Presidente catalão escolheu a via eslovena

Puigdemont suspende a secessão da Catalunha e lança apelo ao diálogo para resolver o conflito com Espanha de forma “serena e pactuada”
Puigdemont suspende a secessão da Catalunha e lança apelo ao diálogo para resolver o conflito com Espanha de forma “serena e pactuada”
Correspondente em Madrid
Não houve, em bom rigor, uma Declaração Unilateral de Independência (DUI). O governo regional catalão travou às quatro rodas. Venceu a via eslovena: em 1990, após um referendo favorável à independência, a secessão da então República jugoslava foi adiada seis meses para tentar dialogar com Belgrado. Assim, é possível que a Catalunha venha a ser independente um dia, mas não é para já.
O presidente do governo regional, Carles Puigdemont, formulou a declaração do Estado catalão, no discurso mais esperado dos últimos tempos políticos em Espanha, assumindo "o mandato do povo", resultante do referendo de 1 de outubro, que o Tribunal Constitucional espanhol suspendeu.
“A Catalunha ganhou o direito de se constituir em Estado independente", afirmou, para em seguida pedir ao Parlamento regional a suspensão imediata dos efeitos dessa declaração, para abrir uma “janela de diálogo” que propicie a resolução do conflito entre a Catalunha e Espanha. Defende um processo “sereno e pactuado”.
Os peritos constitucionalistas consultados logo após o discurso recomendam que este seja analisado em função das decisões que o governo catalão tomar nas próximas horas. Em princípio, dizem, nada mudou no status quo vigente. A Catalunha continua a ser uma comunidade autónoma dentro do Estado espanhol.
Numa primeira reação, o Executivo espanhol expressou através de um porta-voz que não se pode justificar uma decisão política com um ato, o referendo, suspenso pelo Constitucional. Madrid criticou, segundo os jornais espanhóis e catalães, que Puigdemont tenha feito uma declaração de independência implícita que depois suspendeu explicitamente.
O líder catalão dedicou a maior parte do seu discurso a explicar historicamente o processo separatista, enumerando um memorial de agravos provenientes de Espanha nas décadas recentes. Descreveu de forma detalhada a desilusão provocada em muitos cidadãos pelos contínuos entraves do Estado central às tentativas de adaptar o Estatuto de Autonomia aos tempos correntes e às exigências de autogoverno de uma ampla maioria de catalães.
“Não somos delinquentes, não somos golpistas, não somos loucos, não somos sequestrados”, assegurou em tom dramático o dirigente catalão, para fundamentar a racionalidade das aspirações independentistas. À hora em que este texto é escrito, os porta-vozes dos vários grupos parlamentares representados no hemiciclo catalão respondiam ao discurso de Puigdemont, aguardando-se a posição oficial do primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy.
Entre os milhares de pessoas que rodearam o edifício do parlamento regional, assistindo em ecrãs gigantes à sessão plenária, o sentimento dominante era de frustração. Ainda não foi desta que nasceu a República Catalã.
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