Olha-se para os números e quase não se acredita: 90% dos catalães que votaram no referendo do passado domingo disseram desejar a independência. 9 em cada 10, um resultado esmagador. Mas estes números não contam a história toda. Não nos dizem, por exemplo, que quase 60% dos catalães não votaram no referendo. Porque se insiste, então, em dizer e escrever que os resultados espelham "a vontade do povo catalão"?
Os números também nos mostram que não é certo – nunca foi – que a maioria dos catalães deseje a independência. Não sou eu que o digo, são as sondagens realizadas periodicamente pelo Centro de Estudos de Opinião (CEO), que depende da Generalitat (governo regional). Os últimos resultados, divulgados no final de julho, revelavam que os partidários da independência nunca foram tão poucos desde o início da atual vaga secessionista, em 2012: só 41% eram favoráveis a que a Catalunha seja um estado independente, enquanto 49% se opunham. A sondagem mostrava também que só 48% desejavam um referendo, com ou sem concordância do governo liderado por Rajoy. Em abril eram 50%.
Ora, mesmo deixando de parte as questões em torno da legalidade desta consulta, é impossível não questionar a sua legitimidade. Porque decidiu então Puigdemont avançar com algo que não tinha a concordância da maioria dos catalães (um referendo sem o apoio de Madrid), para votar o que eles não desejavam (a independência)? Porquê agora, que o apoio ao independentismo nunca foi tão baixo? É isto a democracia a funcionar?
Com um referendo de resultados enviesados – a esmagadora maioria dos partidários da ligação a Espanha decidiu não votar, por não concordar com ele, e não existem garantias de que uma mesma pessoa não possa ter votado mais do que uma vez –, o governo catalão conseguiu um milagre: transformou uma causa com o apoio de pouco mais de 40% da população nuns redondos 90%. Nem um ditador desdenharia um resultado assim.
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