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Manifestantes argelinos reagem à prisão de irmão de Bouteflika: entre o “bom sinal” e o “fogo de vista”

Há muito que os manifestantes pediam a prisão de Saïd Bouteflika
Há muito que os manifestantes pediam a prisão de Saïd Bouteflika
RYAD KRAMDI/AFP/Getty Images

Saïd Bouteflika era quem efetivamente governava a Argélia desde que o irmão Abdelaziz sofreu um derrame cerebral, em 2013, que o deixou numa cadeira de rodas. Apesar da sua prisão, bem como de dois ex-chefes dos serviços de informação, os manifestantes “querem mais”, sublinha uma ativista argelina ouvida pelo Expresso

Manifestantes argelinos reagem à prisão de irmão de Bouteflika: entre o “bom sinal” e o “fogo de vista”

Hélder Gomes

Jornalista

Um juiz de instrução militar da Argélia colocou, este domingo, em prisão preventiva o irmão mais novo do ex-Presidente Abdelaziz Bouteflika e dois antigos chefes dos serviços de informação, escreve o jornal argelino “El Watan”. O anúncio surge na sequência da prisão, na véspera, de Saïd Bouteflika e dos generais Athmane Tartag e Mohamed Mediène.

Os três responsáveis estão sob investigação por alegadamente “prejudicarem a autoridade do Exército e conspirarem contra a autoridade do Estado”, revelou a televisão estatal da Argélia, citando uma declaração da acusação no tribunal militar de Blida, a sul da capital do país, Argel.

Saïd Bouteflika foi o principal conselheiro da presidência durante mais de uma década e o governante de facto desde que o irmão Abdelaziz sofreu um derrame cerebral há seis anos, que o deixou numa cadeira de rodas.

“Eles faziam todos parte do mesmo clã”

“As prisões são um bom sinal – especialmente a prisão de Saïd –, dão-nos alguma esperança no futuro do nosso sistema judicial, mas queremos mais”, diz ao Expresso a ativista Sara Benmahmoud, que vive na cidade de Sétif, a cerca de 300 quilómetros de Argel. “De acordo com a imprensa local, ele foi preso por conspirar para cometer crimes contra o povo argelino durante os protestos, o que é uma acusação muito séria”, sublinha.

Benmahmoud adverte, contudo, que os manifestantes “querem que todos eles paguem pelos 20 anos que passaram a desviar dinheiro público, entre outras coisas”. “Mas tememos que [a prisão] seja só fogo de vista porque eles faziam todos parte do mesmo clã. Enfim, temos de esperar para ver”, desabafa.

Eleições marcadas para 4 de julho

A 10 de abril, o Presidente interino, Abdelkader Bensalah, anunciou que o país realizaria eleições presidenciais no dia 4 de julho. A 2 de abril, após duas décadas na presidência e pressionado pelos protestos de rua e da hierarquia militar, Bouteflika anunciara a sua demissão. Bensalah prometeu ainda consultar a classe política e a sociedade civil e “estabelecer uma comissão nacional e soberana para garantir eleições justas”.

No entanto, as promessas não foram suficientes para os manifestantes que, mais de um mês depois da renúncia de Bouteflika, continuam a exigir a saída do triunvirato que designam por “3B”, numa referência à primeira letra dos respetivos apelidos: o primeiro-ministro, Noureddine Bedoui, o ministro do Interior, Tayeb Belaiz, e o Presidente interino, Abdelkader Bensalah.

Manifestantes insistem na saída dos “3B”

Bensalah preside ao Conselho da Nação, a câmara alta do Parlamento, desde 2002. Bedoui, antes de ser nomeado primeiro-ministro, ocupou a pasta da Administração Interna ou, como escreveu recentemente o jornal “El Watan”, a função de “engenheiro-chefe da fraude eleitoral”. E Belaiz foi designado por Bouteflika chefe do Conselho Constitucional, órgão que regula o processo eleitoral. Enquanto servidores leais ao Presidente demissionário, os três devem seguir o seu exemplo e demitir-se, defendem os manifestantes.

Com 82 anos e uma saúde extremamente debilitada, Bouteflika fez saber, através de um comunicado presidencial de 10 de fevereiro, que concorreria a um quinto mandato. Os protestos nas bancadas dos estádios de futebol, que haviam começado alguns meses antes, alastraram-se então para as ruas a 22 de fevereiro. No dia 11 de março, Bouteflika recuou e anunciou que já não iria recandidatar-se, tendo formado, com o recém-nomeado primeiro-ministro Bedoui, um Executivo de 27 elementos. No primeiro dia de abril, prometeu renunciar até 28 de abril, mas antecipou em muito o prazo, afastando-se no dia seguinte à promessa.

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