O Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, disse esta segunda-feira em Washington que o país conta com os EUA para libertar o povo da Venezuela. “Temos alguns assuntos que estamos trabalhando em conjunto, reconhecendo a capacidade económica, bélica, entre outras, dos Estados Unidos. Temos de resolver a questão da nossa Venezuela”, referiu, citado pelo jornal “Folha de S. Paulo”.
Num discurso de pouco mais de 10 minutos num evento promovido pela Câmara de Comércio dos EUA, Bolsonaro acrescentou, perante empresários e investidores americanos: “A Venezuela não pode continuar da maneira como se encontra. Aquele povo tem de ser libertado e contamos com o apoio dos EUA para que esse objetivo seja alcançado.”
No entanto, a ala militar do Governo brasileiro é contra qualquer intervenção que vá além da ajuda humanitária na fronteira, recorda a “Folha”. Após o discurso presidencial, o porta-voz do Palácio do Planalto, Otávio Rêgo Barros, reforçou essa posição.
“Mortes de jovens brasileiros, perda do superavit e afastamento que pode perdurar por décadas”
Bolsonaro chegou aos EUA no domingo mas só vai encontrar-se com o Presidente Donald Trump esta terça-feira. Na segunda-feira, a comitiva presidencial brasileira visitou a CIA, seguindo-se um encontro com o antigo secretário do Tesouro americano Henry Paulson e a participação no ‘Brazil Day in Washington’, um evento promovido pela Câmara do Comércio. O ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou um painel sobre “o futuro da economia brasileira” ainda antes do discurso de Bolsonaro.
“O Governo acena com a possibilidade de o Brasil participar de uma eventual intervenção militar na vizinha Venezuela, o que pode acarretar mortes de jovens brasileiros, perda do superavit brasileiro na balança comercial com a Venezuela e, por fim, um afastamento diplomático, económico e cultural que pode perdurar por décadas”, comenta ao Expresso, a partir de Porto Alegre, o professor de História Bernardo De Carli.
Os equívocos do chefe da diplomacia brasileira
O docente alerta ainda para os impactos do alinhamento político e económico de Brasília com Washington, que podem ser “desastrosos” para o Brasil. “Nos âmbitos económico, diplomático e religioso, as manifestações do Governo sobre a possibilidade de transferência da embaixada brasileira de Israel para Jerusalém colocam o Brasil em conflito com o mundo árabe e, consequentemente, com países que são importantíssimos consumidores da pauta exportadora brasileira”, acrescenta.
Por outro lado, “o comando das relações exteriores do Governo (o ministro Ernesto Araújo) compactua com o delírio do ‘fantasma do comunismo’”, refere Bernardo De Carli. “O ministro afirma que a Revolução Francesa foi uma ‘revolução marxista’, sendo que Karl Marx ainda não havia nascido, e que a ‘globalização’ é uma conspiração socialista liderada pela China, um dos principais parceiros comerciais do país”, recorda.
“A melhor relação possível” entre Trump e Bolsonaro
A empresária Patrícia Inácio, eleitora e admiradora confessa de Bolsonaro, espera que “ele faça bons acordos com os EUA que beneficiem o Brasil”, antevendo “a melhor relação possível” entre Bolsonaro e Trump, de quem também se diz “simpatizante”. Quanto à Venezuela de Nicolás Maduro, esta residente de Rio das Ostras, no estado do Rio de Janeiro, afirma ao Expresso esperar que “decidam derrubar aquele ditador tirano”.
A psicóloga Brenda Carepa, natural de Belém, capital do estado do Pará, mostra-se bastante mais cautelosa. “Espero que os acordos propostos sejam repensados por Bolsonaro pois serão desvantajosos para o Brasil, a partir do momento em que colocam nossa soberania em risco, permitindo o uso não gerenciado da Base de Alcântara”. De facto, está prevista a assinatura de um acordo para a utilização norte-americana do Centro de Lançamento de Alcântara, a segunda base de lançamento de foguetões da Força Aérea Brasileira, no estado do Maranhão.
“A Venezuela tem suas próprias ferramentas para solucionar seus problemas”
A questão da soberania em risco pode estender-se “a outros conflitos com o relaxamento da necessidade de visto por parte dos norte-americanos para a entrada no país, como, por exemplo, o acesso à Venezuela pela Amazónia”, acrescenta Carepa ao Expresso. Relativamente ao país vizinho, a psicóloga espera que não se decida nada, uma vez que “a Venezuela tem suas próprias ferramentas para solucionar seus problemas”. “O Brasil vinha construindo e mantendo uma posição política de paz e respeito à soberania dos Estados, então derrubá-la agora e apoiar o interesse dos EUA podem gerar retaliações, além de ferir princípios das relações internacionais constantes da Constituição da República Federativa do Brasil”, alerta ainda.
“O ‘fantasma do comunismo’ tem sido o norte geopolítico e económico do Governo de Bolsonaro, e este tem sido uma assombração para o desenvolvimento do país, que enfrenta uma crise económica e política”, remata, por sua vez, Bernardo De Carli.