A delegação britânica responsável por negociar o Brexit foi esta semana advertida de que o acordo de saída da União Europeia vai estipular a permanência da Irlanda do Norte no mercado único e na união aduaneira durante o período de transição, um tópico que promete provocar fraturas dentro do Partido Conservador de Theresa May e entre o governo britânico e os Unionistas norte-irlandeses, cujos 10 deputados vieram garantir-lhe maioria para continuar a governar no rescaldo das eleições de 2017.
Segundo a delegação europeia, o acordo formal de saída do Reino Unido, legalmente vinculativo e que deverá ser apresentado até ao final deste mês, vai incluir uma cláusula temporal que dita a nulidade do seu conteúdo caso os dois lados venham a alcançar um acordo de trocas comerciais ou uma solução tecnológica que garanta a não-necessidade de controlos na única fronteira terrestre que o Reino Unido partilha com a UE, entre a Irlanda do Norte, que integra o reino, e a República da Irlanda, um dos Estados-membros do bloco.
O acordo para firmar a saída dos britânicos em março de 2019 e para implementar um período de transição até ao final de 2020 deverá ditar que a Irlanda do Norte vai continuar a ser regida pelas regras da UE até esse período de 21 meses acabar.
Este ponto, bem como a ausência de esclarecimentos da parte do governo britânico sobre o que pretende no pós-Brexit, deverão provocar desentendimentos internos no Reino Unido, sobretudo depois de os ministros de May terem concluído uma reunião sobre a fronteira irlandesa na quarta-feira sem qualquer decisão significativa.
"O governo britânico não vai ter espaço de manobra" na hora de fechar o acordo com Bruxelas, garantiu o eurodeputado Philippe Lambert, líder dos Verdes no Parlamento Europeu, depois de ter estado reunido com o chefe da delegação europeia para o Brexit, Michel Barnier, no início da semana em Estrasburgo.
"Vamos manifestar exatamente aquilo que queremos dizer quando falamos em alinhamento regulatório no documento legal. Será muito claro e poderá causar alguns problemas no Reino Unido, mas não fomos nós que criámos esta trapalhada."
Desde que Theresa May desenhou as suas linhas vermelhas quanto ao acordo de saída, Barnier tem avisado repetidamente que o Brexit nos moldes estipulados pela primeira-ministra vai obrigatoriamente traduzir-se em barreiras ao comércio livre na forma de controlos fronteiriços entre as duas Irlandas.
Com a postura contraditória do governo britânico, que quer abandonar o mercado único mas que não quer taxas aduaneiras nem uma 'fronteira dura' com o bloco europeu, têm levado as autoridades da Irlanda do Norte a reforçar avisos sobre o perigo que isto representa não só para o comércio e para a economia mas também para a paz.
No início da semana, o comissário da polícia norte-irlandesa, George Hamilton, juntou-se ao coro de avisos ao alertar que qualquer nova infraestrutura de controlo que seja montada na fronteira, por mais 'suave' que seja, vai tornar-se um alvo fácil para grupos armados. "Os terroristas só precisam de ter sorte uma vez e de obter um resultado com consequências catastróficas", apontou.
O acordo que prevê a permanência da Irlanda do Norte no mercado único e na união aduaneira no pós-Brexit resulta do entendimento entre a Comissão Europeia e o governo britânico em dezembro para encerrar as discussões sobre os tópicos mais fraturantes da saída — os direitos dos cidadãos da UE, a chamada 'fatura do divórcio' e a fronteira irlandesa — e avançar para as negociações da futura relação entre os britânicos e o bloco regional.
No mês passado, o Executivo de May reconheceu que, "na ausência de soluções negociadas, o Reino Unido vai manter-se totalmente alinhado com as regras do mercado único e da união aduaneira que, agora ou no futuro, apoiam a cooperação Norte-Sul, a economia do Reino Unido como um todo e o acordo de proteção de 1998" — também chamado Acordo da Sexta-Feira Santa ou Acordo de Belfast, foi assinado em abril desse ano para enterrar o conflito entre unionistas e nacionalistas da Irlanda do Norte.
Apesar dos seus protestos iniciais no decorrer da primeira fase das negociações com Bruxelas, o Partido Democrático Unionista (DUP) da Irlanda do Norte, que integra a coligação de governo chefiada por May, acabou por aceitar o acordo de princípio cujo parágrafo 50 dita que não haverá barreiras às trocas comerciais entre o continente britânico e os norte-irlandeses no pós-Brexit.
O compromisso é, aos olhos da UE, uma questão do foro interno do Reino Unido que não está abrangida pelo acordo legal a ser firmado entre Londres e Bruxelas. Para John McGrane, diretor-geral da Câmara do Comércio Britânico-Irlandesa, é sinal do contínuo delírio de alguns departamentos do governo britânico que acreditam que "tudo se vai resolver", movidos pela crença de que o Reino Unido vai poder escolher o que quer ou não manter quando sair da UE por ser tão importante para o bloco.
"A Grã-Bretanha tirou zero das negociações até agora", refere citado pelo "Guardian". "Será que vai continuar a alcançar nada ou ainda conseguirá salvar alguma coisa? Na semana passada estive num encontro organizado por um dos departamentos do governo britânico que, digo-o sem desrespeito, no fundo foi criado para reforçar a ideia de que tudo vai ficar bem, portanto foi muito importante que as pessoas erguessem as suas vozes para dizerem que se calhar pode não ficar tudo bem."
Ao mesmo jornal, um diplomata da UE diz que as negociações sobre a fronteira irlandesa vieram expôr a "inviabilidade" do Brexit sob os termos apresentados por Theresa May, numa altura em que a primeira-ministra continua sem esclarecer o que pretende alcançar para o pós-Brexit e, com isso, a gerar tensões dentro do governo e do seu Partido Conservador.