Internacional

O futuro do Brasil: na confusão de tanta noite e tanto dia

O título deste texto, que cita um poema do brasileiro Ferreira Gullar, dá conta de um país muito dividido à beira de uma das decisões mais cruciais da sua história

Vamos ter de achar um caminho, nem que seja para o terminal internacional do aeroporto de Guarulhos”, diz Oliver Stuenkel. Foi com esta frase, que corre em São Paulo, que o professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sintetizou a tensão que se vive no país, a poucos dias da votação que pode — já amanhã — eleger Jair Bolsonaro para o cargo de Presidente do Brasil. A zona de conforto do capitão reformado já foi maior, porque a distância entre os dois candidatos diminuiu seis pontos esta semana: Fernando Haddad recuperou e tem agora 44% das intenções de voto e Bolsonaro 56%.

A última semana foi marcada por novos ataques de Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF), pela ameaça à liberdade de imprensa (ao prometer cortar o financiamento federal aos jornais “Globo” e “Folha de São Paulo” por terem divulgado notícias que lhe são prejudiciais. Exemplo disso foi a denúncia pela “Folha” de campanhas ilegais a favor de Bolsonaro patrocinadas por empresários na rede social WhatsApp.

A confirmarem-se as sondagens, é certa a viragem do Brasil à direita, e a consequente imposição de uma forte agenda moral de inspiração evangélica. O reforço dos poderes policiais faz parte do programa de Bolsonaro, bem como a redução dos direitos humanos e sociais, e o ataque à proteção ambiental. A decisão está nas mãos de 147 milhões de eleitores. Na primeira volta, dia 7, votaram 117 milhões.

Para já não parece estar em cima da mesa o cenário de nova ditadura militar, apesar de Bolsonaro, capitão reformado, ter como candidato a vice-presidente um general na reserva. Pela primeira vez uma maioria relativa de brasileiros votou num candidato com um ethos autocrático e manifesta hostilidade aos valores institucionais e democráticos. Até agora, os regimes autoritários foram impostos à força.

Um teste aos contrapesos

A principal incógnita é saber até onde e como irão resistir as instituições democráticas aos arroubos autocráticos do candidato do PSL — é a pergunta colocada a vários analistas contactados pelo Expresso.

“A grande questão é como será o convívio entre uma presidência autocrática e as instituições? Mais preocupante é que a onda conservadora elegeu a maioria dos governos estaduais e está em maioria no Congresso. O que é negativo para a resistência das instituições”, afirma Óscar Vilhena Vieira. “Como contrapesos existem a Justiça, com um Ministério Público e um Supremo Tribunal Federal (STF) robustos e muito consolidados nos últimos 30 anos. A sociedade civil e uma imprensa livre são também limites ao exercício arbitrário do poder”, acrescenta o diretor da Faculdade de Direito da FGV. “Os próximos anos vão ser de grande tensão. Resta saber até onde a justiça vai resistir”.

Mais pessimista, Stuenkel considera que a radicalização do discurso de Bolsonaro e os ataques ao STF e ao Congresso condicionam a capacidade de resistência das instituições. “Sou cético quanto à capacidade de limitar o poder executivo”, diz, lembrando que na Nicarágua, Venezuela, Bolívia e Honduras houve iniciativas presidenciais para limitar o poder da Justiça.

As tiradas de Bolsonaro são “uma ameaça e uma vantagem implícita, pois se o futuro Presidente tiver um confronto com o STF, pode sempre alegar que tem apoio popular. Intimidado, o juiz vai pensar duas vezes”. O mesmo acontece quando necessitar de aprovar leis no Congresso para governar, como a reforma do Estado-social ou do mercado laboral.

“Há um cansaço da população com os longos debates políticos, a que corresponde o desejo de um homem forte que aponte o caminho. Há dúvidas sobre o compromisso dos brasileiros com o sistema de pesos e contrapesos institucionais, um processo mais longo e demorado”, acrescenta.

Ambíguo na economia

Para Vieira e Stuenkel, a ambiguidade marca a agenda económica de Bolsonaro. Apesar de confessadamente nacionalista, tentou agradar ao mercado indo buscar, a meio da campanha, o economista liberal Paulo Guedes, dado como futuro ministro da Economia. A “Folha” lembrou esta semana que, de dez propostas económicas do Partido dos Trabalhadores (de Haddad), Bolsonaro votou a favor de seis. “A agenda neoliberal gera ambiguidade, porque os governos conservadores são tradicionalmente mais estatizantes”, diz Vieira.

“Bolsonaro propõe avanços liberalizantes, mas sabe que a maioria da população é contra a globalização”, acrescenta. “Como funcionará um governo nacionalista, contra a globalização, a China e as multinacionais, com essa deriva liberal?” Bolsonaro, que faltou aos debates, não diz como vai sanear as contas públicas, sabendo-se apenas que a reforma fiscal proposta por Guedes comprometeria o crescimento do PIB.

O Brasil entra, segunda-feira, num vazio constitucional. O Presidente-cessante, Michel Temer, mantém o poder formal até 1 de janeiro, véspera da posse do Presidente-eleito. Até lá, o candidato que vencer amanhã, tem de formar governo e negociar apoio parlamentar com o “centrão”, bloco com uma dezena de partidos quase sem ideologia que vendem votos a troco de benesses. Resta saber se Bolsonaro manterá a promessa de não negociar apoios. “Se o apoio do “centrão” prevalecer, vai haver um papel de moderação no Congresso, pois serão feitos acordos”, diz Vieira, lembrando que tudo dependerá da escolha para a liderança da Câmara dos Deputados e do Senado, e da presidência das várias comissões parlamentares. “São estas lideranças que escolhem a agenda política que vai ser discutida pelos parlamentares”.

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