O Departamento de Alfândegas e Proteção de Fronteira dos EUA, principal entidade responsável pelo controlo das fronteiras do país, criou uma base de dados com informações sobre dezenas de pessoas “suspeitas” de ter “organizado, coordenado e instigado” a caravana de migrantes que chegou a Tijuana, no México, em novembro do ano passado. A lista inclui vários jornalistas que cobriram o acontecimento.
A informação foi avançada pela cadeia televisiva NBC 7 San Diego, que divulgou imagens da lista elaborada “por um grupo de operacionais” da polícia fronteiriça da cidade californiana. Algumas das pessoas visadas na lista viram os seus passaportes ser sinalizados.
De acordo com aquela cadeia televisiva, que cita uma fonte anónima, a lista tem o carimbo da International Liaison Unit (ILU), que serve de ponte entre os serviços de informação norte-americanos e mexicanos, e foi partilhada com a guarda fronteiriça e o FBI. A mesma fonte assegurou que a base de dados foi elaborada no contexto de uma operação para vigiar as cerca de cinco mil pessoas, sobretudo migrantes mas também jornalistas, advogados e ativistas, que chegaram à fronteira com a Califórnia vindos da América Central, e tinha como objetivo sinalizar pessoas que deveriam ser interrogadas na fronteira.
Da lista, constam 57 nomes, dez deles jornalistas — sete têm nacionalidade americana, dois são espanhóis e outro é mexicano. Cada nome é acompanhado pela respetiva fotografia de passaporte, país de origem e alegado contributo ou papel desempenhado durante a marcha de migrantes. Em alguns casos, foram incluídos dados sobre redes sociais e noutros foi incluída informação a respeito dos passaportes sinalizados: se os seus detentores foram ou não detidos pelas autoridades, se viram os seus vistos ser revogados ou se têm “entrevistas pendentes”.
Segundo o “El País”, nos dois primeiros meses deste ano o México negou a entrada a pelo menos duas advogadas norte-americanas que ajudaram migrantes a tratar do seu pedido de asilo nos EUA, e a duas jornalistas que acompanharam a caravana, mas não se sabe qual a ligação entre as detenções e a base de dados. Nora Phillips, uma das advogadas, que trabalha para a organização sem fins lucrativos Al Otro Lado, contou ao “Los Angeles Times” que tentou viajar com a sua família para Guadalajara, capital do estado de Jalisco (oeste do país), em janeiro, mas que terá ficado retida nove horas no aeroporto até ser obrigada a apanhar um voo de volta para Los Angeles. Foi-lhe dito que havia um “aviso” associado ao seu passaporte, aviso esse de outra proveniência que não o México. Erika Pinheiro, a outra advogada, contou ter passado precisamente pelo mesmo nos postos de controlo em San Ysidro, na cidade de San Diego.
A história repetiu-se com vários jornalistas que, em novembro, tinham acompanhado a caravana. Kitra Cahana, fotógrafa 'freelancer', foi detida no aeroporto de Guadalajara em janeiro e ali foi informada de que o seu passaporte fora sinalizado pelos “americanos”. E Daniel Ochoa, fotógrafo espanhol que trabalha para a agência de notícias Associated Press, foi impedido de entrar em Tijuana, também em janeiro, depois de ter estado detido durante quatro horas.
Da lista divulgada na quarta-feira pela NBC 7 San Diego, consta o nome de outra advogada da organização Al Otro Lado, Nicole Ramos, bem como informações sobre a matrícula do seu carro, parentesco e histórico profissional. À cadeia televisiva, a advogada afirmou estar perante uma “lista das forças de segurança elaborada para castigar os defensores dos direitos humanos que trabalham com aqueles que pedem asilo e criticam as práticas do Departamento de Alfândegas e Proteção de Fronteira e a violação dos seus direitos”. A lista contém nomes de ativistas de outras organizações.
O Departamento de Alfândegas e Proteção de Fronteira já reagiu à publicação da base de dados e não negou que esta exista. “A recente mobilização de caravanas com destino à nossa fronteira traz novos desafios e uma missão que é complicada e perigosa”, afirma o departamento no comunicado, referindo que os “crimes cometidos junto à fronteira” constituem “um risco para a segurança pública” e, portanto, são “vigiados e investigados pelas autoridades de forma rotineira”. “Essas atividades criminosas podem levar as autoridades a investigar ainda mais a fundo aqueles que tentam entrar no nosso país.”
O departamento esclareceu ainda que as pessoas cujo nome e outros dados aparecem na base de dados denunciada estiveram presentes durante um incidente violento ocorrido em novembro, em Tijuana, após a chegada da caravana de migrantes (não é claro de que incidente se trata), e por isso foram investigadas. Com que propósito? Saber “mais” sobre o incidente, não propriamente sobre elas.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hrbento@expresso.impresa.pt