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União Africana dá mais dois meses para militares no Sudão entregarem poder a autoridade civil

União Africana dá mais dois meses para militares no Sudão entregarem poder a autoridade civil
OZAN KOSE/AFP/Getty Images

A UA “lamentou profundamente” o falhanço do prazo inicial de 15 dias e sublinhou “a sua convicção de que uma transição liderada pelos militares será totalmente inaceitável”. Uma ativista sudanesa contactada pelo Expresso recebeu a notícia do novo prazo com sentimentos contraditórios. Para esta quinta-feira estão convocados protestos massivos

União Africana dá mais dois meses para militares no Sudão entregarem poder a autoridade civil

Hélder Gomes

Jornalista

A União Africana (UA) deu esta quarta-feira mais 60 dias aos militares no poder no Sudão para entregarem o poder a uma autoridade civil, sob pena de o país ser suspenso do bloco regional. A nova ameaça surge na sequência do incumprimento do prazo anterior de 15 dias definido a 15 de abril.

O Conselho de Paz e Segurança da UA “lamentou profundamente” o falhanço do prazo inicial e sublinhou, citado pela “Al Jazeera”, “a sua convicção de que uma transição liderada pelos militares será totalmente inaceitável e contrária à vontade e às aspirações legítimas, às instituições e aos processos democráticos, bem como ao respeito pelos direitos humanos e liberdades do povo sudanês”.

O conselho militar de transição assumiu o poder no país depois de, a 11 de abril, o Presidente Omar al-Bashir ter sido deposto, ao fim de quase 30 anos no cargo e após quatro meses de protestos. Os militares prometeram realizar eleições no prazo de dois anos mas os manifestantes rejeitaram a proposta, permanecendo nas ruas da capital, Cartum, e exigindo um Governo civil de imediato.

“A rua fica a saber quem está a favor e contra ela”

A ativista sudanesa Maab Khalid recebeu a notícia do novo prazo de dois meses com sentimentos contraditórios. “É bom e mau”, começa por avaliar ao Expresso, a partir de Cartum. “É bom porque dá à Associação dos Profissionais Sudaneses [APS, a principal promotora dos protestos que levaram à deposição de Bashir] mais tempo para promoverem o levantamento do país. Além disso, a rua fica a saber quem está a favor e contra ela”, explica.

O conselho de transição, liderado pelo general Abdel Fattah Abdelrahman Burhan, está a negociar com os líderes dos protestos sobre a formação de um Governo de transição. No entanto, os dois lados não se entendem quanto ao papel dos militares, que são dominados por figuras nomeadas por Bashir.

No sábado, os militares e a oposição alcançaram um acordo para o estabelecimento de uma autoridade conjunta, na primeira reunião de uma comissão com representantes de ambos os lados que fora criada dias antes. No mesmo sábado, uma multidão voltou a concentrar-se para exigir a criação de um Governo civil e o fim do conselho militar. Os manifestantes pretendem ainda que Bashir e os principais responsáveis do seu regime sejam julgados.

Manifestação em massa e ameaça de greve geral

Para esta quinta-feira está convocada uma manifestação em massa e a APS ameaça ainda com uma greve geral. Entretanto, os militares advertiram contra qualquer “caos” adicional e exigiram aos manifestantes que acabassem com os bloqueios de estradas nos seus protestos diante do quartel-general do Exército na capital.

“Sempre que o conselho militar faz uma conferência de imprensa, estraga tudo: começa a ameaçar a rua e a sua verdadeira essência fica à mostra, apesar de continuar a dizer que está com os manifestantes”, acusa Maab Khalid. “Por outro lado, todos conhecemos a agenda da Arábia Saudita, do Egito e dos Emirados Árabes Unidos e a sua antipatia com a ideia de um Governo civil. E todos sabemos que o Presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, foi o mentor desta decisão da UA”, continua a ativista.

Sisi é atualmente o presidente em exercício daquele bloco regional.

O apoio saudita aos militares

O ministro das Relações Exteriores dos Emirados Árabes Unidos, Anwar Gargash, escreveu esta quarta-feira no Twitter ser “totalmente legítimo os países árabes apoiarem uma transição ordenada e estável no Sudão, uma [transição] que calibre cuidadosamente as aspirações populares com a estabilidade institucional”. “Já experimentámos o caos total na região e, sensatamente, não precisamos de mais”, acrescentou.

Em abril, os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita prometeram três mil milhões de dólares aos líderes militares do Sudão na tentativa de, segundo os seus dirigentes, consolidarem as relações e evitarem uma repetição do caos das insurreições da Primavera Árabe, em 2011.

Os protestos que levaram à queda e os mandados do TPI

Os protestos começaram a 19 de dezembro do ano passado, inicialmente por causa do preço do pão, que tinha triplicado, mas rapidamente passaram a exigir a demissão de Bashir. A partir de 6 de abril, os manifestantes concentraram-se dia e noite à frente do quartel-general do Exército na capital. O Presidente seria deposto e detido cinco dias depois.

No último de fim de semana, o líder do principal partido da oposição, Sadiq al-Mahdi, que foi primeiro-ministro no final dos anos 1980, apelou a que o Sudão se juntasse “imediatamente” ao Tribunal Penal Internacional (TPI). Em declarações aos jornalistas em Cartum, Mahdi acrescentou que a destituição e prisão de Bashir pelos militares, sob pressão da rua, “não foi um golpe de Estado”.

O TPI já tinha emitido mandados de prisão contra o Presidente deposto para que este respondesse a acusações de genocídio e crimes de guerra e contra a humanidade durante o conflito no Darfur, na parte ocidental do Sudão. Bashir rejeitou sempre estas acusações. O conselho militar de transição recusa extraditar o Presidente deposto, deixando uma possível decisão nesse sentido para um futuro Governo civil.

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