o ano daquele que é considerado o primeiro crime do grupo: a morte de José Pardines, agente da Guardia Civil que se encontrava a regular o trânsito quando foi assassinado.

Vincent West

Como recordava na manhã desta quinta-feira o diário espanhol “El País”, Ternera desempenhou praticamente todas as funções orgânicas e estratégicas da ETA. Foi um dos seus símbolos e cabecilhas, tendo acompanhado as principais ações protagonizadas pelos etarras. Em 1984, tornou-se número dois da organização. Nessa altura, manifestou a sua forte oposição às conversações de Argel entre o Governo de Felipe González e a ETA, que terminariam em fracasso.

Operação "Infância Roubada"

O seu nome ficou associado a alguns dos mais emblemáticos atentados, como o ataque ao quartel da Guardia Civil em Saragoça, em dezembro de 1987, que matou 11 pessoas, incluindo cinco crianças. Aliás, a operação que levou à sua derradeira detenção, uma colaboração entre as autoridades espanholas e os serviços secretos franceses, recebeu o nome de “Infância Roubada” numa alusão às crianças mortas naquele atentado. A Guardia Civil estava na peugada de Ternera desde 2002 por causa do ataque, pendendo sobre ele dois mandados de detenção, um europeu e outro internacional.

Seis meses antes de Saragoça, já a ETA tinha atacado à bomba um hipermercado da cadeia Hipercor em Barcelona, matando 21 pessoas e provocando 45 feridos. Nesse ano de 1987, a morte do etarra Txomin Iturbe na Argélia, na sequência de um acidente

de viação, abriu o caminho a Ternera para este assumir o controlo total da organização. Contudo, dois anos mais tarde, foi preso em França e condenado a dez anos de prisão em 1990. Cumpriu os primeiros seis em solo francês, sendo depois extraditado para Espanha.

A entrada para a política

Entretanto, em maio de 1991, um quartel da Guardia Civil voltou a ser o alvo escolhido, desta feita na cidade catalã de Vic. Balanço: dez mortos, metade dos quais menores. No final da década, entrou para a política, conseguindo um assento no Parlamento Basco em 1998 e, mais tarde, em 2001. Chegou mesmo a integrar a comissão parlamentar de direitos humanos pelo Euskal Herritarrok, um partido que seria banido em 2003 pelo Supremo Tribunal devido à sua proximidade com a ETA. As funções parlamentares de Ternera, designadamente numa comissão daquela natureza, foram consideradas um ultraje contra as vítimas do terrorismo etarra.

Em 2002, desapareceu depois de receber uma intimação do tribunal para prestar um depoimento sobre o seu papel no ataque de Saragoça. A vida na clandestinidade não o impediu de participar em negociações com o Governo de José Luis Rodríguez Zapatero em 2006 (ao contrário do que acontecera anos antes com Felipe González). No seio da ETA, decorria uma guerra fratricida pelo poder, tendo acabado por prevalecer a linha mais dura, encabeçada pelos dirigentes ‘Thierry’ e ‘Txeroki’.

Porta-voz da cessação da luta armada e política

Apesar de afastado da liderança, Ternera voltou a assumir protagonismo quando, em 2011, a organização anunciou a cessação definitiva da luta armada. Em dezembro desse ano, o Departamento de Estado norte-americano incluiu o seu nome na lista de terroristas, congelando todos os bens e contas que pudesse ter nos EUA. Em maio de 2018, voltou a dar voz a um importante anúncio, o da dissolução e desmantelamento da ETA. Apesar de a sua busca ter sido um “trabalho permanente”, a Guardia Civil reconhece que os esforços se intensificaram após este último comunicado.

O terrorista vivia perto da cidade francesa de Saint-Gervais-les-Bains, a curta distância das fronteiras entre França, Suíça e Itália. Há dois anos, foi visto no sul de França mas, segundo fontes policiais, a sua detenção foi frustrada. Desta vez, o rasto de um antigo colaborador de Ternera foi crucial para localizar o hospital onde este recebia tratamento sob uma identidade falsa e, por fim, detê-lo após os 17 anos que passou foragido. Agora, deverá responder por crimes contra a humanidade, não se sabendo ainda se em Espanha ou França – ou mesmo em ambos os países.

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, congratulou-se com a “cooperação” entre as autoridades espanholas e francesas, que “voltou a demonstrar a sua eficácia”. Numa mensagem publicada no Twitter, Sánchez deu o seu “reconhecimento” à Guardia Civil e à secreta francesa pela detenção de Ternera e “hoje, mais do que nunca”, deixou “um abraço a todas as vítimas do terrorismo”.

Por sua vez, o ministro espanhol do Interior, Fernando Grande-Marlaska, exaltou “o caráter simbólico” da prisão, que qualificou como uma “vitória do Estado de Direito”.

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