Se não houver um golpe, “a vida é mais difícil para Bolsonaro do que para Trump”
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Bolsonaro e Trump chegaram ao poder com discursos de ódio. Mesmo que eles próprios não passem das palavras aos atos, os seus apoiantes acabam por se sentir legitimados ao fazê-lo. Veja-se o caso da sinagoga de Pittsburgh no sábado ou do ataque em Charlottesville no ano passado. No Brasil, já se sente “o aumento da cultura do ódio”. Mas “esse inferno” pode não ser tão grande e duradouro se houver “uma ampla frente democrática”, considera quem começou a resistir logo depois de votar
O povo votou, está decidido. Jair Bolsonaro é o novo Presidente do Brasil. Claro que atrelada a esta frase vem sempre uma série de qualificativos: um Presidente racista, misógino e homofóbico, defensor da tortura e saudoso da ditadura militar.
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E agora, Brasil? A pergunta, feita a 7 de outubro, quando Bolsonaro saiu da primeira volta destacado para enfrentar o candidato do PT, Fernando Haddad, é agora repetida com a confirmação dada pela segunda volta: 55,1% para Bolsonaro, 44,9% para Haddad. Não houve ‘virada’, como muitos chegaram a prever (a desejar). E agora? Bom, agora “não teremos o final da instabilidade política no país – pelo contrário, teremos um agravamento”, avalia o cientista político e escritor Benedito Tadeu César.
“Na hora em que ele abrir o saco de maldades e começar a executar as políticas que estão contidas no seu plano de Governo, rapidamente vai perder o apoio popular”, prognostica ao Expresso. O politólogo não tem dúvidas de que Bolsonaro tentará cumprir o seu programa político. “Foi isso que lhe deu sustentação entre o meio empresarial, que financiou a campanha e que viabilizou essa vitória”, explica. Por outro lado, “o resultado não foi assim tão acachapante” e a votação em Haddad mostra que “mais de 40% da população se contrapõe a esse Governo”, diz.
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“O QUE MAIS ASSUSTA É O AUMENTO DA CULTURA DO ÓDIO”
O professor de História Bernardo De Carli explica a vitória de Bolsonaro através de uma “equação” que “soma as pessoas que se identificam com os discursos antiminorias, a crise económica no país, o ‘antipetismo’ e a desilusão com o sistema político motivado pelos vários escândalos de corrupção”. “Além disso, uma onda de notícias falsas disseminada pelos seus seguidores tomou os WhatsApps em todo o país com o objetivo de destruir a imagem do PT”, explica ao Expresso, a partir de Porto Alegre.
E agora, o que fará Jair, admirador confesso do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, a guarda avançada da tortura durante a ditadura militar no Brasil? “Bolsonaro quer afastar-se diplomaticamente dos países que considera ideologicamente de esquerda, como a Venezuela, Cuba, o Uruguai ou a Bolívia. Em contrapartida, ele afirma a importância de se alinhar diplomática e economicamente com os EUA”, antevê o professor de História. Donald Trump já confirmou ter tido “uma boa conversa” com o Presidente recém-eleito.
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“O que mais assusta é o aumento da cultura do ódio. Durante a campanha, ocorreram assassínios em homenagem a Bolsonaro. O medo é que aumentem as agressões e mortes entre a população LGBT, negros e mulheres, incentivadas pelas declarações do novo Presidente”, sublinha Bernardo De Carli. “Há poucos dias, Bolsonaro declarou que vai limpar o país de ‘vermelhos’ e também que iria metralhar a ‘petralhada’, em referência aos simpatizantes do PT”, recorda, acrescentando: “O medo é que a possível liberação do porte de armas aumente a violência por motivações de ódio a minorias.”
E agora, o que pode a oposição fazer? O politólogo Benedito Tadeu César só encontra uma solução: “O que me parece fundamental é que o conjunto de forças democráticas se una finalmente, que se consiga efetivamente construir uma grande frente democrática – não uma frente de esquerda, mas uma frente ampla e democrática – para se contrapor aos feitos que serão realizados e às perseguições que começarão a ocorrer.”
“É muito provável que essas organizações neonazis que afloraram – algumas já existiam, outras constituíram-se agora – se sintam autorizadas a quebrar, a bater, a matar”, antevê, sem deixar, ainda assim, de dar uma nota de esperança: “Não consigo prever quanto tempo durará esse inferno que se anuncia mas acho que ele pode ter uma duração bem menor e ser muito menos maléfico se essas amplas forças democráticas se unirem muito rapidamente.”
VIVER EM PORTUGAL “É UM ALÍVIO SOBRECARREGADO DE TRISTEZA”
Entre a comunidade brasileira a viver em Portugal, a vantagem de Bolsonaro sobre Haddad foi ainda maior, com cerca de 65% para o primeiro em Lisboa. A viver na capital portuguesa desde 2007, a publicitária Eliana Sá não fez parte dessa percentagem. “Apesar de me considerar uma espécie de autoexilada da violência e de achar que nenhum Governo – nem antes, durante ou depois da dita ‘era PT’ – teve a capacidade ou a vontade política para enfrentar esse problema na sua totalidade, eu nunca acreditei que Bolsonaro pudesse ser a solução”, conta ao Expresso.
“Quanto ao futuro, não estou otimista. No máximo, podem tirar da manga mais algum daqueles truques económicos de curto prazo que proporcionam ao Brasil uns poucos anos de prosperidade para depois gerar um tombo que leva o país a viver uma ou duas décadas perdidas. De resto, é preciso aguardar, vigiar e, se for o caso, resistir. É um Presidente que se elegeu com um discurso fascista”, alerta. “Jamais imaginei que um dia estaria aliviada por estar morando em Portugal não apenas por me ter afastado do quotidiano de violência, mas também por estar longe do ambiente de ódio, obscurantismo, intolerância e radicalismo que se criou no Brasil. É um alívio sobrecarregado de tristeza”, desabafa.
AO CONTRÁRIO DE TRUMP, BOLSONARO NÃO TEM O SUPREMO NEM O CONGRESSO
Durante a campanha, Bolsonaro foi muitas vezes comparado a Trump. A três dias da primeira volta, a professora carioca Sílvia Dal Corso confessava ao Expresso: “Não tenho Bolsonaro como um político altamente capacitado mas, a exemplo dos EUA, que elegeram um louco varrido e o país está retomando a sua economia, eu vou votar no maluco do Bolsonaro.” No discurso de tomada de posse, em contramão com o discurso da campanha, Bolsonaro prometeu “um Governo constitucional e democrático” que terá como “princípio fundamental” a liberdade.
Para o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) Jorge Reis Novais, “se não houver um golpe, considerando que as regras existentes se vão aplicar como o próprio eleito disse, curiosamente os freios e os contrapesos são mais fortes no Brasil do que nos EUA”. E aponta duas razões, a começar pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “Trump teve condições para designar novos juízes e, com isso, alterar o sentido de voto do Supremo Tribunal americano. No caso do Brasil, essa possibilidade não existe. Bolsonaro só pode nomear quando os juízes – os chamados ministros – do Supremo Tribunal Federal atingirem a idade da reforma. Muito dificilmente ele terá hipótese de inverter o sentido da composição do Supremo Tribunal”, adianta.
Um outro contrapeso é o próprio Congresso. “Enquanto Trump tem uma maioria no Congresso, que tem funcionado nas questões mais importantes a favor do Presidente, Bolsonaro não tem essa maioria, nem coisa que se pareça”, compara Jorge Reis Novais. “Também não tem uma maioria contra, é verdade, mas há uma maioria, digamos, instável, que levou os anteriores Presidentes do Brasil a ter de negociar a cada momento, a ter de comprar votos, a ter de enveredar pelo caminho da corrupção. Se este Presidente quiser o apoio do Congresso para eventuais medidas legislativas que queira levar a cabo, tem de negociar muito”, esclarece.
No entanto, o professor de Direito reconhece que “há coisas que podem mudar rapidamente - e para pior”. “A possibilidade de atuação direta das forças policiais, de facto, está nas mãos do Presidente, e isso pode acontecer. Mas isso não resolve a questão da insegurança, pelo contrário”, refere.
Por outro lado, “a política económica que se prevê agravará as desigualdades sociais, a exclusão. Se aumenta a exclusão, aumenta também o número de pessoas que não têm outras alternativas que não sejam dedicar-se ao crime”, acrescenta. Neste cenário, Bolsonaro terá muitas dificuldades em corresponder às expectativas do seu eleitorado, concede o professor da FDUL. E conclui: “a menos que se enverede pela via do golpe, a vida é mais difícil para este Presidente do que para Trump.”