Theresa May, primeira-ministra britânica, prometeu demitir-se quando o acordo que negociou com Bruxelas para retirar o país da União Europeia passasse no Parlamento. Mas não passou, nem à primeira nem à segunda, e quem manda no agendamento de votos, o porta-voz do Parlamento John Bercow, nem sequer a deixou levar o texto à Câmara dos Comuns uma terceira vez.
É pouco provável que a líder britânica consiga uma vitória esta sexta-feira, último dia previsto para a votação de apenas uma parte do acordo – aquela que fala do compromisso de saída e não a que detalha os termos da relação comercial futura do Reino Unido com a União Europeia. Como, nas palavras da própria May, ela só sai se o acordo for aprovado, há um obstáculo claro à sua remoção. Só que isso parece não impedir as movimentações de bastidores que pelo menos dez dos seus parlamentares já começaram a arquitetar.
Os primeiros nomes a serem falados – até porque há muitos que não desmentem quando questionados sobre essa possibilidade – foram os de Michael Gove, Boris Johnson, Jeremy Hunt e Sajid Javid. Gove, ministro do Ambiente, já está a montar uma equipa de campanha, supostamente em segredo, mas sem grande sucesso nisso. O conservador de 51 anos já passou pelas pastas da Justiça e da Educação, para citar apenas os mais sonantes cargos políticos e entrou na política pelas mãos de David Cameron. Antes disso, tinha escrito para o “The Times”, onde começou a ser conhecido pelas suas políticas liberais. É visto pelos analistas como um homem mais conciliador do que Boris Johnson, demasiado espampanante para os gostos de alguns conservadores mais conservadores.
O seu concorrente direto é Boris Johnson, o vociferante ex-mayor de Londres –e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros que se demitiu em colisão com o plano de May para o Brexit – tornou-se a estrela do movimento pela saída do Reino Unido da União Europeia, mas antes de entrar na política era o correspondente em Bruxelas do diário “The Daily Telegraph”. As suas colunas irónicas sobre a burocracia da UE, incluindo uma em que perorava sobre a obrigatoriedade de que as bananas importadas para o espaço europeu tivessem que ser todas do mesmo tamanho, ficaram famosas e ajudaram a criar a ideia de que a Europa controla toda a vida pública do Reino Unido.
Jeremy Hunt é outra forte aposta. Os aliados do ministro dos Negócios Estrangeiros, com quem o “The Guardian” falou, dizem-no focado no seu “trabalho oficial”, mas que também está atento “à possível abertura de vagas”. Além disso, tem-se tornado uma voz pelos ‘brexiters’ e a sua retórica no Parlamento está hoje mais perto deste grupo do que estava quando este processo começou. Casado com uma chinesa e com três filhos que, disse o próprio, “serão parte de uma minoria étnica quando crescerem”, assume-se preocupado com os episódios de xenofobia do pós-Brexit mas assume que passou a assumir o lado do ‘Leave’ porque quer respeitar a decisão dos britânicos.
Sajid Javid, 49 anos, também é um nome conhecido. Antes de chegar à política trabalhou na banca e é um defensor das privatizações. Agora é ministro do Interior e nesse cargo já fez inimizades entre os defensores da imigração, apesar de ser filho de paquistaneses. Recentemente, falou em “invasão” como qualificativo para o que se passa em Dover, porto do sul de Inglaterra, onde chegam os barcos que vêm de Calais com imigrantes. Ainda assim, Javid votou “remain” no referendo de 2016, mas ao mesmo tempo defende que a imigração de países europeus seja cortada para cerca de 10 mil entradas por ano.
Amber Rudd (55) é, pelo menos, uma “vice” bastante forte e, se não assumir uma candidatura à liderança, é assumida dentro do partido como o nome que pode trazer mais vantagens aos candidatos “com mais chances”. Dentro dos conservadores, é uma das vozes mais fortes contra a saída sem acordo – e é por isso que pode ser uma boa coadjuvante de um candidato com uma postura mais dura quanto ao Brexit e ajudar, assim, esse candidato a reter o apoio dos “remainers” conservadores – que não são muitos e a maioria está apenas preocupada com a saída sem acordo e não com a saída em si. Agora é apenas deputada depois de ter sido afastada do cargo de ministra do Interior pela forma pouco cordata como abordou o “problema” dos cidadãos de antigas colónias britânicas que imigraram para o Reino Unido.
A responsável pelas relações dos conservadores com o Parlamento, Andrea Leadsom, também tem estado na ribalta, até porque tem-se visto o seu esforço de ‘lobbying’ para que o acordo de Theresa May passe pelos Comuns – evitando assim o ‘caos’ esperado de uma saída desordenada. De lembrar que, em 2016, ficou entre as duas opções preferidas para substituir David Cameron, mas abdicou em favor de May.
Menos conhecido é Matt Hancock (40), o ministro da Saúde próximo de Cameron e que está a conseguir alguma tração sob o lema “eu sou uma cara nova”. Um dos seus aliados disse ao “The Guardian” que Hancock “tem muita gente a pedir-lhe que concorra como o candidato da ‘mudança de página’”.
Também Stephen Barclay, de 46 anos, e atualmente ministro do Brexit de Theresa May, não colocou de lado uma corrida à liderança e, a concorrer, seria também nessa senda: uma cara nova na política. O problema de Barclay é que, mesmo sendo uma presença fresca no gabinete de May, vai ficar ligado ao processo do Brexit e ainda esta semana, na Câmara dos Comuns, voltou a pedir que os parlamentares passassem o acordo de May – discurso que foi lido como uma prova da arrogância e do distanciamento de Barclay em relação ao claro repúdio que os deputados já demonstraram pelo acordo.
Uma hipótese que de certo alegraria os que fizeram campanha pela saída é Dominic Raab, 44 anos, ex-ministro do Brexit que também abandonou a equipa de May em protesto contra o acordo final. Justificou a decisão dizendo que o texto não honrava as promessas que os conservadores tinham feito nas eleições de 2017.
Como é um membro relativamente novo nas altas rodas do governo, também goza daquele “semiestado de graça”. Mas tudo pode mudar se o rumo escolhido para a nova fase das relações com Bruxelas for muito mais inclusivo e conciliador, e menos “saída dura”. Não é possível saber onde vai desaguar o Brexit mas sabemos, pelas votações indicativas nas oito moções levadas ao Parlamento na quarta-feira à noite, que a possível inclusão de um acordo alfandegário no texto final só não passou por sete votos, o que mostra que uma saída com uma maior ligação à UE é um cenário privilegiado por muitos.
Outro dos nomes referidos em várias listas de potenciais sucessores ao trono conservador é o de Liz Truss, secretária de Estado das Finanças. É conhecida por ser uma das primeiras mulheres verdadeiramente populistas a saltar –eventualmente por isso mesmo – para a ribalta política. Crítica os “estatistas”, nome que usa para as pessoas que fazem sondagens e estatísticas, e a elite académica, quer descer os impostos e já avisou que Theresa May não deve “ceder à extrema-esquerda”.
Qual é a expressão da extrema-esquerda britânica? Ninguém sabe. Os seus discursos longos em defesa do mercado aberto fazem lembrar os tempos de Thatcher e parece claro que há apetite entre os conservadores para um passeio na avenida das memórias.
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