Bruxelas prepara-se para divulgar primeira versão do Tratado do Brexit
PAUL FAITH
Michel Barnier diz que acordo legalmente vinculativo não trará surpresas, por se limitar a esclarecer os compromissos políticos que têm sido alcançados entre a UE e o Reino Unido desde o início das negociações de saída. Contudo, antevêem-se conflitos entre os dois partidos da coligação de governo no Reino Unido, com os Unionistas da Irlanda do Norte a repetirem os avisos de que não vão aceitar o regresso a uma "fronteira dura" com a Irlanda no pós-Brexit
Para o Partido Unionista Democrático (DUP) da Irlanda do Norte, o rascunho que está prestes a ser divulgado por Bruxelas "viola fundamentalmente" o acordo preliminar que foi alcançado no final de 2017 entre a UE e o Reino Unido. "A UE e Dublin estão iludidos se acham que o governo vai subscrever [um tratado que define] uma fronteira [física] no Mar da Irlanda", referiu ontem Jeffrey Donaldson, do DUP, sublinhando que o divórcio nos termos em que está definido vai minar o estatuto da Irlanda do Norte delineado no Acordo de Belfast.
Também conhecido como Acordo da Sexta-Feira Santa, o tratado que os governos britânico e irlandês assinaram em 1998, com o apoio da maioria dos partidos políticos da Irlanda do Norte, veio definir como é que a região deveria ser governada, pondo fim a um conflito sectário de 30 anos que provocou milhares de mortos. No rascunho do tratado do Brexit, um documento de 120 páginas preparado pela Comissão Europeia, apresentam-se três opções para evitar o regesso a uma fronteira física entre as Irlandas — uma delas, aponta o correspondente da BBC em Bruxelas, prevê a permanência da Irlanda do Norte no mercado único e na união aduaneira após a conclusão do Brexit, e será a que menos agrada a Londres.
Michel Barnier, chefe das negociações do Brexit do lado da UE, já veio garantir que o rascunho em causa não trará surpresas, limitando-se a traduzir em linguagem legalmente vinculativa os compromissos políticos alcançados pelos dois lados desde o início das negociações, referentes à Irlanda, aos direitos dos cidadãos da UE que vivem no Reino Unido e à chamada 'fatura do divórcio'. Nele é ainda definido que, durante a transição para o Brexit (um período que deverá estar concluído em 2020), os britânicos terão de continuar a reger-se pela legislação comunitária mas sem direito de voto nem quaisquer poderes de decisão, ficando sujeitos aos acordos e regras que forem sendo definidos pela UE a 27.
Barnier está "preocupado" com desavenças quanto à fronteira irlandesa
Thierry Monasse
"O relógio está a avançar e o tempo é curto", declarou Barnier numa conferência de imprensa na terça-feira. "Estou preocupado", acrescentou sobre a falta de consenso quanto a questões fundamentais como a fronteira irlandesa. A conversa com os jornalistas decorreu depois de ter chegado à imprensa uma carta assinada pelo chefe da diplomacia britânica, Boris Johnson, na qual o governante sugere que está disposto a aceitar o regresso a uma fronteira "dura" com a Irlanda depois de o Reino Unido abandonar a UE.
Segundo a TV irlandesa RTE, a primeira versão do tratado do Brexit que Bruxelas está prestes a divulgar propõe que a Irlanda do Norte continue a integrar a união aduaneira mesmo depois da saída do Reino Unido, através da criação de um único "espaço regulatório" na ilha da Irlanda sem barreiras internas. Segundo a SkyNews, que teve acesso à carta de Johnson, o ministro dos Negócios Estrangeiros terá garantido a May que não há motivos de preocupação porque "95% do tráfego" continuará a não estar sujeito a controlos mesmo que volte a ser implementada uma fronteira física entre as duas Irlandas. Na missiva, Johnson garante que Bruxelas tem estado a dar uma "impressão exagerada" sobre "o quão importantes são os controlos" nas fronteiras externas da UE.
Face ao conteúdo da carta, o Partido Trabalhista exigiu esta semana que Johnson, um dos grandes defensores do Brexit dentro do governo conservador britânico, seja despedido "antes que cause mais danos" nas negociações de saída em curso. Um porta-voz do ministro respondeu que a carta só foi criada "para demonstrar a facilidade de gerir uma fronteira [dura] para que o Brexit tenha sucesso".
"A carta salienta a fronteira que existe atualmente e sublinha que a tarefa da comissão [governamental para o Brexit] é impedir que esta se torne muito mais rija", acrescentou o representante. "Demonstra como podemos gerir uma fronteira sem infraestruturas ou controlos ao mesmo tempo que protegemos os interesses do Reino Unido, da Irlanda do Norte, da Irlanda e da UE."