Justiça forçada a adaptar-se aos tempos do #MeToo
Brett Kavanaugh estava com um pé no Supremo, mas foi travado por uma acusação de má conduta sexual
Brett Kavanaugh estava com um pé no Supremo, mas foi travado por uma acusação de má conduta sexual
Jornalista
Os últimos dias foram de intensas negociações entre a equipa de advogados de Christine Blasey Ford, a mulher que acusa o juiz Brett Kavanaugh de agressão sexual quando andavam ambos no liceu, e a comissão de Justiça do Senado. O momento-chave aconteceu quinta-feira, quando a representante de Ford afirmou: “Ela deseja testemunhar.” A condição é os senadores oferecerem-lhe “termos que sejam justos e que garantam a sua segurança”. Desde que saltou do anonimato, há uma semana, quando decidiu tornar o caso público e dar a cara, Ford tem recebido ameaças de morte, tendo a sua família mudado de casa.
É quase certo que Kavanaugh testemunhará na próxima semana. O homem escolhido por Trump para o Supremo Tribunal quer “limpar” o seu nome. Nega tudo e afirma desconhecer a queixosa. Resta saber se Ford irá mesmo depor. A sua equipa pediu à comissão que chamasse outras testemunhas e que Kavanaugh depusesse primeiro, mas ambos os pedidos foram rejeitados pelos senadores republicanos. Estes preferem uma pessoa externa para o interrogatório, opção que os advogados de Ford recusam, temendo que a audiência assuma um tom persecutório e argumentando que os senadores deveriam estar envolvidos.
As negociações desenrolaram-se um dia depois de um aparente impasse entre Ford e os republicanos, que, apoiados pelo Presidente, exigiam que ela testemunhasse na segunda-feira, ou não de todo. Depois de reabrir a porta à audiência, Ford insiste numa investigação prévia pelo FBI. “Se não estivesse a dizer a verdade, não pediria ao FBI para investigar. Mentir ao FBI é um delito criminal. Talvez os republicanos tenham medo do que uma investigação possa encontrar, possivelmente outros esqueletos no armário do juiz”, comenta ao Expresso o gestor de relações públicas, Russell Schaffer, a partir de Nova Iorque.
“Embora não queira que Kavanaugh seja confirmado, penso que isso acabará por acontecer”, comenta a escritora Farrah Alexander, colaboradora do “Huffington Post”. “Não acredito que um alegado predador sexual tenha a integridade e o carácter necessários para se sentar no mais importante tribunal da nação, que influencia decisivamente as vidas dos americanos”, faz questão de sublinhar ao Expresso a autora, a partir de Louisville, no estado do Kentucky.
Se for confirmado, Kavanaugh junta-se no Supremo a outro homem acusado de má conduta sexual. Há quase 30 anos, Clarence Thomas foi confirmado depois de a advogada Anita Hill ter testemunhado contra ele. O caso ganhou nova vida por estes dias, mas Schaffer aponta diferenças: “Thomas e Hill trabalhavam juntos e, por isso, foi uma situação de ‘ele disse, ela disse.’ No caso Kavanaugh/Ford, é ‘ela disse, ele disse que não se lembra dela’. Por outro lado, Thomas/Hill aconteceu quando eram ambos adultos. Outra distinção importante é que Ford acusa Kavanaugh de tentativa de violação, enquanto Hill acusou Thomas de assédio sexual. São ambos atos vis, mas diferentes”, sintetiza.
Os tempos são outros e o movimento #MeToo estará presente na hora da votação. O sociólogo e comentador político DaShanne Stokes acredita que o movimento gerado contra o abuso sexual “pode ter um impacto significativo na forma como o Senado votará”. Já o advogado Richard Hornsby, não pondo de parte a influência do movimento, é mais pragmático. “A perspetiva de mudar a composição do Supremo durante as próximas décadas será ainda mais irresistível”, avalia ao Expresso este jurista de Orlando.
Mesmo contemplando a hipótese de ter havido gestão política do caso por parte do Partido Democrata, Stokes considera que este só tem a ganhar nas eleições de 6 de novembro. “Trump perdeu o voto popular, os seus índices de aprovação são bastante baixos e há um movimento social de resistência”, pelo que “há muito boas hipóteses de os democratas recuperarem a maioria no Congresso”, prognostica.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hgomes@expresso.impresa.pt