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Crise dos Rohingya. Amnistia acusa forças de Myanmar de crimes contra a humanidade

Crise dos Rohingya. Amnistia acusa forças de Myanmar de crimes contra a humanidade
Andrew Stanbridge/Amnesty International

Testemunhos de mais de 120 refugiados, entre outras provas documentadas, revelam "campanha sistemática, organizada e cruel" para forçar a minoria étnica muçulmana a abandonar o país

Pela primeira vez, as forças de segurança de Myanmar (Birmânia) foram acusadas de crimes contra a humanidade cometidos contra a minoria étnica e religiosa Rohingya, mês e meio depois de terem lançado uma "operação de limpeza" no estado de Rakhine que já levou quase um milhão de pessoas a fugirem para o Bangladesh.

Num relatório divulgado esta quarta-feira de manhã, a Amnistia Internacional revela provas recolhidas durante uma recente investigação à atuação das forças de segurança birmanesas, entre elas testemunhos de mais de 120 refugiados, entrevistas com 30 médicos, funcionários humanitários, jornalistas e oficiais do Bangladesh e imagens de satélite, a par de vídeos gravados no terreno.

Em “'O meu mundo acabou’: Rohingya são alvo de crimes contra a humanidade em Myanmar”, a organização refere que todas as provas apontam para a mesma conclusão — a de que "centenas de milhares de mulheres, homens e crianças Rohingya foram vítimas de ataques sistemáticos e generalizados que correspondem a crimes contra a humanidade". Uma das piores atrocidades registadas, aponta a AI, deu-se a 30 de agosto, cinco dias depois do início da operação militar em Rakhine, na aldeia de Min Gyi (Tula Toli para os Rohingya) — palco de um aparente massacre que o "Guardian" já tinha referido numa investigação recente.

"Nesta campanha orquestrada, as forças de segurança de Myanmar têm estado a vingar-se de toda a população Rohingya no estado de Rakhine, numa aparente tentativa de a forçar a abandonar o país de forma permanente", refere Tirana Hassan, diretora de Respostas a Crises da Amnistia. "Estas atrocidades continuam a alimentar a pior crise de refugiados da região em décadas. Expor estes crimes hediondos é o primeiro passo no longo caminho para a justiça."

Citada pelo "The Guardian", Hassan dirige um pedido ao poderoso comandante das forças birmanesas, o general Min Aung Hlaing, para que tome ações imediatas a fim de acabar com as atrocidades cometidas pelas suas tropas — acusações que nem o Exército nem o governo civil de Myanmar, liderado pela Nobel da Paz Aung San Sou Kyi, reconhecem.

Apesar de as autoridades continuarem a impedir o acesso de jornalistas e de funcionários humanitários, incluindo de agências da ONU, de acederem a Rakhine, imagens de satélite recentes divulgadas pela Human Rights Watch mostram que pelo menos 288 aldeias foram parcial ou totalmente incendiadas no estado desde o final de agosto.

Com base nas provas recolhidas em três missões na fronteira de Myanmar com o Bangladesh, a Amnistia diz ter concluído que pelo menos seis crimes contra a humanidade foram cometidos nas últimas semanas, identificando pela primeira vez as unidades militares específicas responsáveis por esses crimes.

Uma mulher entrevistada pela organização, Shara Jahan, de 40 anos, cujo marido e filho foram abatidos a tiro, diz ter ficado encurralada em casa quando o telhado pegou fogo. "Tinha fogo no meu corpo todo, nas minhas roupas. Rebolei até ao arrozal. [Só quando lá cheguei] é que consegui apagar o fogo numa pequena poça", relata. Uma foto de Jahan mostra a sua cara e braços cobertos de cicatrizes, com relatórios médicos a comprovarem que sofreu queimaduras de segundo e terceiro grau.

Entre os seis crimes contra a humanidade já documentados pela organização com base no Estatuto de Roma, o tratado que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional, contam-se homicídio, deportação e deslocação forçada, tortura, violação, perseguição com base na etnia e religião dos alvos e outras ações desumanas como recusar comida e outras provisões vitais.

Dez das pessoas entrevistadas pela organização viviam em Min Gyi, onde pelo menos uma dúzia de pessoas foram mortas no último mês e meio. Os seus relatos, sublinha a Amnistia, "corroboram o que parece ser uma das piores atrocidades cometidas pelo Exército nesta campanha de limpeza étnica".

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