Pablo Casado, líder do Partido Popular (PP), perdeu por muitos. E com ele perdeu também Alejandro, que há sete anos vende bandeiras de Espanha e esta noite não vendeu uma única. Pedro Sánchez, líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e presidente de Governo, ganhou por muitos. Mas não pelos suficientes. E Sergio, de quem se pode dizer que bebe cerveja há mais do que sete anos, preferiu olhar para a lata verde que trazia na mão como estando meio cheia. Mesmo que o discurso esguio do líder socialista em plena noite eleitoral tenha aumentando a amargura da cerveja.
Quando passam poucos minutos das nove da noite, Pablo Casado é já um homem só. Como são (quase) todos os vencidos. A número 13 da Calle de Génova é um perfeito deserto, apenas povoado por jornalistas e repórteres de imagem, que se entreolham perante a falta de pessoas com quem falar. Lá ao fundo, do outro lado da rua, Alejandro é o rosto da resignação. “Daqui a pouco vou para casa, não estou aqui a fazer nada”, diz. Na caixa de papelão que transporta, traz as mesmas bandeiras de Espanha que trouxe para junto da sede eleitoral do PP. Tudo a cinco euros. Nada no bolso. “Em 2016, isto estava a abarrotar. Agora, não se vê ninguém”. Tem razão. O PP perdeu e os militantes ficaram em casa. Ri-se quando desafiado a ir fazer negócio para junto da sede do PSOE, onde já se canta vitória. “Não posso vender bandeiras destas lá. Ainda me batem”. Não estará muito longe da verdade.
No interior da sede do PP, começam a circular duas estratégias: a defesa (foi o Vox que provocou a fragmentação da direita e impediu melhores resultados) e a de erosão do líder (“estamos chocados”, repetem fontes não identificadas do partido, numa frase que se transformou num clássico da política portuguesa). No discurso da derrota, Pablo Casado tenta disfarçar o indisfarçável. “Sou especialista em descer a esta sala em noites complicadas. Aqui está um grande partido que sabe estar nos bons e nos maus momentos”. Não só o partido não esteve unido no mau momento, como o momento não foi mau… foi péssimo. Os conservadores perderam quase metade dos deputados e viram a direita musculada do Vox crescer à sua custa. Safou-se o facto de o Ciudadanos não o ter ultrapassado em número de deputados. Uma vitória que é moral e que de pouco serve. “O nosso resultado foi mau”, reconhece Pablo Casado. “Vamos trabalhar para recuperar o apoio dos espanhóis”. Resta saber se será ele a liderar essa missão.
A dois quilómetros e meio dali, o ambiente na Calle de Ferraz é exatamente o oposto. O PSOE não tinha motivos para sorrir desde 2008. Pedro Sánchez tinha chegado a presidente do Governo depois de derrubar Mariano Rajoy. Caiu dez meses depois às mãos de uma maioria negativa e nunca conseguiu responder ao desafio da independência da Catalunha. Estas eleições, em que foi classificado de “traidor da pátria” para baixo, eram o tudo ou nada para ele e para o PSOE. E os socialistas venceram e venceram de forma clara, mesmo tendo ficado aquém da maioria absoluta. O cenário mais evidente é juntar-se ao Unidas Podemos e à Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), esperando que os independentistas catalães abdiquem de praticamente tudo o que defendem. O cenário mais pragmático é unir-se ao Ciudadanos de Albert River e resolver a questão de uma vez. Tudo está em aberto.
“O PSOE teve um resultado estupendo”, celebra Sergio, boné na cabeça, barba até ao peito, barriga proeminente e cerveja de lata na mão. Mas falhou a maioria. “Por supuesto. Tem de se coligar. Mas ganhou”. A lata meia-cheia de Sergio. “Que se entenda com o Podemos e com a ERC, eles ajudaram a derrubar o PP, o partido mais corrupto de Espanha”. E haverá estabilidade? “Tem de haver. Não há outro caminho. O PSOE não se pode aliar com a extrema-direita e com os seus aliados. Seria um erro”, sentencia. Pedro Sánchez pensará assim?
O líder socialista apenas falaria às 23h56, quando os braços e os espíritos que agitavam as bandeiras já estavam cansados. Assim como os ouvidos, feridos de morte pela música que era gritada pelas colunas, um misto de Vangelis e banda sonora da franquia Piratas das Caraíbas. O discurso de Sánchez é tudo menos catalisador. Enquanto os militantes gritam “¡No pasarán!” e “Con Rivera no”, o presidente de Governo respondia: "Não farei como eles fazem, que põem cordões sanitários [à volta do PSOE]”, numa referência clara a Albert Rivera, que praticamente ao mesmo tempo rejeitava qualquer acordo possível com o PSOE. É um balde de água fria para uma multidão que esperava ouvir Sánchez dizer qualquer coisa de esquerda. A euforia esvazia-se nos doze minutos que Sánchez demora a discursar. E Sergio desaparecera. Oxalá tenha acabado a cerveja.
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