Os confrontos dos últimos quatro dias perto da capital da Líbia, Trípoli, fizeram pelo menos 35 mortos, segundo o Governo de Acordo Nacional reconhecido internacionalmente e citado pela Al Jazeera. As Nações Unidas pediram uma trégua de duas horas para o socorro aos feridos e a transferência de civis mas os confrontos continuaram.
Na quinta-feira, o comandante do autoproclamado Exército Nacional da Líbia (ENL), Khalifa Haftar, ordenou às suas forças militares de leste que avançassem sobre Trípoli. Haftar, que comanda as tropas a partir da sua base em Bengazi, tem o apoio do Egito e dos Emirados Árabes Unidos. O primeiro-ministro líbio, Fayez al-Sarraj, acusa Haftar de tentar liderar um golpe e garante que os rebeldes serão recebidos com força. Num discurso televisivo no sábado, al-Sarraj disse que ofereceu concessões a Haftar para evitar um banho de sangue mas foi “esfaqueado nas costas”.
Em comunicado, o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, disse este domingo que “a campanha militar unilateral contra Trípoli está a pôr civis em risco e a minar perspetivas de um futuro melhor para todos os líbios”. “Não há uma solução militar para o conflito líbio” e ambos os lados devem regressar às negociações, acrescentou.
“Estamos a chegar, Trípoli. Estamos a chegar”
No mesmo dia, o Comando dos Estados Unidos para África (AFRICOM) anunciou a retirada de um pequeno contingente que fora mobilizado para a Líbia para ajudar em ataques aéreos contra forças leais ao Daesh, o autoproclamado Estado Islâmico. “Devido à crescente instabilidade na Líbia, um contingente de forças dos EUA foi temporariamente transferido em resposta às condições de segurança no terreno”, divulgou o AFRICOM. “Vamos continuar a monitorizar as condições no terreno e a avaliar a viabilidade de uma nova presença militar americana, de acordo com a situação”, referiu Nate Herring, um porta-voz daquele comando.
A ministra indiana das Relações Exteriores, Sushma Swaraj, anunciou igualmente a retirada do contingente de um total de 15 forças de manutenção de paz porque “a situação na Líbia piorou subitamente”. A multinacional italiana de petróleo e gás ENI também decidiu retirar todos os seus trabalhadores da Líbia e a própria ONU deverá desmobilizar todo o seu pessoal não essencial.
Segundo relatos, as forças de Haftar tomaram algumas áreas em torno da capital, como o extinto Aeroporto Internacional de Trípoli, mas, até ao momento, ainda não dominam áreas centrais da cidade. O comandante descreveu as movimentações das suas tropas como “uma marcha vitoriosa” para “abalar as terras sob os pés do bando de injustos”. “Estamos a chegar, Trípoli. Estamos a chegar”, anunciou.
“Ninguém sabe quem controla o quê”
“A vida está normal no centro de Trípoli. As lojas e os cafés estão abertos mas a situação é muito diferente fora do centro. Algumas pessoas deixaram as suas casas para trás. Ninguém sabe quem controla o quê”, conta Ensherah Bentaboon, que vive no centro da capital. “Parece-me óbvio que a situação vai agravar-se nos próximos dias, especialmente a situação humanitária. Ambos os lados querem controlar sozinhos a riqueza da Líbia”, diz ao Expresso a estudante de mestrado em Estudos Internacionais e Regionais.
Questionada sobre a perspetiva de uma guerra civil, Bentaboon não hesita em afirmar que “a Líbia já está em guerra civil desde 2011, quando líbios começaram a matar líbios para controlarem o país”.
A Líbia, em turbulência desde a deposição e morte do coronel Muammar Kaddafi há oito anos, tem pelo menos duas administrações rivais: um Governo internacionalmente reconhecido, estabelecido em Trípoli e chefiado por Fayez al-Sarraj, e um outro na cidade oriental de Tobruque, alinhado com o general renegado Haftar.
ONU insiste em conferência de preparação de eleições
O apelo de Haftar para a tomada de Trípoli coincidiu com a visita ao país do secretário-geral da ONU, António Guterres, que se disse “profundamente preocupado com as movimentações militares” e com “o risco de confrontação”. “Não há uma solução militar. Apenas o diálogo intralíbio pode resolver os problemas da Líbia”, sublinhou, apelando à “calma e contenção”. O agravamento das tensões acontece também numa altura em que as Nações Unidas se preparam para realizar uma conferência, de 14 a 16 deste mês, na cidade de Gadamés, para discutir uma solução política e preparar o país para umas eleições há muito adiadas. O enviado especial da ONU à Líbia, Ghassan Salamé, insiste que as negociações vão avançar, a menos que obstáculos sérios as impeçam, recusando-se a “desistir deste trabalho político tão rapidamente”.
“Haftar quer romper a coesão das milícias em Trípoli para convencer as mais fortes a juntar-se a ele e conseguir o apoio da maior parte da população na capital”, aponta o analista de defesa e segurança Arnaud Delalande, a partir da cidade francesa de Tours. “Mas esta ofensiva pode revelar-se bastante mais complicada para o ENL porque as forças do outro lado não são negligenciáveis e a maioria das milícias odeia Haftar”, acrescenta ao Expresso.
Sewuese Bem, antiga candidata à delegação estadual de Benue da Assembleia Nacional da Nigéria, também se mostra preocupada com a situação na Líbia, que “não melhorou desde os protestos públicos em muitos países africanos há dois anos”. “O que me deixa mais perplexa é que a ONU, a União Africana e outras organizações relevantes não digam grande coisa e que os media não deem a atenção devida. Isto é uma bomba-relógio e, quando finalmente explodir, não estará longe uma guerra civil”, prognostica ao Expresso, a partir de Makurdi, capital do estado de Benue.