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“None of the above”. Deputados britânicos dizem “não” a todas as alternativas ao acordo de May

“None of the above”. Deputados britânicos dizem “não” a todas as alternativas ao acordo de May
SOPA Images/Getty

Nenhum dos planos alternativos ao acordo de Theresa May mereceu o apoio da maioria dos deputados britânicos na maratona de votos que esta quarta-feira tomou conta de Westminster. A moção que pretendia consultar o público acerca do acordo de Theresa May, aquela que teria mais hipóteses de passar, não foi aprovada mas por pouco: foram 295 os votos contra e 268 a favor

“None of the above”. Deputados britânicos dizem “não” a todas as alternativas ao acordo de May

Ana França

Jornalista da secção Internacional

No menu de votos para esta quarta-feira na Câmara dos Comuns britânica esteve quase tudo. O primeiro voto (que não fazia parte da lista de oito moções) foi uma vitória fácil para o Governo da primeira-ministra britânica Theresa May: os deputados concordaram (441 contra 105) em mudar a lei que definia 29 de março como data obrigatória para a saída. Isto porque, se o acordo de May chegar a ser votado, a extensão prevista no artigo 50 decorre até 22 de maio e, se não for, até 12 de abril. De uma ou de outra forma, o dia 29 de março já não pode ser a data obrigatória para a saída do Reino Unido da União Europeia.

No total, estiveram esta quarta-feira a votos oito moções alternativas ao acordo conseguido por May - e todas foram chumbadas. Mas algumas chegaram perto - ou mais perto do que as restantes - de garantir uma maioria: a proposta do europeísta conservador Ken Clarke por uma união aduaneira só não passou por oito votos e aquela que propunha um voto do público ao acordo de May antes de este se poder tornar vinculativo ficou a 27 votos de ser aprovada.

A moção trazida a voto, entre outros, pelo conservador John Baron, e que propunha a saída do Reino Unido sem acordo já a 12 de abril, foi esmagada por 400 votos contra e 160 a favor. De notar que o Parlamento já tinha colocado de lado esta opção, em outro voto, há duas semanas. A segunda moção, uma versão ‘light’ do Brexit (o Reino Unido ficaria na união aduaneira ou no Espaço Económico Europeu ou mesmo na Associação Europeia de Comércio Livre — onde estão Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein —, o que ajudaria a resolver o problema da fronteira irlandesa mas enfureceria os eurocéticos conservadores) também chumbou com 283 contra 188.

Também aquela que pedia uma revogação total do artigo 50 e, por isso, o completo fim do Brexit, chumbou com 293 votos contra e 184 a favor. Outras moções propunham uma relação comercial “preferencial” com a UE se o Reino Unido não conseguir implementar um acordo - o que também foi chumbado por 422 votos contra e 129 a favor - ou a permanência na Zona Económica Europeia e na EFTA, mas sem acordo aduaneiro. Esta última foi a menos popular: só teve 65 votos a favor e angariou 377 contra.

A moção dos trabalhistas para uma relação “muito próxima” com a UE, ou seja, uma solução que garantisse que as leis de proteção de trabalhadores, de proteção do ambiente e outras continuariam a vigorar no Reino Unido e que o país continuaria a ter acesso aos programas europeus de financiamento também foi chumbada com 237 contra 307.

É confuso assim, mas fica muito mais confuso quando se olha para as consequências de cada uma destas possibilidades, até porque a UE também tem uma palavra a dizer na aprovação de qualquer uma destas emendas - elas vigoram, ou não, conforme sejam adoptadas, ou não, pela unanimidade dos países do bloco europeu. E até já é possível saber quais seriam as emendas que poderiam recolher algum apoio junto da UE. Simon Usherwood, que esta semana escreve no Expresso sobre as razões que o levam a não acreditar na possibilidade de um segundo referendo, explicou no Twitter que só há três capazes disso: uma saída sem acordo (moção B), o estabelecimento de uma união aduaneira (moção J) e a revogação do Artigo 50 (moção L).

May coloca lugar à disposição “if”...

A tarde começou com uma surpresa. Theresa May estava finalmente a colocar o seu lugar à disposição. Ou não? Sim e não. Sim se o acordo que a primeira-ministra negociou com Bruxelas passasse; neste hipótese, May deixaria o caminho livre para “uma nova abordagem” nas negociações da relação futura do Reino Unido com a União Europeia. Mas e se não passasse? E não passou - esta possibilidade nem sequer foi votada porque o presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, não autorizou que os deputados votassem uma terceira vez um texto que já tinha sido recusado duas vezes. Isto quer dizer que ela não sai? Pode ser. Mas há quem já lhe tenha traçado um calendário. Segundo as fontes do partido conservador que foram falando com a imprensa britânica, a 27 de maio começaria o processo interno no Partido Conservador para candidatos à liderança avançarem e a 10 de julho seria escolhido o novo líder e também novo primeiro-ministro. Isto se todo este emaranhado não levar a uma revolta e à realização de eleições gerais.

Mas essa não viria a ser a única surpresa da noite. Dois conservadores da ala mais eurocética acabaram por revelar que votariam no acordo de May se este voltasse a ser levado ao parlamento. Boris Johnson, o homem que se demitiu de ministro dos Negócios Estrangeiros em protesto contra a forma como Theresa May estava a liderar o Brexit, disse nesta quarta-feira que votaria no seu acordo.

Também Jacob Rees-Mogg, ainda mais eurocético, manifestou-se disponível para apoiar o acordo de May porque prefere este cenário à possibilidade de que não exista Brexit de todo. Outros nomes menos conhecidos foram juntando as suas vozes às dos dois deputados, mas não é certo que, se for mesmo votado (o que pode vir a acontecer na sexta-feira se o 'speaker', John Bercow, assim o autorizar), o acordo de May recolha a maioria que não recolheu nas outras duas tentativas.

“Despedida” de May pode ser “repelente” para os trabalhistas

Como escreveu Tom Rayner, jornalista de política da "Sky News", prometer que se afastava do cargo pode ter custado a Theresa May o eventual apoio de alguns trabalhistas ao seu acordo. “Ao votarem ao lado do acordo de May, esses deputados não estariam a votar apenas no Brexit, mas num Brexit sob a potencial liderança de Boris Johnson ou Michael Gove, coisa que pode servir como um grande dissuasor ao voto trabalhista”.

O Partido Trabalhista impôs a disciplina de voto para uma votação em particular: a de uma moção que defende a celebração de um novo referendo, levada “à mesa” por Margaret Beckett, uma das ferozes “remainers” dentro do partido. Porém, já houve demissões por causa desta imposição já que alguns deputados trabalhistas são simplesmente pró-Brexit (ainda que poucos) e outros, como Jeremy Corbyn, acreditam que se deve honrar o resultado do referendo de 2016.

De manhã, Jeremy Corbyn, líder dos trabalhistas, já tinha instado Theresa May para que ouvisse ou desistisse do cargo. “Ou ouve o que os deputados estão a dizer-lhe, ou muda totalmente o percurso que tem tomado ou então tem que abandonar o cargo”, disse Corbyn no parlamento.

O líder da oposição condenou ainda a “paralisia governamental” de May por insistir em defender um acordo que já foi chumbado por duas vezes - e o presidente do Parlamento não deve permitir um terceiro voto a um texto que ele considera demasiado parecido com os outros dois que já foram votados e chumbados. Para Jeremy Corbyn o cenário ideal seria aquele em que May “abraçasse” a proposta que retenha mais votos por parte dos deputados. Neste caso, ou um segundo referendo ou a proposta de integração numa união aduaneira. E voltou a insistir na celebração de eleições antecipadas. “A garantia de Theresa May aos deputados conservadores de que sai se eles votarem a favor do seu acordo demonstra, de uma vez por todas, que as suas negociações caóticas para o Brexit têm sido uma questão de gestão do seu partido com o interesse geral do povo em mente. "Uma mudança de governo não pode ser organizada pelos conservadores - é o povo que tem de decidir”, escreveu Jeremy Corbyn no Twitter pouco tempo antes de começarem as votações às emendas.

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