Em 2004 a cidade de Munique, na Alemanha, virou as costas ao Windows e entregou-se nas mãos do Linux. Era uma das maiores organizações do mundo a bater o pé à hegemonia do sistema operativo da Microsoft. Na empresa de Bill Gates os alarmes dispararam e o CEO da altura, Steve Ballmer, voou até Munique para tentar convencer o edil da cidade alemã a repensar a decisão. Não valeu a pena. Christian Ude estava decidido a migrar todos os serviços, aplicações e computadores da câmara para o universo do software livre. O processo não foi imediato e as equipas técnicas demoraram anos a implementar os sistemas que iriam permitir a migração de milhares de postos de trabalho.
Num movimento bastante vanguardista e que o líder do projeto de transição, Peter Hofmann, considerou na altura não se tratar “apenas de uma questão financeira, mas de liberdade. O nosso maior objetivo é ser independentes”. A liberdade a que Hofmann se refere é a da capacidade de poder desenhar o software que se quer utilizar a cada momento e consoante as necessidades específicas da organização. Com isso, claro, controla-se o custo. Munique tornava-se no principal bastião da muito ativa comunidade Linux que se encarregou de espalhar aos sete ventos a conquista da cidade alemã. A Microsoft, por seu lado, temia que aquela movimentação pudesse “contaminar” outras autarquias e terá encetado um plano para persuadir todos os que ficassem hesitantes após a decisão de Munique.
Os anos passaram e a terceira maior cidade alemã continuou a mimetizar a aldeia gaulesa de Astérix. Quer dizer, não o fez na totalidade. Na verdade, Munique não foi totalmente irredutível: no seu interior continuavam a existir sistemas “romanos”. Sabe-se que alguns computadores da autarquia ainda corriam Windows - condição obrigatória para que fosse possível trabalhar com algumas aplicações que só eram compatíveis com o sistema da Microsoft.
O caminho fez-se, realmente, caminhando e ao longo do tempo os relatórios efetuados sobre a utilização do LiMux (a plataforma baseada no sistema Ubuntu, uma das instalações de Linux mais populares) foram identificando alguns problemas. Alguns dos mais de 15 mil funcionários queixavam-se de lentidão em alguns processos, erros no acesso aos sistemas de impressão e falta de compatibilidade com sistemas terceiros – aqueles utilizados por empresas que trabalham para a câmara, por exemplo.
Apesar de, na altura, números oficiais terem indicado poupanças na ordem dos 10 milhões de euros (quando comparado com a opção Microsoft), a opção de Munique pelo Linux tem a morte anunciada. A Assembleia Municipal aprovou o mês passado um plano para o regresso do Windows. A versão 10 do sistema operativo chegará aos 29 mil computadores da autarquia alemã a partir de 2020 e deve terminar três anos depois. Ao mesmo tempo, vai decorrer um teste piloto onde o Office 2016 (a suíte de produtividade da Microsoft) vai correr a partir da Internet.
Tudo isto porque as interações com o Windows são cada vez mais necessárias e, como explica à ZDNET o atual presidente da câmara, “não é suportável manter dois sistemas operativos no município”. E quanto é que vai custar este regresso? 49,3 milhões de euros!
No entanto, por lá, na Alemanha, a questão não é tão linear como possa parecer à primeira vista. Citado pelo TechRepublic o responsável pela tecnologia do município é perentório: “Não vemos nenhuma razão técnica evidente para que a mudança seja feita para Windows e Office”. Karl-Heinz Schneider vai mais longe e confirma que os problemas de compatibilidade com os formatos de documentos usados por organizações fora da câmara já estavam resolvidos. A explicação para as queixas dos utilizadores referem-se, segundo ele, à má estruturação do departamento de gestão de IT da cidade que utiliza versões muito antigas dos sistemas o que implica uma lentidão na atualização das aplicações. Ou seja, há problemas técnicos em Munique assumidos pela equipa responsável. Mas não só: há quem diga que a decisão do regresso ao Windows é, basicamente, política. Como é indicado na ligação já partilhada do TechRepublic pelos responsáveis do Partido dos Verdes e da Free Software Foundation Europe. Até é referida, como engodo, a deslocalização para Munique, em setembro do ano passado, da sede da Microsoft na Alemanha.
Política ou não, quando for votada no final do próximo ano, e tudo indica que a decisão vai recair no Windows, a queda de Munique vai representar um rude golpe para todos os que alimentavam a hipótese de o Linux (as suas instalações mais convencionais) se assumir numa estrutura pública desta dimensão. Claro que isto não implica o fim do Linux ou do software livre. Basta dar como exemplo o sistema operativo Android (que está em mais de 80% dos dispositivos móveis) ou o Chrome OS (da Google) que está em milhares de computadores espalhados pelo mundo. Ambos funcionam neste sistema de partilha de conhecimento, de liberdade, e são grandes sucessos. O Linux perde, assim, uma batalha, mas está longe de perder a guerra.
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